Sobral, 1o de Maio de 2017:
Uma análise da obra de Belchior que você respeita
Prof. Aécio Cândido
Quando penso em Belchior, penso também, quase sempre, em
Dorival Caymmi. Os dois têm uma obra pequena, relativamente, mas composta, toda
ela, de obras-primas. Só fizeram coisas grandiosas. Elis Regina tinha um faro
fino, apuradíssimo, para reconhecer o que é bom. E reconheceu de imediato o
talento caudaloso daquele jovem vindo do Ceará e a qualidade dos seus versos.
Gravou, de cara, Mucuripe e Como Nossos Pais.
Um artigo da Folha de
São Paulo, no dia de sua morte, destaca o caráter de crônica de muitas das
letras de Belchior. É isto mesmo. Belchior é um grande poeta porque é um grande
cronista. A boa crônica se faz realçando a profundidade do muito simples. O
olhar do poeta nos faz ver que coisas muito simples são na verdade muito
profundas. E vice-versa. O cronista é um filósofo.
Imagine alguém que pondera, com certa angústia, mas com a
coragem do enfrentamento: "Deixemos de coisas, cuidemos da vida,/ Senão
chega a morte ou coisa parecida / E nos arrasta, moço, sem ter visto a
vida" São versos de Hora do Almoço,
música de estreia (1971). É a crônica de
um almoço em família, meio taciturno. A descrição é econômica, mas precisa: “No
centro da sala, diante da mesa, / No fundo do prato, comida e tristeza. /A
gente se olha, se toca e se cala / E se desentende no instante em que fala”.
Em Como Nossos Pais, que é toda um poema de versos
magistrais, a consciência de que a vida é maior do que tudo, de que qualquer
arte, e que é a matéria bruta de tudo que se segue: “Não quero lhe falar / Meu
grande amor / Das coisas que aprendi / Nos discos / Quero lhe contar como eu
vivi /
E tudo o que aconteceu comigo”.
E que bela comparação esta, para precisar uma dimensão
incomum de alegria: “Eu era alegre como um rio, / Um bicho, um bando de
pardais, / Como um galo, quando havia... / Quando havia galos, noites e
quintais”.
Crispiniano, hoje, no WhatsApp, lembra mais um verso de
cronista: “Não preciso que me digam / de que lado nasce o Sol, / Porque bate lá
meu coração”.
Belchior foi de uma turma que, no início dos anos 1970,
colocou o Ceará no centro musical do Brasil. A Literatura cearense já conhecera
tal deslocamento: José de Alencar e Rachel de Queiroz já tinham pautado uma
agenda literária com foco no Ceará. Junto com Belchior, desceram Fagner,
Ednardo, Amelinha. Tudo gente com muita coisa para dizer. Belchior era um
espírito refinado: estava traduzindo A Divina Comédia, de Dante. É de se
perguntar: o que aconteceu com o Ceará e com os cearenses nos últimos 40 anos?
Por que a geração de Wesley Safadão, nascida no mesmo solo, embalada pelos
mesmos ventos salgados e herdeira do mesmo DNA mestiço, não amarra, nem de
longe, as chuteiras da geração de Belchior? Eis uma boa questão para os
sociólogos mastigarem.
@música @MPB
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