segunda-feira, 10 de Junho de 2019 - 05:21
Valor Econômico | Finanças
Sérgio Tauhata e Flávia Furlan
Após seis meses de novo governo no Brasil, Eric Maskin, prêmio Nobel de Economia de 2007 — juntamente com Leonid Hurwicz e Roger Myerson — e professor de Harvard, ainda se assusta com o que ele classifica de “inclinações autoritárias” do presidente Jair Bolsonaro. “Mas suponho que poderia ser pior”, avalia o economista, em entrevista ao Valor, durante participação em seminário da FGV, em São Paulo.
Maskin vê similaridades entre Bolsonaro e o presidente dos EUA, Donald Trump. Na análise do prêmio Nobel, os dois mandatários são fruto do mesmo fenômeno: o aumento da desigualdade, potencializado pela crise de 2008. “As pessoas passaram a achar que os políticos tradicionais não estavam lidando adequadamente com o fato de que tantas pessoas estivessem sendo deixadas para trás.”
Apesar das críticas a Bolsonaro, Maskin afirma que a reforma da Previdência “é um passo para a frente” do país sob a nova adminsitração. Mas alerta que apenas o ajuste da seguridade social não será suficiente para resolver o problema da economia. O economista diz que o Brasil vai precisar de outros ajustes, sem mencionar quais, para impulsionar a produtividade e o crescimento.
O professor de Harvard também acredita que, apesar do problema fiscal, o governo poderia fazer mais pelo crescimento do país. “Sou um firme defensor [da tese] que o governo pode gastar em momentos em que a economia não está indo tão bem. Tenho a impressão que o Brasil não está seguindo essa prescrição.” Leia a seguir os principais trechos da entrevista.
Valor: O que o Sr. pensa dos seis meses do governo Bolsonaro?
Eric Maskin: Estava preocupado com a eleição de Jair Bolsonaro [para presidente do Brasil]. Temo que ele, em muitos casos tem agido como eu esperava: tem fortes inclinações autoritárias, e essas tendências, infelizmente, têm vindo à tona. Mas suponho que poderia ser pior. Algumas pessoas disseram que não é tão ruim quanto se esperava, mas não é tão bom também. Não tenho observado a equipe econômica brasileira de perto, mas baseado nos comentários de Bolsonaro, não tenho certeza se ele entende de economia.
Valor: O sr. teme pela democracia no Brasil, como apontaram alguns especialistas antes da eleição?
Maskin: Um ponto que o Brasil tem a seu favor, e isso é importante nos Estados Unidos também, é que há limitações sobre as ações do presidente. O Brasil tem uma boa história de um Judiciário responsável. Embora não tenha muita certeza se o Congresso ficará de olho em Bolsonaro, os tribunais podem fazer isso. Nos EUA, as cortes certamente impuseram sérios limites para o presidente americano, Donald Trump. O que é algo bom. Vejo Trump e Bolsonaro como muito similares. No longo prazo não estou tão preocupado com a democracia brasileira. Acho que a democracia pode sobreviver a Bolsonaro assim como a democracia americana pode sobreviver a Trump.
Valor: A reforma da Previdência será suficiente para colocar o país de volta aos trilhos?
Maskin: A reforma que está sendo considerada é um passo na direção certa, mas não será suficiente. Terá de haver novos ajustes mais tarde. Sou totalmente a favor de dar os passos certos na direção certa ainda que não sejam tão óbvios, porque frequentemente os países se movem para trás. Nesse caso [da reforma da Previdência] será um passo para a frente.
Valor: A falta de investimentos públicos pode ser uma armadilha para a retomada de crescimento?
Maskin: Sou um firme defensor [da tese] que o governo pode gastar em momentos em que a economia não está indo tão bem. O governo pode ter um papel muito útil ao fazer investimentos públicos. Se a economia ficou presa em um caminho de deterioração, o governo tem a responsabilidade de ajudar a sair dessa armadilha por meio do aumento de gastos, mas ao mesmo tempo, tem a responsabilidade de devolver o que for gasto, ou seja, repagar esses déficits quando os tempos forem bons. Em outras palavras, os governos têm de fazer superávits quando a economia está indo bem e fazer déficits quando a economia não está indo tão bem. Tenho a impressão que o Brasil não está seguindo essa prescrição nesse momento e também não seguiu no passado recente.
Valor: O BC brasileiro pode cortar juros para ajudar a economia?
Maskin: Essa é uma decisão técnica. Não sinto que sei o bastante das condições atuais do país. Mas o que eu posso dizer é que um dos princípios gerais que os bancos centrais deveriam seguir é similar aos dos gastos do governo. Se a economia estiver em recessão ou em perigo de entrar em uma recessão, então o BC deveria afrouxar a política monetária e aumentar a liquidez. E, em contraste, se a economia estiver indo muito bem ou em pleno emprego, quando há perigo de a inflação superaquecer, esse é o momento no qual o BC deveria restringir o suprimento monetário. Onde o Brasil está neste momento cabe ao BC determinar.
Valor: Porque o sr. considera Bolsonaro e Trump tão similares?
Maskin: Ambos fazem parte de uma mesma tendência mundial. Nós tivemos duas grandes disrupções econômicas na última geração. A primeira foi a globalização. E a segunda foi a recessão há dez anos. A globalização, na média, acho que tem sido uma força positiva. Certamente fez muitos países ficarem mais ricos, mas os ganhos do crescimento não foram distribuídos igualmente. Os ricos ganharam muito mais do que os pobres e nada foi feito sobre isso. A recessão fez as coisas ficarem piores. Quem sofreu mais com a recessão? Os pobres. Os ricos nem sofreram muito. Foi o fracasso dos políticos antes de Bolsonaro e Trump de fazer algo sobre a desigualdade é que permitiu o surgimento dos dois. Eles vão resolver esses problemas? Acho que não. Bolsonaro e Trump propuseram respostas muito simplistas. Mas as pessoas acham que vão resolver e por isso foram eleitos. E por isso também outros populistas foram eleitos ao redor do mundo. As pessoas passaram a achar que os políticos ‘mainstream’ não estavam lidando adequadamente com o fato de que tantas pessoas estivessem sendo deixadas para trás.
Valor: A tensão comercial entre Estados Unidos e China vai se resolver no curto prazo?
Maskin: Não podemos prever nada sobre o acordo comercial entre os EUA e a China porque teríamos de ser capazes de entrar na mente de Trump. Tudo depende dele e de Xi Jinping [mandatário chinês]. Xi talvez acredite que exista uma boa chance de Trump perder a eleição e ir embora no ano que vem. Então pode estar dizendo, ‘vou esperar, não vou fazer nenhum acordo agora na esperança de que alguém mais razoável esteja no comando’. Se ele estiver pensando assim não vamos ter acordo até a eleição. Na verdade isso se torna mais uma questão de psicologia que economia.
Valor: Essa estratégia de conflito comercial do governo Trump pode levar o mundo a uma recessão?
Maskin: Pode. Até o momento ainda não, mas há esse risco. Acho, porém, que esse não seja o principal risco. Acho lamentáveis tanto o conflito entre EUA e China quanto as razões disso acontecer. Acho que a maneira como o presidente Trump tem provocado os chineses introduzindo tarifas é perigoso e desnecessário. Conduzir negociações pela imposição de tarifas não é a maneira de inspirar cooperação. O que eu estou preocupado é a forma como a cooperação internacional tem sido ameaçada. Antes de Trump, nós tivemos muitos anos de uma cooperação muito boa entre os EUA e a China. Essa relação foi boa para ambos os países. A China se desenvolveu de uma nação pobre para um país de renda média e os Estados Unidos se beneficiaram enormemente. Na época da grande recessão, entre 2008 e 2009, o fato de a China estar lá foi muito importante para prevenir um cenário pior. Não deveria ser esquecido que a China resgatou o Ocidente naquele momento. Então, isso é o que me preocupa mais do que a perspectiva de uma recessão iminente. Cooperação é um ativo muito valioso para o mundo. É preciosa, não temos muito e desperdiçá-la em nome de uma barganha é um grande erro. Não acho que o embate tarifário vai se tornar um conflito militar. Mas o risco de China e EUA não cooperarem sobre questões sérias agora é muito maior do que era.
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