domingo, 14 de maio de 2017
Pregando a tolerância em nome do Islã (The New York Times)
Sinta Nuriyah continuou com seu ativismo, mesmo depois de paralisada da cintura para baixo em decorrência de um acidente de carro em 1992 (Kemal Jufri para The New York Times)
POR JON EMONT MAIO 11, 2017
JAKARTA, Indonésia — O olhar da muçulmana transgênero percorreu a recepção, cheia de exuberantes homenagens enviadas por governantes estrangeiros. Finalmente, a anfitriã, Sinta Nuriyah, 69, entrou no cômodo em sua cadeira de rodas, passando por um enorme busto do marido, Abdurrahman Wahid, ex-presidente e voz de um Islã moderado, que morreu em 2009.
As mulheres procuravam os conselhos de Sinta. A escola dela para mulheres islâmicas foi fechada em meio a uma onda nacional de repressão a organizações defensoras de lésbicas, gays, bissexuais e pessoas transgênero.
Sinta fez pausas na conversa para oferecer suas orientações. “Procure a direção regional do distrito”, disse ela. “Todas as pessoas têm o direito de cultuar a Deus, não apenas algumas delas. Essa é a verdade do Islã.”
Shinta Ratri, líder da escola, foi efusiva. “Não há mais ninguém como ela na Indonésia, que se importe tanto com os grupos marginalizados”, disse ela.
Desde a morte do marido, Sinta, formada em estudos femininos e paralisada da cintura para baixo depois de um acidente de carro em 1992, defende um Islã feminista e tolerante. “Vivemos entre religiões, etnias e culturas diferentes”, disse ela. “É necessário enfrentar os extremistas”.
O governador cristão de Jakarta está sendo processado por “insultar o Alcorão” graças à pressão de grupos muçulmanos mais radicais. Sinta foi uma das poucas lideranças muçulmanas a defendê-lo.
Sinta Nuriyah, viúva do ex-presidente Abdurrahman Wahid, diz acreditar em seu dever de confrontar o extremismo (Kemal Jufri para The New York Times)
Faz 16 anos que ela viaja pela Indonésia durante o Ramadã, organizando cerimônias ecumênicas de encerramento do jejum. No ano passado, numa igreja católica de Semarang, ela foi confrontada por membros de um grupo muçulmano extremista que a acusaram de promover a mistura das duas tradições religiosas. “É preciso confrontá-los“, disse Sinta a respeito dos radicais. “Caso contrário, vão se sentir encorajados a continuar agindo assim”.
Sinta também é defensora dos direitos da mulher. Durante uma visita recente a um programa de entrevistas, o apresentador perguntou o motivo da oposição dela à poligamia.
“Quem pode tratar com justiça várias mulheres?” indagou Sinta.
“Alguns conseguem!”, gritaram algumas mulheres na plateia.
“Não é verdade!”, respondeu Sinta, resoluta.
Posteriormente, o apresentador, Andy Noya, perguntou por que ela insistia em encerrar o jejum com pessoas de diferentes fés.
“Porque somos todos irmãos”, disse ela. “Temos que estar sempre vigilantes e proteger um ao outro”.
Nascida na zona rural do leste de Java, em 1948, Sinta era um dos 18 filhos de um pai calígrafo que tinha uma mulher. Em 1971, Sinta obteve o diploma em direito da Shariah e então deixou a faculdade para começar uma família. Em 1999, depois que o ditador Suharto deixou o poder, o marido de Sinta se tornou o primeiro presidente da Indonésia a vencer uma eleição disputada. Ela insistiu ao marido que demonstrasse humildade democrática, um dos motivos pelos quais a família ainda é lembrada com carinho.
“Não precisávamos agir como reis nem vestir roupas como tal”, disse ela.
O marido dela sofreu impeachment dois anos depois de assumir o governo por seu fracasso em manter a ordem nos tumultuados anos iniciais da democracia na Indonésia. Mas os dois se mantiveram ativos nas questões públicas. Sinta fundou uma rede de internatos islâmicos progressistas para garotas.
“Não é fácil apagar ensinamentos que já penetraram fundo”, disse.
Ela se preocupa com a capacidade das instituições islâmicas moderadas da Indonésia reverterem a maré do Islã fundamentalista.
“Agora nossa luta é ainda mais pesada” do que contra as potências colonialistas e imperialistas, disse ela, “porque as pessoas que enfrentamos não são estrangeiras, e sim do nosso próprio país”.
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@ islã
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