3 agosto 2017
'Temer
acha que é Itamar, mas é Sarney', diz cientista político
Mariana Sanches
Da BBC Brasil em São
Paulo
Votação lançou Temer e
seu governo no colo do chamado Centrão, diz cientista político
O
resultado da votação na Câmara nesta quarta-feira tem efeitos muito mais amplos
do que o arquivamento da denúncia por corrupção passiva contra o presidente
Michel Temer. A afirmação é do filósofo e cientista político da Unicamp Marcos Nobre,
um especialista em PMDB.
De acordo com ele, em
sua face mais visível, a votação lançou o peemedebista e seu governo no colo do
chamado Centrão – uma bancada suprapartidária de parlamentares de pouca
expressão organizados pela primeira vez sob a batuta do ex-presidente da Câmara
Eduardo Cunha (PMDB-RJ), atualmente preso pela Lava Jato.
Com essa base, é
improvável que Temer seja capaz de aprovar reformas estruturais e deverá passar
os próximos 16 meses de mandato debelando crises, afirma.
O que
a vitória na Câmara significa para futuro de Temer? Deputado que tatuou nome de
Temer é um dos campeões de liberação de verbas em julho
Em seu aspecto mais
relevante, no entanto, a votação representou uma "cisão
incontornável" do PSDB. Na sua avaliação, o partido está dividido ao meio
pelo anseio do governador paulista Geraldo Alckmin de viabilizar sua
candidatura presidencial em 2018 e do pragmatismo do senador Aécio Neves, que
se coloca como líder do Centrão.
E as manobras de
bastidor de Aécio, que ajudaram a garantir a vitória a Temer, aumentaram o
poder político do tucano e sua rede de proteção contra os efeitos das
investigações que ameaçam prendê-lo. "Aécio Neves é o novo Eduardo
Cunha", diz Nobre.
Para Nobre, o que
estava em questão na votação era a eleição de 2018 Na bancada tucana, a divisão
se expressou em 21 votos a favor da denúncia, 22 contra e 4 abstenções.
"Metade do PSDB, a turma do Aécio, desceu do muro ontem. E o Centrão vai
forçar o resto a descer também", afirma Nobre.
O que
a Lava Jato revela sobre a origem 'mágica' do Direito
Nessa entrevista à BBC
Brasil, o cientista político analisa as condições atuais e futuras do campo
político da centro-direita.
BBC
Brasil - O que o resultado da votação significa para o futuro
político
de Temer?
Marcos
Nobre - O que importa não é exatamente o que aconteceu com o Temer, a
rejeição da denúncia. O que estava em causa hoje era não só a manutenção de
Temer, mas a própria eleição de 2018. E o resultado é o mais duro golpe que a
gente pode imaginar no PSDB.
Dá pra dizer que as
balizas da centro-esquerda foram definidas no impeachment da Dilma e o que foi
decidido ontem é o que vai acontecer com a centro-direita em 2018. E a situação
é de guerra no campo da centro-direita. Há uma divisão que não é só uma
divisão, é uma cisão incontornável, irretrocedível.
BBC
Brasil - Como se dá essa divisão?
Marcos
Nobre - O PSDB está rachado no meio. Uma metade quer construir um polo
para a eleição de 2018 que organiza o Centrão da Câmara e se liga a ele. A
outra parte pensa que, se ficar pendurada ao governo Temer e ao Centrão no
Congresso, não tem chance eleitoral em 2018.
Cientista político diz
que resultado da votação na Câmara é um duro golpe no PSDB
BBC
Brasil - Há um cálculo ideológico desse segundo grupo?
Marcos
Nobre - Ideológico nada, porque se o governo Temer fosse popular estaria
todo mundo abraçado com ele. É um cálculo eleitoral mesmo.
Então, temos o Aécio no
primeiro grupo e Alckmin no outro e não há mais acordo. Enquanto o Aécio ainda
não estava morto - porque hoje ele é um morto-vivo - havia uma disputa entre
ambos pela candidatura presidencial. A partir do momento que o Aécio é ferido de
morte, Alckmin achou que ia ganhar por W.O.
BBC
Brasil - Mas o resultado de ontem mostra que o jogo não
vai
ser fácil?
Marcos
Nobre - Sim. O que o Aécio fez? Ele grudou no governo Temer e grudou no
Centrão. O que estamos vendo agora é uma tentativa de construir um novo polo em
plano nacional, juntar esse centrão do Congresso com uma parte do PSDB.
BBC
Brasil - Por que isso interessa a Aécio?
Marcos
Nobre - Para o Aécio, defender o Temer é defender a si mesmo. E o mesmo
vale para a maioria dos políticos com mandato parlamentar. Quando votam sim,
para impedir a denúncia, os parlamentares estão fazendo uma autodefesa. No caso
do Aécio, a imagem é bastante clara até porque ele e o Temer foram pegos na
mesma delação, do
Joesley Batista. Como Aécio já não tem o governo do Estado de Minas Gerais, ele
precisa do governo federal para compensar, para ter algo para oferecer para
esse grupo que ele está formando. Então você tem um grupo que vai ficar muito
coeso com o governo e que espera em troca receber cargos e verbas, que é o
Centrão.
BBC
Brasil - Qual é a vantagem para o Centrão de abraçar Temer?
Marcos
Nobre - Pense que a eleição do ano que vem será feita sem doação
empresarial e haverá limitação de doação de pessoa física.
Logo, estar grudado no
governo significa uma vantagem enorme: se por um lado tem que carregar um
governo impopular, por outro você tem cargo e recurso, tem a máquina. E ter
boas condições de campanha é essencial para se reeleger e conseguir manter o
foro privilegiado, sem cair na mão do juiz Sergio Moro.
Então o sistema
funciona totalmente em autodefesa, já não tem mais nenhuma relação com
representação. Então você de um lado disputa pelos recursos da máquina federal,
e por outro disputa pelo fundo eleitoral novo, que vai ser criado pela reforma
política (em tramitação no Congresso).
É isso o que eles
querem, o Centrão está parafraseando o Zagallo:
"vocês vão ter que
me engolir". Eles bloqueiam os recursos de qualquer partido novo e tem o
monopólio da representação, para ser candidato você precisa estar em um desses
partidos. 'Para Aécio, defender o Temer é defender a si mesmo', afirma Nobre
BBC
Brasil - Então é improvável que o Partido Novo ou a Rede consigam viabilizar
seus candidatos em 2018?
Marcos
Nobre - Existe o imprevisível. Mas o que o sistema político inteiro está
fazendo é impedir que o imprevisível aconteça. Todas as estratégias de bloqueio
para que algo novo apareça estão em curso. Até o momento eles estão sendo muito
eficientes. Porém, se você quer ser um candidato que tenha chance na eleição
presidencial, você não pode entrar nesse esquema, se não você não tem chance.
Então tem duas
estratégias: a do Aécio é dizer assim "gente, o que estamos propondo são
as melhores condições disponíveis para renovar mandatos parlamentares, sem
mirar em eleição presidencial", ele já abandonou a pretensão presidencial
e está oferecendo máquina, então não importa quem vai ser o candidato a presidente.
A do Alckmin é a seguinte: ou eu me apresento como algo diferente do que está
aí ou não tenho chance na eleição presidencial. É essa a guerra.
BBC
Brasil - Não há espaço para esses dois anseios no PSDB?
Marcos
Nobre - Não. E também não há um plano B. O Alckmin criou um apêndice para
si, um anexo que era o PSB, quando ele colocou o Márcio França de
vice-governador. Mas veja a manobra do Aécio com o Rodrigo Maia: ele esvazia o
PSB e faz com que os parlamentares migrem para o DEM, reforçando o Centrão.
Então é um ataque especulativo fortíssimo.
Ou seja, se o Alckmin
perder a briga dentro do PSDB, o PSB já não é mais uma alternativa para ele,
porque ele vai ficar muito reduzido. Ao mesmo tempo o Rodrigo Maia aproveitou a
posição estratégica que ele tem (como presidente da Câmara) e negociou sua
entrada no acordo desde que o DEM crescesse. Para Nobre, Aécio está na posição
que Cunha tinha, de organizar o baixo clero do Congresso
BBC
Brasil - Aécio é o herdeiro do Eduardo Cunha na organização do baixo clero do
Congresso?
Marcos
Nobre - Exatamente. É a coisa mais louca do mundo, mas é isso que está
acontecendo. É um choque de tal ordem, que nem sei como explicar isso. O Aécio
está na posição que o Cunha estava. E quem está fazendo isso pelo Aécio na
Câmara é o (ministro da Secretaria de Governo Antonio) Imbassahy. Porque o
Aécio está no Senado, então ele tem dois interlocutores na Câmara, o Imbassahy
e o Rodrigo Maia. O Aécio é o novo Cunha, vai querer construir esse polo
grudado no governo, Centrão e depois eles pensam em quem vai ser candidato, mas
primeiro ele tem que consolidar esse polo e ganhar a guerra dentro do PSDB.
BBC
Brasil - Mas há algumas ambiguidades aí, não? O Alckmin poderia ter feito antes
um movimento de ruptura com o governo Temer e na verdade não fez. Ele e o João
Doria ficaram pedindo cautela. Calcularam errado?
Marcos
Nobre - Eles já não estão mais fazendo isso. O Doria é meio atrasado,
esquecem de avisar para ele da mudança da correlação de forças e ele não
entende sozinho. O Doria não tem a menor noção do que seja a política. Ele
entende de mídia social. De política, ele não sabe como funciona. Muito menos
Brasília. Deixando o Doria de lado, a ideia do Alckmin era jogar parado: ele olhava
o quadro e pensava que Aécio e Serra iam ser pegos na Lava Jato e que ele ia se
livrar, logo bastava esperar. Ele não pensou errado. Se ele entrasse numa
disputa com o governo Temer no primeiro momento, ia perder porque o Aécio era o
presidente do partido e tinha o partido na mão. E perder o PSDB significava
perder a candidatura presidencial. A leitura dele era que ele ia levar. Só que
o tamanho da onda que veio contra o Aécio, nem o Alckmin esperava. Quando ele
viu, pensou: 'estou tranquilo, não tenho mais adversário'. E aí ele fez um
acordo com o Aécio, de não chutá-lo enquanto Aécio estivesse caído. Deu tempo
do Aécio reagir. Não a ponto de ele poder ser candidato a alguma coisa. Mas a
ponto do Aécio poder construir alguma coisa, ocupar esse lugar de Cunha que ele
não tinha antes. E isso aí o Alckmin não viu. O Aécio deu a volta nele.
Se você prestar
atenção, quantos deputados disseram: 'voto no relatório do PSDB?'. Eu contei
quase 100, que realmente enfatizaram esse dado. Essa coisa que o relatório era
do PSDB era para mostrar para os não aecistas o seguinte: 'agora vocês terão
que descer do muro'. É o Centrão que está dizendo que vai ter que descer do
muro. Esses caras arriscaram o pescoço para defender o governo e agora vão
querer o pagamento, vão pedir os cargos do PSDB. Ao mesmo tempo, o governo diz
que não vai punir ninguém com perda de cargos. Isso é insustentável.
Então a questão é: o
racha no PSDB vai ser a ponto de haver migração partidária? Ou fica claro que
alguém tem maioria no partido e o outro sai, que é o que não parece provável,
ou eles vão passar seis meses se matando até alguém conseguir uma maioria.
Esse é o problema da
centro-direita: se você grudar no governo Temer, você não tem chance
presidencial, mas tem chance de renovar o mandato pela desigualdade de recursos
que vão ter (em relação a) outros candidatos.
"Apareceu no
púpito para comemorar o título da série C e a subida para a série B", diz Nobre
sobre pronunciamento de Temer
BBC
Brasil - Em 16 anos, essa parece ser a melhor chance da centro-direita de ganhar
a eleição, no ano que vem. Ao mesmo tempo, a centro-direita está extremamente
fragilizada para o jogo agora. Como explicar?
Marcos
Nobre - Deu muito errado o impeachment. Foi uma jogada evidentemente
errada para a centro-direita. Os partidos ficaram com medo porque no mensalão
eles decidiram deixar o Lula sangrar, sem tirá-lo. E em 2006 o Lula ganhou a eleição.
Aí eles pensaram que se adotassem a mesma tática com a Dilma, vai que ela se
recuperasse e o Lula fosse candidato. Resolveram liquidar a fatura.
Mas aí o problema caiu
no colo deles. Não tem como você apoiar o impeachment e dizer que não tem nada
a ver com o Temer. E resultou em uma desorganização geral, tanto do campo da
centroesquerda quanto da centro-direita. Mas o Centrão já decidiu: melhor ter o
dinheiro à vista do que a prazo, e candidato a presidente eles inventam na
hora, porque não tem problema nenhum.
BBC
Brasil - Quem vai levar essa briga dentro do PSDB?
Marcos
Nobre - Não dá pra decidir ainda. Do ponto de vista eleitoral, a
estratégia do Alckmin parece muito mais razoável. Mas tudo depende de como ele
vai conseguir desembarcar do governo. Ele não pode desembarcar se o PSDB não
desembarcar. Eles lidaram muito mal até agora com tudo. Mas agora chegou a hora
em que eles vão ter que descer do muro por uma razão muito simples: metade do
partido já desceu, a turma do Aécio. Ele já escolheu a estratégia dele para
2018 e tem base. O Centrão são 170 deputados, mais o pessoal de Minas, o povo
que deve favor pro Aécio, dá uns 220. É uma base muito forte e que vai querer esses
recursos do governo federal. O Aécio sabe operar em Brasília e o Alckmin não. A
questão é que o Aécio vai querer botar o Alckmin para fora.
BBC
Brasil - Como avalia o pronunciamento do Temer após a votação?
Marcos
Nobre - Se fosse pra fazer metáfora futebolística, ele apareceu no púlpito
para comemorar o título da série C e a subida para a série B. Impeachment deu
errado para a centro-direita, diz o cientista político
BBC
Brasil - Qual passa a ser o papel de Aécio no governo Temer?
Marcos
Nobre - As movimentações estão muito claras em Brasília. Aécio se tornou
uma peça central da articulação do governo. É evidente que o Temer não consegue
organizar um governo, ser presidente, então o Aécio vai assumir ali. Essa
votação é o empoderamento final da posição de Aécio no papel de Cunha. Não à toa
há um novo pedido de prisão do Janot agora.
BBC
Brasil - A dependência do Temer em relação ao Centrão vai ficar ainda maior
agora?
Marcos
Nobre - Completamente. Temer acha que é o Itamar (Franco), mas é o Sarney.
E depende do Centrão.
BBC
Brasil - E a posição de Rodrigo Maia? Em dado momento até pareceu que ele assumiria
o lugar do Temer.
Marcos
Nobre - Durou duas semanas o sonho do Maia. O que aconteceu é
interessante. Uma coisa é você usar um movimento de rua para fazer um
impeachment. Outra coisa é o próprio sistema começar a se comer, não tem mais
rua. Se tirassem o Temer, era apenas o sistema se autodevorando. Então as
forças políticas perceberam que era um caminho perigoso.
BBC
Brasil - Mas Maia tinha pretensões de ser presidente, não?
Marcos
Nobre - Desde que se elegeu presidente da Câmara, a quantidade de reuniões
que Maia faz com mercado financeiro e empresários é impressionante. Eu nunca
tinha visto uma atividade comparável a essa. Ele resolveu deixar claro que era
um player. Se colocou de uma maneira diferente e construiu uma posição própria.
Quando vem a gravação do Joesley, o telefone de Maia começou a tocar. Eram
empresários sugerindo que ele assumisse e evitasse um caos. Maia permitiu que
essas conversas acontecessem e aproveitou da posição familiar que tem com o
ministro Moreira Franco, padrasto da mulher dele, para impedir que se
disseminasse a versão de que ele era traidor.
Só que o Temer deu um
contragolpe: chamou o pessoal do PSB para se filiar ao PMDB. A mensagem era
para o Maia: "se você continuar nessa linha, eu vou te desidratar".
Segundo Nobre, Maia se
colocou como um player desde o começo Maia, lembremos, estava negociando a ida
desses mesmos parlamentares para o DEM. Ele topou recuar e, em troca, Temer não
ia atrapalhar o crescimento do DEM, que vai voltar para o jogo político como um
ator importante. Para Maia, foi ótimo negócio, ele se projetou e fortaleceu o
partido, está bem, pode ser o candidato a governo no Rio. E nessa negociação,
surge mais uma vez o Aécio.
Na formação desse
blocão, além do DEM e do PMDB, é preciso ter gente do PSD e do PP. Maia entra
nesse Centrão de Aécio com capacidade de direção, já que distribui as pautas,
como presidente tem uma posição estratégica. Ele adquiriu um status que ele
mesmo jamais teria imaginado na vida.
BBC
Brasil - Com esse cenário, existe alguma chance de
aprovação
das reformas?
Marcos
Nobre - Ah, não. Isso acabou. Eles já admitem que a da Previdência não vai
dar. Agora é aquele momento Sarney e com essas duas estratégias dentro da
centro-direita, de grudar em Temer e de afastar.
As elites econômicas
que imaginaram passar o poder do Temer para implementar a agenda que nenhum
governante que depende de votos será capaz de tocar se equivocaram, foi um
lance malfeito. O que passou até agora é um Frankenstein. A Reforma Trabalhista
é uma loucura, metade do empresariado acha que não faz muito sentido. A questão
é como organiza o "governo Sarney" nesse último ano e meio.
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