ECONOMIA
Décio Oddone: "Perdemos a oportunidade de uma geração"
Sai do pré-sal hoje metade do petróleo que o Brasil produz – e isso após anos de negócios parados. O diretor-geral da ANP quer recuperar parte do tempo desperdiçado
SAMANTHA LIMA
05/12/2017 - 08h00 - Atualizado 05/12/2017 09h44
Um quadro chama a atenção na sala de trabalho do engenheiro Décio Oddone, no centro do Rio de Janeiro. Trata-se da foto da torre sobre o poço de petróleo de Candeias-1, na Bahia, o primeiro perfurado no Brasil, em 1941. No canto inferior do quadro há dois documentos amarelados endereçados na época ao avô de Oddone, um geofísico também chamado Décio. Revelam as exigências num serviço a ele solicitado: urgência e sigilo. Oddone diz que seu avô determinou o local da perfuração. O poço ainda produz. Setenta e seis anos depois, Oddone neto tornou-se diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) após ter trabalhado na Petrobras e na Braskem. Há um ano no cargo, Oddone comandou, em outubro e novembro, a retomada dos leilões de áreas do pré-sal, que não ocorriam desde 2013. Ele conversou com ÉPOCA sobre a nova política para o setor.
REALISTA
Décio Oddone, diretor-geral da ANP. Ele diz que o petróleo não é mais estratégico e avança para a obsolescência (Foto: Stefano Martini)
ÉPOCA – Críticos à oferta de áreas para exploração, especialmente no pré-sal, dizem que o produto é estratégico e que, portanto, não deveria ser “entregue” a empresas estrangeiras. O que acha do argumento?
Décio Oddone – A visão de petróleo como estratégico vem das décadas de 1960 e 1970. Naquela época, criou-se o termo “peak oil”, ou seja, o momento em que a produção atingiria o pico e a partir do qual começaria a cair, forçando a alta do preço. Isso desencadearia uma crise de consumo, o que reforçou, principalmente depois das duas crises do petróleo, o sentimento de que petróleo era um bem estratégico. Hoje, ninguém fala mais em pico de produção, mas sim de demanda, ou seja, quando ela atingirá seu máximo e depois cairá. Dizem que isso vai acontecer entre 2035 e 2040, mas há gente antecipando para 2025.
ÉPOCA – Por que a mudança e qual é o impacto dela?
Oddone – Porque o petróleo se tornou abundante com o avanço tecnológico. O chamado “shale oil” (que passou a ser extraído do folhelho ou xisto, um tipo de rocha abundante nos Estados Unidos) significou o fim do petróleo caro. Eles produzem 10 milhões de barris por dia (metade de seu consumo). Como dizia Zaki Yamani (ex-ministro do Petróleo da Arábia Saudita), a Idade da Pedra não acabou por falta de pedra e a do petróleo não acabará por falta de petróleo. Acabará porque será feita a transição para uma economia de baixo carbono, à medida que novas fontes de energia alternativas se tornarem acessíveis. Quando a era do petróleo acabar, ainda haverá muito petróleo embaixo da terra. Tomara que não seja o nosso. Precisamos destravar o setor, de forma a contribuir com o crescimento. O petróleo não é mais estratégico e está a caminho de se tornar obsoleto.
ÉPOCA – Qual é sua avaliação sobre o leilão de oito áreas no pré-sal, no fim de outubro? Duas das oito não terem recebido oferta indica sucesso apenas relativo?
Oddone – O leilão superou nossa expectativa. Esperávamos garantir uma arrecadação futura para o Estado (brasileiro) de R$ 400 bilhões. Com os ágios pagos pelas empresas, recalculamos a previsão para R$ 600 bilhões. É ingenuidade achar que todas as áreas em um leilão terão oferta. Terem levado 75% das áreas é um excelente resultado.
ÉPOCA – Essas foram as primeiras áreas de pré-sal oferecidas em leilão desde 2013. Antes disso, os leilões de áreas no mar haviam sido suspensos por anos, enquanto o governo revia as regras do setor. Qual foi o impacto?
Oddone – As 41 áreas no pré-sal tiradas do leilão de 2006, quando se descobriu o reservatório, poderiam estar em produção agora. O impacto na economia é de R$ 1 trilhão. Foi a maior oportunidade perdida de uma geração. A produção que temos hoje, especialmente do pré-sal, é dos campos licitados de 2000. O pré-sal saiu de zero para 1,5 milhão de barris por dia, em três anos, hoje metade do que se produz no Brasil. Se não fossem essas reservas, a produção estaria em declínio. Na Bacia de Campos, caiu de 2 milhões para 1,2 milhão de barris por dia.
ÉPOCA – Como vê a decisão da Petrobras de vender áreas no pré-sal que já estavam sob concessão dela e as críticas à decisão, por quem considera o pré-sal estratégico?
Oddone – Acho positivo haver uma indústria diversificada nessas áreas. Se tivéssemos licitado o pré-sal em 2007, e outras empresas estivessem aqui, essa crise teria arrastado todo mundo?
ÉPOCA – A ANP fez um calendário com três leilões de áreas por ano, até 2019, mas um novo governo eleito em 2018 pode não concordar com isso...
Oddone – Um governo eleito tem direito de implementar as políticas respaldadas nas urnas. Mas não acredito que [um novo governo] vá querer mudar, porque as reservas que entrarão em exploração vão gerar riqueza de tal magnitude que vai ser irreversível. Experimentamos recentemente outro caminho, que estamos revertendo agora, que deu o resultado que deu. Com os projetos de produção já contratados e mais o que será licitado com esses leilões, até 2027 haverá R$ 850 bilhões só em plataformas e outros R$ 250 bilhões em perfuração de poços. É a maior janela de oportunidade de investimento no setor do país.
ÉPOCA – Em relação ao crônico desperdício de recursos dos royalties por municípios fluminenses, a ANP pode ajudá-los a investir melhor?
Oddone – O assunto está fora do escopo da ANP.
ÉPOCA – Mas o que o especialista Décio Oddone sugere?
Oddone – Aprimorar a gestão pública é fundamental.
ÉPOCA – Que país faz algo interessante com petróleo?
Oddone – O fundo da Noruega é interessante porque só permite gastar o rendimento [e não o ganho direto com o petróleo].
ÉPOCA – A política de conteúdo local, exigência que as empresas de petróleo comprem no país mais itens para seus projetos, está sendo afrouxada. As empresas dizem que os preços internos tiram competitividade. Como estimular a indústria, então?
Oddone – É melhor que a gente consiga reter 25% do investimento do que 50% ou 60% de nada, como está hoje, já que a indústria está paralisada por várias razões, entre elas a própria exigência de conteúdo local. As incontáveis multas às empresas de petróleo por não conseguirem cumprir o conteúdo local provam que o modelo fracassou.
"Se tivéssemos licitado o pré-sal em 2007 e tivéssemos mais empresas aqui, a crise teria arrastado todas?"
ÉPOCA – Se o Brasil se tornar um grande produtor global de petróleo, deveremos buscar entrar na Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), cartel formado nos anos 1960 com papel decisivo nos preços?
Oddone – É uma decisão política que extrapola a ANP. O que se vê é a redução do poder de mercado da Opep, pelo aumento da produção em outros países, especialmente nos Estados Unidos, que hoje têm a função de produtor que regula o mercado, antes da Arábia Saudita. E isso aconteceu rápido porque os produtores americanos trabalham de forma independente. Considero as reservas do pré-sal um dos três melhores ativos em petróleo no mundo, junto com o petróleo terrestre no Oriente Médio e a área de “shale oil” nos Estados Unidos. Se o Brasil não se tornar o maior, essa produção será muito relevante no volume global.
ÉPOCA – Depois da queda brusca no preço do barril de petróleo, de quase US$ 120 para menos de US$ 50, em 2014, há risco de choque a caminho?
Oddone – O cenário hoje é de abundância das reservas e há redução de custo principalmente pela inovação tecnológica. As forças de mercado trabalham para manter os preços baixos por um longo tempo.
ÉPOCA – O preço atual baixo, na casa de US$ 60 por barril, não ameaça projetos caros como a exploração do pré-sal e a migração com novas tecnologias para a economia de baixo carbono?
Oddone – É um cenário benigno para a economia mundial porque faz a transição suave para outras fontes de energia, sem risco de impacto no crescimento econômico global. Outro dia, Pedro Parente [presidente da Petrobras] disse que o pré-sal é viável a US$ 35 o barril. Dois meses depois, a Total, sócia da Petrobras em Libra, já está falando que espera que esse indicador chegue a US$ 20.
ÉPOCA – Como é regular um setor que tem apenas algumas décadas de vida pela frente, dada a pressão global para reduzir as emissões de carbono?
Oddone – Não sou otimista quanto à duração da era do petróleo. Precisamos nos adequar a esse novo mundo.
http://epoca.globo.com/economia/noticia/2017/12/decio-oddone-perdemos-oportunidade-de-uma-geracao.html
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