sábado,
27 de abril de 2019 03:47
O
GLOBO | OPINIÃO
Décio
Oddone: A Petrobras deve ser privatizada?
A
recente crise do preço do diesel mostrou o resultado de um modelo que vem
fazendo água há tempos : o da concentração no setor de petróleo e gás. E trouxe
à tona discussões sobre a privatização da Petrobras, que desde que foi criada
se confunde com o setor no Brasil. A exploração e produção de petróleo foi
aberta nos 90, quando o monopólio foi extinto, mas, com a descoberta do
pré-sal, a empresa voltou a ter privilégios. Nas áreas de refino e gás natural
a sua posição dominante jamais foi revisada. A distribuição de combustíveis e
de gás de cozinha (GLP) há muito é controlada por poucas empresas, dentre elas
subsidiárias da estatal, que é sócia de vinte das distribuidoras de gás natural
nos estados. As contradições são visíveis. Enquanto a própria Petrobras defende
o aumento da competição, as associações de empresas de distribuição, com o
suporte e financiamento das subsidiárias da estatal, defendem a manutenção do
modelo vigente.
Embora
a Petrobras atue legitimamente para defender os interesses dos seus acionistas,
na maior parte privados, para muitos brasileiros ela é do povo e existe para
fazer política pública. O setor carece de investimentos, e a regulação reflete
o modelo que privilegia a estatal e as suas subsidiárias, beneficiando também
os seus poucos competidores privados. Os resultados são conhecidos. Enquanto a
Petrobras, afetada pela Lava-Jato e pelo endividamento, vende ativos para
reduzir a dívida e concentra recursos no pré-sal, o nível de atividade sofre, e
os preços são questionados. O petróleo caminha para a obsolescência, mas ainda
não conhecemos o potencial brasileiro, pois grande parte do nosso território
segue inexplorada. Os campos maduros da Bacia de Campos e do Nordeste declinam
por falta de investimentos. Por não ter refinarias suficientes, nos tomamos um
exportador de petróleo que importa combustíveis. Porque há concentração
excessiva, e o mercado de gás não se desenvolveu. A Petrobras nunca teve
condições de fazer tudo. Agora não quer mais. Porque o setor de petróleo e gás
no Brasil é maior que a Petrobras, precisamos de muitas empresas investindo no
país.
Quando
havia controle de preços de gasolina e diesel, como no governo Dilma, só a
Petrobras importava. Quando a Petrobras praticava preços acima dos
internacionais, o que ocorreu nos períodos Lula e Temer, apareceram os
importadores privados. O prejuízo era da estatal; o lucro de vários. Nesses
períodos, os preços dos demais derivados e do gás natural tampouco seguiram as
referências internacionais.
Como
a estatal detém o monopólio de fato no refino, o debate sobre os preços dos
combustíveis contamina o governo. Mas as discussões só abrangem o preço na
refinaria, 50% do total no caso do diesel e menos de 40% no da gasolina e do
GLP. A distribuição segue dominada por poucas empresas. O ICMS estadual, além
de elevado, serve para acelerar a volatilidade no preço e na arrecadação dos
estados. A sonegação, a adulteração, a fraude e a lavagem de dinheiro devem ser
combatidas. Para modernizar a indústria de petróleo e gás no Brasil e dar um
choque de energia barata, como quer o governo, devemos enfrentar todos esses
problemas de forma estruturada, adotando medidas para aumentar a competição no
refino e na distribuição e para racionalizar o modelo tributário.
Se
a Petrobras vender seus campos maduros, a metade do parque de refino e as
subsidiárias que operam na distribuição de combustíveis e de GLP, como
anunciou, se o mercado de gás for aberto para a competição, como tem sido
discutido, e se a ANP estipular regras claras para a divulgação dos preços,
estarão dados os passos mais importantes para modernizar o setor. Em pouco
tempo teremos substituído um monopólio por uma indústria competitiva e
transparente. Os investimentos crescerão. Os preços passarão a ser ditados pela
competição e a ser divulgados de forma transparente, tornando sem sentido
potenciais intervenções do governo. As discussões sobre a privatização da
Petrobras poderão se resumir a uma avaliação desapaixonada sobre a melhor
alocação dos recursos da União. A companhia, se essa for a decisão política,
poderá ser vendida, em partes para diminuir a concentração, levantando recursos
que poderão ter um destino mais nobre que o setor de petróleo, já alvo então de
investimentos privados mais elevados que os que a Petrobras sozinha jamais pode
fazer.
Décio
Oddone é diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e
Biocombustíveis
@CEP85 @PETROBRÁS @ENERGIA