BBC Mundo - 20/11/17
Oito companhias chinesas, entre elas a Alibaba, foram
autorizadas a avaliar o comportamento de seus clientes
Imagine que todas as suas atividades e comportamentos
são monitorados e pontuados em uma grande base de dados nacional: desde sua
informação fiscal, até o tempo que você passa jogando videogame.
O cenário acima poderia ter saído do romance clássico
de George Orwell, 1984, em que os cidadãos estão sempre sob vigilância de uma
entidade chamada de "o grande irmão". Lembra também um episódio da
série de TV Black Mirror, no qual cada atividade dos personagens rende
"pontos" em um futuro distópico.
Mas não é ficção. Esta é uma política de Estado em
planejamento na China.
O governo chinês está construindo um onipresente
"sistema de crédito social", através do qual o comportamento de cada
um dos seus 1,3 bilhão de cidadãos será pontuado em uma espécie de ranking de
confiança.
Por enquanto, trata-se de um projeto piloto do qual participam
oito companhias chinesas. Com a autorização do estado, elas emitem suas
próprias pontuações de "crédito social".
Mas até o ano de 2020, todos os chineses estarão
obrigatoriamente inclusos nesta enorme base de dados, e receberão pontuação de
acordo com sua conduta.
Direito de imagem Getty Images
Image caption Por enquanto, o projeto existe em
formato piloto mas a ideia do governo é tê-lo em breve como ferramenta
aplicável a todos os cidadãos
Controle ou confiança?
Em um longo documento de 2014, o Conselho de Estado
chinês explica que o plano do crédito social visa "forjar um ambiente na
opinião pública em que a confiança será valorizada", acrescentando que
"o sistema recompensará aqueles que reportarem atos de abuso de confiança".
A base de dados nacional concentrará uma ampla
variedade de informações sobre cada cidadão. Será possível saber se uma pessoa
paga seus impostos e multas em dia, se seus títulos acadêmicos são legítimos,
etc.
Haverá também um grande grupo de pessoas que passará
por um escrutínio ainda mais pesado, dependendo da profissão que exercem. A
lista inclui professores, contadores, jornalistas, médicos e guias turísticos.
Direito de imagem EPA
Image caption Os críticos dizem que o projeto é
"um pesadelo" e "orwelliano"
Críticos do projeto classificam o sistema de crédito
social como "um pesadelo" e "orwelliano".
Mas há quem acredite que um sistema como este é
necessário na China.
Os sistemas de crédito constroem confiança entre os
cidadãos, defende Wen Quan, uma blogueira que escreve sobre temas de tecnologia
e finanças.
"Sem um sistema, um estelionatário pode cometer
um crime em um lugar e logo depois fazer o mesmo em outra região do país. Os
sistemas de crédito tornam público o histórico de uma pessoa. (O sistema)
construirá uma sociedade melhor e mais justa", diz ela.
Notas dadas a partir dos produtos comprados online
Uma das empresas que participa do projeto piloto é a
Sesame Credit, a ala financeira do site de vendas online Alibaba, o maior do
mundo hoje.
A empresa usa sua gigantesca base de dados de
consumidores para criar rankings de "crédito social". A escala é
alimentada pelas transações financeiras feitas com o sistema de pagamentos do
Alibaba.
Direito de imagem Reuters
Image caption Alibaba é a maior plataforma de venda
online do mundo
A companhia não divulga exatamente como calcula a
pontuação de cada cliente, dizendo que se trata de um "algoritmo
complexo".
De toda forma, a Sesame deixa claro que leva em conta
que tipo de produtos seus consumidores compram online.
"Alguém que joga videogame durante dez horas por
dia, por exemplo, seria considerado uma pessoa ociosa. Alguém que compra
fraldas com frequência, por outro lado, deve ser pai (ou mãe) e seria
considerado uma pessoa com um sentido de responsabilidade", disse Li
Yingyun, diretor de Tecnologia da Sesame à revista chinesa Caixin, em 2015.
As autoridades chinesas monitoram o andamento do
projeto piloto de forma muito cuidadosa. O sistema do governo não funcionará
exatamente como o das empresas privadas, mas adotará características dos
algoritmos desenvolvidos pelas empresas privadas.
Por enquanto, a participação no projeto é voluntária,
mas a Sesame divulga o cadastro enfatizando os benefícios de obter um bom
"crédito social". A empresa incentiva seus clientes a compartilhar a
boa pontuação com os amigos e inclusive com potenciais pares românticos.
Para que serve a pontuação?
Pontuar bem no programa dá acesso a uma série de
benefícios, desde descontos em hotéis ou aluguel de carros até acesso a
apólices de seguro ou a obtenção mais célere de vistos.
Direito de imagem Getty Images
Image caption O sistema pode qualificar como
"preguiçosa" uma pessoa que passa horas jogando videogame
Mas o que acontece quando a pontuação é ruim?
Esta é a parte "preocupante", segundo Rachel
Botsman, autora do livro "Who Can You Trust" (algo como "Em quem
você pode confiar", em uma tradução livre). A obra trata do sistema de
crédito social da China.
"Se a sua pontuação de confiança cai abaixo de certo
nível, toda a sua vida pode ser impactada. Desde a escola que seus filhos
poderão frequentar até os empregos que você poderá escolher e o tipo de
empréstimo bancário que você poderá obter", disse Botsman em um programa
televisivo co-produzido pela BBC.
"As transgressões podem ter ocorrido na sua vida,
mas o seu comportamento poderia ter impacto em seus filhos ou netos durante
décadas", diz Botsman.
@economia @política @China @tecnologia
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