Percorrido mais da metade
desse ano de 2017, muita água já rolou por baixo da ponte sem que um futuro
econômico promissor possa ser descortinado. Em meio à profusão de números
apurados mês após mês descrevendo comportamentos erráticos para os diversos
indicadores econômicos, é realmente muito difícil inferir previsões certeiras
mesmo que para curtos períodos à frente. Mas já é praticamente consensual entre
os analistas a previsão de que a divulgação do PIB do segundo trimestre vai
mostrar que houve variação negativa, jogando uma pá de cal no tour de force que
segmentos formadores de opinião econômica empreenderam para virar o jogo das
expectativas a favor de uma recuperação da economia ainda nesse ano.
Nessa miríade de variáveis
conjunturais, um dos indicadores mais preocupantes é o grau de utilização da
capacidade instalada na indústria. No primeiro semestre de 2017, segundo a
série publicada pela Sondagem Conjuntural da CNI, o valor médio mensal do
indicador foi de somente 65%. Dentre os 29 ramos de atividade pesquisados,
apenas dois, Derivados de petróleo e Extração de minerais metálicos, exibiram
valores superiores a 70%. A análise individual dos diversos setores mostra,
quase sempre, o mesmo perfil: após dois anos de queda contínua, a utilização de
capacidade está gravitando com oscilações de pequena amplitude em torno de um
patamar muito baixo. Em si, esse patamar tão baixo já é revelador do tamanho
das dificuldades que a recessão prolongada vem impondo ao setor produtivo.
Muito além de uma análise
meramente mecânica desses números, mais grave fica a situação quando se leva em
consideração que a capacidade operacional das fábricas sempre incorpora algum
grau de ajustamento às condições de demanda projetadas pelas empresas. Por
isso, a partir de certo ponto, o grau de utilização pode estabilizar não porque
o numerador (a produção) parou de cair e sim porque o denominador (a capacidade
produtiva) começou a diminuir.
Hoje a aposta no mercado
internacional externo parece a única opção de saída do quadro recessivo
Evidências da extensão desse processo de ajuste de capacidade podem ser
extraídas da evolução da Formação Bruta de Capital Fixo. Segundo o Ipea, a
previsão para o segundo trimestre de 2017 é de que houve uma queda de 1,3%
sobre o trimestre imediatamente anterior, de 7,1% na comparação com igual
período do ano passado e de 6,2% no acumulado de 12 meses. Com isso, predominam
expectativas muito ruins para o investimento no fechamento de 2017, que deverá
apresentar queda superior a 5% em relação a 2016. Diante desses números, não é
exagero projetar que a economia brasileira deve estar rodando hoje com uma taxa
de investimento na casa de 14% do PIB.
Como é sabido, taxas de
investimento dessa ordem de grandeza indicam que sequer a depreciação dos
ativos produtivos está sendo reposta, quer dizer, o estoque de capital da
economia brasileira está em acentuado declínio. São indicadores que mostram que
a indústria está respirando por aparelhos. O pouco oxigênio disponível é
proveniente do mercado externo. De fato, o único componente da demanda com
evolução favorável nesse momento é a exportação. Nesse primeiro semestre de
2017, as exportações cresceram cerca de 19,5%, fato que juntamente com a
evolução fraca das importações, permite projetar um saldo comercial,
absolutamente recorde, de mais de US$ 60 bilhões para o ano.
De modo geral, os dados
apontam para um crescimento de valor das exportações comandado muito mais pelo
aumento dos preços (90% da variação total) do que das quantidades (10% da
variação total). Isso permite afirmar que as exportações estão crescendo menos
pelo aumento da competitividade da produção brasileira e mais pela prevalência
de um quadro externo favorável: a Europa finalmente com boas perspectivas após
longo período de crise, a resposta positiva da economia chinesa que conseguiu
manter o ritmo de crescimento a despeito do ceticismo que contaminou os
analistas há alguns meses atrás e, por último mas não menos importante, a
manutenção do quadro benigno da economia norte-americana, a despeito de tantas
"trumpalhadas".
Os principais setores
responsáveis pelo crescimento das vendas externas são alimentos, veículos e
bens de capital, além de petróleo. Mas quando se observa apenas o quantum
exportado, desponta a indústria automobilística que promoveu nos últimos meses
um forte crescimento do número de unidades exportadas. Segundo a Anfavea,
apenas entre janeiro e julho, foram embarcados 439,5 mil veículos para o
exterior, atingindo 30% da produção total. Tratando-se de movimento muito
recente, é cedo para propor interpretações, mas a análise da evolução dos
estoques setoriais traz indícios de não se trata de exportação de excedentes, e
sim produção realizada para o mercado externo.
Nesse caso, são indícios
sugestivos que pode estar havendo um reposicionamento estratégico no sistema de
empresas transnacionais do setor visando abrir mais espaço para as filiais
brasileiras se reestruturarem, provavelmente com o fito de preservar o valor
dos importantes ativos existentes no Brasil. A se confirmar essa hipótese e,
principalmente, se extensiva a outros setores internacionalizados da economia
brasileira, algo importante poderá estar em curso e merece ser mantido no
radar.
Não se pode perder de vista
que, historicamente, os ciclos de expansão liderados por exportações que
ocorreram na economia brasileira do pós-II Guerra (meados dos anos 1950, meados
dos anos 1980, início dos anos 1990, inicio dos anos 2000) sempre foram
caracterizados por baixo dinamismo, ou mesmo por tendências estagnacionistas.
Nesse momento, no entanto, mesmo que tenha pernas curtas, uma aposta no mercado
internacional parece a única opção de saída do quadro recessivo que insiste em
contrariar as polianas e os sábios do autoengano que se multiplicam por aí.
David Kupfer é diretor do
Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador do Grupo de Indústria e
Competitividade (GIC-IE/UFRJ). Escreve
mensalmente às
segundas-feiras. E-mail: gic@ie.ufrj.br.
@economia @Brasil
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