ENTREVISTA DOM SERGIO DA ROCHA
FSP - 07/05/17
Num momento em que "o fisiologismo político leva a barganhas sem escrúpulos", a ideia pode soar sedutora.
Mas não nos deixei cair em tentação e eleger "salvadores da pátria": eis a tônica da nota oficial que a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) lançou na quinta (4), último dos dez dias de sua anual Assembleia-Geral.
"Com o exercício desfigurado da política, vem a tentação de ignorar os políticos, permitindo-lhes decidir os destinos do Brasil a seu bel prazer. Desconsiderar os partidos [...] favorece a ascensão de salvadores da pátria", diz o texto.
Em entrevista à Folha, o presidente da principal entidade católica do país, o arcebispo de Brasília, dom Sérgio da Rocha, 57, fala sobre riscos que pairam sobre a sociedade: o vácuo político que periga gerar "soluções antidemocráticas", as reformas tocadas pelo governo Michel Temer e a "privatização da fê".
Folha - A CNBB pediu cautela com salvadores da pátria. Alguém especifico vem à mente?
Dom Sérgio da Rocha - Partimos do contexto de crise ética, com todas as denúncias de corrupção levando ao descrédito da política. Compreendemos essa reação, mas sabemos da importância da política na democracia. O risco, quando se cai na descrença pura e simples, ê de se ter soluções antidemocráticas, radicais, violentas.
O que acha dos que se autoproclamam antipolíticos, como João Doria e Donald Trump?
Não ê que a gente fuja da questão, mas não nos pronunciamos sobre pessoas ou governos. Agora, não ê possível governar uma cidade, um Estado, um país sem uma perspectiva política clara -de alguma maneira dialogar com os partidos. Temos insistido que não basta a negociação entre partidos e governo, [ê preciso] sempre escutar as ruas.
A CNBB critica as reformas previdenciária e trabalhista.
No Io de Maio, alertamos sobre o risco de perda de direitos trabalhistas. Insistimos no diálogo amplo, mas também nas manifestações [a CNBB apoiou a greve de 28/4], desde que pacíficas. No momento há muita agressividade em redes sociais, nas ruas, nas casas.
Viraram alvo de ódio ao se posicionar contra as reformas?
É natural que qualquer pronunciamento, numa sociedade tão plural, tenha reações das mais diversas [na internet, pulularam comentários como "eles se escondem atrás das classes pobres, mas são podres de ricos" e "comunistas de batina!"]. É o grande desafio de hoje: não responder violência com violência. A gente tem que conservar esta atitude, ainda mais importante no ano eleitoral, de não olhar quem pensa diferente como inimigo.
Por falar em 2018, qual será a orientação da Igreja para seus membros durante a eleição?
Procuramos orientar sem jamais interferir indevidamente. Primeiro porque a CNBB não tem posição político-partidária. Segundo porque não queremos substituir a consciência de ninguém. Com tantos escândalos por aí, o primeiro tribunal deve ser a consciência do eleitor. Se a gente tivesse um voto mais consciente, daríamos menos trabalho à Justiça eleitoral.
Em 2010, dom Luís Gonzaga Bergonzini (1936-2012), bispo emérito de Guarulhos, militou contra Dilma. Em 2014, um padre do Mato Grosso fez campanha contra "PT e comunismo". Como a CNBB lidará com situações afins em 2018?
Como instituição, o clero não pode ter atuação político-partidária. Se ocorre, cabe ao bispo local -ao contrário do que se pensa, não ê tudo centralizado no papa, muito menos na CNBB- avaliar o caso.
Em carta a Temer, o sr. pediu a indicação de Ives Gandra Filho, dono de visões ultraconservadoras (em artigo de 2012, defendeu que a mulher seja submissa ao marido), ao Supremo Tribunal. Crê que, como presidente da CNBB, deveria influenciar esse processo?
A carta foi estritamente pessoal, não uma indicação pública. 0 que deve ser questionado não ê a indicação feita por um cidadão, ou mesmo se fosse uma entidade, e sim a participação da sociedade civil na escolha de um ministro do STF. Como temos visto, o papel do Judiciário ê de fundamental importância para a ordem democrática do país.
0 marqueteiro João Santana disse que evitava usar Temer na campanha de 2014 pois eleitores o associavam ao satanismo. Em 1985, FHC teria perdido a eleição à Prefeitura de SP por dar a entender que era ateu. É importante, num país de maioria cristã, que seus representantes o sejam?
Olha, respeitamos muito as opções de cada pessoa no âmbito religioso. Graças a Deus, a postura da Igreja tem sido de profundo respeito pela pluralidade religiosa.
Inclusive os sem religião?
Sim, também com os que têm postura religiosa diferente. Agora, isso não significa que não consideramos que seja importante a fê, e particularmente a fê cristã. Vivemos um momento em que a fê, para muitos, está relegada ao âmbito privado, uma espécie de privatização da fê. Não podemos admitir isso.
0 papa disse em 2013 que viria, mas não vem mais ao Brasil para os 300 anos de Nossa Senhora Aparecida, em outubro. Em carta a Temer, fala da crise e critica "soluções amargas" que afetariam "os mais pobres". Foi uma crítica à atual gestão?
Soubemos em outubro de 2016, quando o visitamos em Roma. Deixou claro que não viria por motivo de agenda.
Pesquisa Datafolha mostra que os evangélicos já são 30% do país -e que 44% deles eram ex-católicos. Isso preocupa?
Olhamos de modo especial os católicos fora do dia a dia da Igreja. Agora, não quer dizer que as igrejas estejam vazias. Nosso desafio tem sido construir igrejas, dificuldade até para achar locais, e não fechá-las por não tem gente nelas. A preocupação maior não são os que já vivem a fê, ainda que em outras igrejas, mas quem não conhece Jesus. Hoje não ê mais como em outro tempo, em que as pessoas eram batizadas pura e simplesmente porque todo mundo era. Elas têm opções, então ê importante mostrar como a fê ê bonita.
Uma esquete famosa do grupo de humor Porta dos Fundos mostra um padre penando para reter fiéis atraídos por cultos-espetáculos de igrejas neo-pentecostais. Há preocupação em modernizar as missas?
Veja bem, é um tema delicado. Temos que entender que hoje não é só a sociedade que é bastante plural. Dentro da própria igreja há uma postura mais diversificada. Uma pessoa busca a missa com mais canto e animação, outra, com maior tranquilidade. Há muita coisa voltada a jovens [como o projeto Jovens Sarados, "academia para a sua alma"]. 0 ideal seria não haver excessos.
RAIO-X
ORIGEM
Nasceu em Dobrada (SP), em 17/10/59.
NA IGREJA
Em 2001, foi nomeado pelo papa João Paulo 2° como bispo auxiliar em Fortaleza. Dez anos depois, Bento 16 o indicou como arcebispo Metropolitano de Brasília. No ano passado, virou cardeal no papado de Francisco. Preside a CNBB desde 2015.
NA ACADEMIA
Formou-se teólogo na PUC-Campinas. É doutor pela Pontifícia Universidade Lateranense, em Roma.
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