quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Sem dinheiro para manter poços, Venezuela vê petróleo virar fumaça (WSJ, 25/10/16)




   

O país queima o petróleo leve produzido no nordeste e gasta dinheiro para processar o petróleo pesado extraído no sul





Por Anatoly Kurmanaev, de Punta de Mata, Venezuela

A cidade de Punta da Mata, um decadente polo petrolífero na Venezuela, tem um brilho sinistro à noite, iluminada pelas chamas de dezenas de poços que queimam petróleo e gás preciosos por falta de equipamentos em condições de processá-los.

Todo mês, as colunas de fumaça da cidade ficam maiores, um desperdício flagrante num momento em que a Venezuela, dona das maiores reservas de petróleo do mundo, precisa desesperadamente de dinheiro para importar os alimentos e remédios que escasseiam no país. Os poços estão, literalmente, queimando dinheiro.

Para piorar, para cada barril de petróleo leve queimado em Punta de Mata, a Venezuela precisa gastar dólares importando diluentes para misturar ao petróleo pesado produzido no sul.

“É pura má administração”, diz Carlos Bellorin, analista de petróleo da consultoria IHS Inc., em Londres. “Não há outra explicação racional para o desperdício.”

A má conservação dos campos mais antigos, como os de Punta de Mata, responsáveis pela maior parte da receita da Venezuela, é uma das principais razões por que a produção de petróleo do país está caindo mais rapidamente do que a dos demais grandes produtores de petróleo, com exceção da Nigéria, um país assolado por rebeliões.

A produção de petróleo bruto da Venezuela caiu 11% nos 12 meses encerrados em setembro, para 2,3 milhões de barris por dia, segundo dados do governo, e a consultoria Medley & Associates espera que o recuo se acelere nos próximos 12 meses. A não ser que haja um aumento nos preços do petróleo, a queda na produção vai agravar a já séria crise do país, cuja economia deve contrair mais 10% neste ano.

O governo está com dificuldades para obter os dólares suficientes para importar bens básicos e pagar quase US$ 16 bilhões em dívida externa entre agora e o fim de 2017.

Nos campos de petróleo que pontuam a savana no leste do país, bombas de produção seguem paradas devido à falta de peças, balsas de transporte de petróleo abandonadas enferrujam nas praias e trabalhadores que ganham US$ 9 por semana frequentemente não trabalham todos os turnos.

No total, o número de sondas de petróleo em funcionamento na Venezuela caiu 25% no ano encerrado em setembro, segundo a empresa americana de serviços de petróleo Baker Hugues Inc. Hoje há mais sondas operando em Omã, onde as reservas comprovadas são apenas 1,7% das existentes na Venezuela.

“Eu não acredito que este governo seja capaz de estabilizar a produção mesmo se os preços do petróleo começarem a subir”, diz Luisa Palacios, analista da Medley para a Venezuela.

O presidente socialista Nicolás Maduro atribui a crise econômica do país aos Estados Unidos, que ele acusa de ter orquestrado o colapso dos preços do petróleo para ajudar a economia americana. A queda nos preços do petróleo, de US$ 100 o barril em meados de 2014 para cerca de US$ 50 em junho, corroeu perto de 65% da receita com exportações da Venezuela, prejudicando os investimentos, diz o governo.

A produção global, por outro lado, caiu apenas 0,5% desde o início da queda nos preços, segundo o Fundo Monetário Internacional. Muitos produtores, como a Rússia e o Irã, na verdade, elevaram a produção.

Os trabalhadores do setor em Punta de Mata, que já foi o maior polo produtor de petróleo da Venezuela, culpam as expropriações do governo, a corrupção e a queda dos salários pelo recuo da produção na Venezuela, que vem abalando a PDVSA.

Prestadoras internacionais de serviços de petróleo, como Schlumberger Ltd. , Halliburton Co. e Baker Hugues, que já ajudaram a PDVSA a perfurar e iniciar a produção de poços de Punta de Mata, foram quase todas embora, deixando para trás bilhões de dólares em faturas não pagas ou ativos encampados pelo governo.

Depois que as empresas estrangeiras começaram a deter as operações das sondas de perfuração e os trabalhadores especializados foram embora da área de Bacia de Monagas do Norte, que inclui Punta de Mata, a produção de petróleo local caiu 70% em dez anos, a maior retração do país, segundo gerentes da PDVSA.

Afetada pelo aperto financeiro, a PDVSA concluiu ontem uma operação de swap considerada crucial para evitar um default, estendendo a maturidade de quase US$ 3 bilhões em títulos de dívida. Ela originalmente havia oferecido a troca para US$ 5 bilhões em dívida, mas não conseguiu atrair um número suficiente de investidores.

A estatal praticamente já deixou de pagar sua dívida interna. No fim de 2015, a PDVSA devia US$ 19 bilhões a prestadores de serviços, de operadoras de sondas até fornecedores de alimentação para empregados, segundo seu relatório anual mais recente.

Depois de realizar uma baixa contábil de US$ 500 milhões no país, a Schlumberger, maior prestadora de serviços de petróleo do mundo, começou a reduzir suas operações em campos mais antigos em junho. Ela demitiu centenas de funcionários, paralisou algumas sondas e informou que apenas trabalharia para a PDVSA quando recebesse pagamentos antecipados. A partir deste ano, a Halliburton só vai operar com a PDVSA em sociedade com um acionista estrangeiro e quando tiver uma chance maior de ser paga, segundo dois engenheiros da empresa na Venezuela.

A Schlumberger e a Halliburton não quiseram comentar sobre suas operações no país. O presidente da PDVSA, Eulogio del Pino, diz que a empresa está investindo na redução da queima de gases e trabalhando para atrair mais firmas pequenas para assumir os poços mais antigos.

Ele diz que a produção de petróleo e líquidos de gás do país terminará o ano em 2,7 milhões de barris diários, queda de 2% ante a média de 2015.

Na década de 90, Punta de Mata era uma cidade em ascensão fervilhante de profissionais do setor de petróleo. A cidade possuía um campo de golfe, quadras de tênis e um aeroporto nos arredores, com voos diretos para o Caribe nos fins de semana.

Julio Vargas, que era engenheiro de petróleo da Schlumberger, deixou a empresa em abril para ganhar mais dinheiro servindo café em Sydney, disse ele na Austrália, durante uma entrevista por telefone.

“A desmoralização nos campos é absoluta”, disse o engenheiro de exploração Luis Herrera, que recentemente deixou a Halliburton depois que seu salário caiu para US$ 100 por mês.

Para tentar reverter a queda da produção de poços antigos, a PDVSA fechou um contrato de US$ 3,2 bilhões com três empresas em setembro, inclusive a Schlumberger, para perfurar 480 poços no Cinturão de Petróleo do Orinoco. Para garantir o pagamento, as firmas vão receber uma fração de cada barril que a PDVSA vender desses poços.

Bellorin, o analista da IHS, diz que a estratégia não vai elevar muito a receita do país. Os bilhões gastos no Orinoco seriam mais bem aproveitados na manutenção de poços de petróleo leve mais antigos, como o de Punta de Mata, diz.

Colaborou María Ramírez, de Puerto Ordaz, Venezuela

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