Quarta-feira, 9 de Janeiro de 2019 - 05:08
VALOR ECONÔMICO | BRASIL
A história mostra que, no continente em que vivemos, é
ilusório esperar que o ajuste das contas públicas seja feito por meio de corte
de despesas, e não pelo aumento de impostos. A chaga do populismo na região,
somada no Brasil à do patrimonialismo, impõe uma espécie de piso à redução dos
gastos. Diante disso, sair de uma crise fiscal parece impossível, uma vez que
políticas populistas tornam os eleitores muito sensíveis a cortes em programas
que, na aparência, têm caráter social, isto é, distribuem renda e visam melhorar
a vida dos mais pobres.
A irresponsabilidade fiscal é um cancro em sociedades como a
brasileira e a argentina, justamente, as duas maiores da América do Sul. Por
aqui, a aprovação no ano 2000 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) parecia
ser o marco histórico da mudança de costume na maneira como políticos e agentes
do Estado passariam a lidar com a contabilidade pública. O princípio básico da
LRF é o seguinte: uma despesa pública não pode ser criada sem que haja uma
receita equivalente para pagar a conta; e, na hipótese de queda da arrecadação,
fim da vigência legal de um tributo ou renúncia tributária, gastos — de valor
equivalente ao da perda — devem ser cortados.
O que permeia esse princípio é o equilíbrio: na
contabilidade pública, o que o governo arrecada com impostos deve ser
suficiente para pagar as contas. Dito de outra forma: a despesa pública não
deve superar o que o Estado recolhe em tributos pagos pelos cidadãos. Quando os
gastos superam as receitas, o governo tem duas alternativas: aumentar impostos
ou tomar dinheiro emprestado de cidadãos e empresas.
Como elevar tributos é a faceta mais visível do
enfrentamento do desequilíbrio orçamentário, cidadãos e empresários costumam
reagir de maneira ruidosa. A razão é simples: alta de imposto diminui
imediatamente a renda disponível das famílias e das empresas. Já o aumento da
dívida, a segunda alternativa para lidar com o desequilíbrio das finanças
públicas, é algo etéreo para a maioria dos viventes nesta Ilha de Vera Cruz e,
por isso, tão equivocadamente “aceita”.
A carga tributária cresce e todos nos revoltamos porque o
dinheiro no bolso para gastar com consumo, viagens e coisas mais nobres
encolhe. A dívida se expande e não tomamos conhecimento. Parece uma estatística
sem consequência, sem efeito na vida real. Ledo engano.
Quando um país gasta muito mais do que arrecada, a dívida
pública, isto é, de todos nós como nação, cresce sem parar e suas decorrências
são perversas: como o governo precisa tomar emprestado para bancar os gastos
adicionais, o dinheiro disponível para financiar consumidores e empresas
diminui e, por essa razão, o custo do crédito (a taxa de juros) eleva-se,
tornando mais difícil financiar o consumo e o investimento produtivo.
O crescimento contínuo da dívida pública é trágico para
qualquer país, especialmente, para países ainda em busca do desenvolvimento,
como o Brasil. Com o passar do tempo, pressionados por diversos setores da
sociedade, governantes, diante da dificuldade de cortar gastos e elevar
impostos, começam a criar “soluções” para, em tese, minorar o problema. Foi daí
que, no nosso caso, surgiram uma miríade de subsídios e privilégios para grupos
específicos (todos muito bem representados em Brasília) e jabuticabas como o
crédito direcionado, que cobra taxas de juros bem inferiores às do mercado, é
bancada com dinheiro público e hoje equivale a cerca de 50% do volume de
crédito da economia, o que significa dizer que a outra metade se financia a
taxas de mercado, referenciadas na taxa básica de juros (Selic), sendo que
esta, por sua vez, reflete o custo dos títulos emitidos pelo governo (para
financiar o desequilíbrio das contas públicas).
Um parêntesis para mostrar a perversidade brasileira: ora,
se 50% do crédito é direcionado, ou seja, é alheio ao aumento da taxa Selic,
administrada pelo Banco Central (BC) como instrumento de controle da inflação,
conclui-se que o BC é obrigado a elevar os juros, para a outra metade do
crédito, com maior intensidade para assegurar o mesmo resultado do ponto de
vista dos preços. O círculo da crueldade se completa assim: o crédito
direcionado vai, primordialmente, para grandes empresas, que a rigor não precisam
desse dinheiro, uma vez que poderiam captá-lo nos mercados nacional e
internacional, e o chamado “crédito livre”, muito mais caro, vai para pessoas
físicas, pequenos lojistas e construtoras, empreendedores etc., que ademais,
por falta de garantias, têm enorme dificuldade de ter os empréstimos concedidos
pelos bancos. Alguma coisa está (muito) fora da ordem...
Economistas do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da
Fundação Getulio Vargas analisaram dois modelos de ajuste fiscal adotados em
momentos de grande dificuldade pelo Brasil (em 1999-1998) e a Argentina (desde
2015). “Em ambos os casos, os ajustes pouco se deram pelo corte de gastos
correntes e implicaram fortes recuos do investimento público. Os dois episódios
revelam padrão semelhante: gastos previdenciários e sociais incompreensíveis e
ajustamento via alternativas como corte de investimentos, alguma compressão de
custeio e salários e aumentos de tributos”, diz Luiz Guilherme Schymura,
diretor do Ibre e que tratará da questão no próxima carta de conjuntura da
entidade.
O que fica evidente nos dois casos de ajustes fiscais
drásticos e profundos, no contexto de democracias sul-americanas, é que é
ilusão achar que esses podem ser feitos exclusivamente pelo corte de despesas.
“O problema é que as crises econômicas por trás da necessidade imperiosa de
ajustamentos fiscais têm componentes estruturais e conjunturais. Os primeiros
estão ligados a despesas rígidas e cujo aumento é difícil de conter dentro do
jogo político democrático, já que abrangem gastos previdenciários e sociais”,
diz Schymura.
Não se deve ter dúvida: ajuste terá elevação de imposto
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