FOLHA DE S. PAULO 29/04/2017
Foi em 20 de abril de 2015 que a Europa enfim despertou para a crise mundial de refugiados. Jornais de todo o continente publicaram reportagens macabras sobre a morte de mais de 800 refugiados que estavam em busca de asilo, depois do naufrágio do barco que os transportava, ao largo da costa líbia.
Políticos apelaram por ação, mas o problema só se agravou. Mais de 1 milhão de refugiados chegaram à Europa naquele ano, primeiro atravessando o Mediterrâneo em embarcações precárias e em seguida percorrendo o continente a pê.
Naquele mês de 2015, dois acadêmicos da Universidade de Oxford, Alexander Betts e Paul Collier, visitaram o campo de refugiados de Zaatari, na Jordânia. A situação lá era sinistra, com cerca de 80 mil pessoas vindas da vizinha Síria vivendo em alojamentos improvisados e dependentes da caridade alheia.
Bem perto do campo de refugiados, no entanto, existia uma zona econômica especial estabelecida pelo governo da Jordânia a fim de produzir bens de exportação.
"Imaginamos qual poderia ser o potencial se os refugiados pudessem trabalhar ao lado dos cidadãos jordanianos na zona econômica especial", escrevem Betts e Collier em "Refuge - Transforming a Broken Refugee System" [refúgio, como transformar um sistema de refugiados que não funciona].
Será que poderia haver um acordo que ajudasse tanto os refugiados quanto a economia da Jordânia e ao mesmo tempo oferecesse incentivo para que pessoas em campos semelhantes desistissem de tentar a perigosa jornada rumo à Itália ou à Grécia?
A população mundial de refugiados é formada por 21 milhões de pessoas, o maior número desde 1945, e a tendência é que cresça. A maioria daqueles que chegam à Europa são sírios, um total de 5 milhões dos quais fugiram da guerra civil em seu país. Mas eles têm a companhia de número cada vez maior de afegãos, somalis e pessoas de outras nacionalidades.
Ainda que a chegada deles tenha criado pânico nos países ricos, a vasta maioria dos refugiados vive em países em desenvolvimento, onde lhes é oferecida o que os autores descrevem como uma "escolha impossível", entre "permanecer por longos períodos em campos de refugiados, viver em penúria urbana ou arriscar jornadas perigosas". Essa escolha é a peça central da proposta dos autores, que é a de permitir que refugiados se empreguem legalmente o mais perto possível de seus países de origem.
Eles argumentam que o necessário é um acordo em duas partes. A primeira ê que os países ricos doem mais dinheiro às nações em desenvolvimento próximas das áreas problemáticas.
Em troca, os refugiados devem receber vistos de trabalho, permitindo que fiquem perto de seus países de origem e que mais tarde retornem a eles.
Há muito de recomendável na ideia, especialmente o fato de que Betts, especialista em questões de migração, e Collier, economista, são parte daquela rara cepa de acadêmicos que buscam resolver os problemas do planeta.
Os dois ajudaram a negociar o "Pacto da Jordânia", em 2016, sob o qual a União Européia deu US$ 2 bilhões ao país em troca da concessão de vistos de trabalho a 200 mil sírios.
CONTROVÉRSIAS
A proposta é engenhosa, embora mais controversa do que parece à primeira vista. Para começar, ela contraria o consenso liberal prevalecente de que os países ricos simplesmente deveriam admitir mais refugiados.
Os autores reconhecem que países que enfrentam problemas com refugiados, como o Quênia, continuam a se opor firmemente à concessão de vistos de trabalho, por medo de que isso só encoraje os recém-chegados a ficar.
Contornar resistências requer verbas generosas dos países desenvolvidos, o que não pode ser garantido em um momento de sentimentos negativos sobre a imigração.
Também existe o risco de que os países mais ricos só participem dessa política porque ela oferece uma desculpa para que recusem entrada a imigrantes.
"Hoje, o mundo gasta US$ 75 bilhões anuais com os 10% de refugiados que chegaram a países desenvolvidos e apenas US$ 5 bilhões com os 90% que continuam a viver em países em desenvolvimento", escreveram Betts e Collier.
Se parte dessas verbas for transferida e algumas idéias mais criativas forem aceitas, certamente deve ser possível encontrar o começo de uma nova resposta.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
AUTORES Alexander Betts e Paul Collier EDITORA Allen Lane QUANTO R$56,30 (livro digital; 254 págs.)
@política @economia @refugiados
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