quinta-feira, 3 de maio de 2018

Como a elite de Pequim vê o mundo (Martin Wolf)

Valor Econômico | Opiniao COLUNISTAS 


Martin Wolf


No fim de semana participei de um diálogo entre um punhado de acadêmicos e jornalistas estrangeiros e altos funcionários governamentais, acadêmicos e empresários chineses, organizado pelo Centro Acadêmico da Universidade Tsinghua para Prática e Pensamento Econômicos da China. A discussão foi mais franca do que qualquer outra de que eu tenha participado durante os 25 anos em que venho visitando a China. Aqui estão sete proposições que nossos interlocutores nos fizeram.


A China necessita um governo central forte. Essa ideia veio acompanhada da noção de que a China é, sob diversos aspectos relevantes, uma sociedade dividida: um participante chegou a afirmar que 500 milhões de chineses amam as reformas de Deng Xiaoping, enquanto 900 milhões solidarizam-se com a visão de mundo de Mao Tse tung. Outro apontou para o fato de que o governo central gasta apenas 11% do total gasto por todos os níveis de governo e emprega apenas 4% de todos os funcionários públicos. Outros enfatizaram que a China é um país em desenvolvimento com enormes desafios pela frente.


A conclusão a que os participantes chegam é de que o Partido Comunista Chinês, com cerca de 90 milhões de membros, é essencial para a unidade nacional. No entanto, a corrupção e as lutas internas entre facções têm ameaçado a legitimidade do partido. Um alto funcionário chegou a afirmar que Xi Jinping "salvou o partido, o país e os militares". Essa perspectiva também justifica a suspensão dos limites de mandato para a Presidência, que, foi enfatizado, não significa poder perpétuo para um só homem.


Os modelos ocidentais estão desacreditados. Os chineses desenvolveram um sistema estatal dirigido por uma elite tecnocrata de burocratas altamente capacitados e sob controle do partido. Esse é o antiquíssimo sistema imperial chinês em forma moderna. A atração que a democracia ao estilo ocidental e o capitalismo de livre mercado pode ter exercido sobre essa elite definhou. Eles enfatizaram o fracasso dos Estados ocidentais em investir em seus ativos físicos ou humanos, a má qualidade de muitos de seus líderes eleitos e a instabilidade de suas economias. Um participante acrescentou que "90% das democracias criadas após a queda da União Soviética falharam". Esse risco não deve ser assumido pelos chineses.


Tudo isso intensificou a confiança no peculiar modelo chinês. Mas isso não significa um retorno a uma economia controlada. Ao contrário, como observou um participante: "Acreditamos no papel fundamental do mercado na alocação de recursos. Mas o governo precisa desempenhar um papel decisivo. Ele cria a estrutura para o mercado. O governo precisa promover o empreendedorismo e proteger a economia privada". Um participante chegou a insistir em que a nova ideia de um "líder central" poderia produzir forte liberdade governamental e econômica.


A China não quer comandar o mundo. Esse sentimento foi reafirmado repetidamente. Seus problemas internos são, na visão dos participantes, grandes demais para qualquer ambição desse tipo. De qualquer forma, o país não elaborou nenhuma visão detalhada sobre o que fazer. Mas, como insistiu um formulador de políticas sênior, no contexto específico das relações com os EUA, "devemos cooperar, enfrentar problemas compartilhados".


Um participante afirmou que "os EUA já dispararam quatro flechas contra a China: sobre o Mar do Sul da China, Taiwan, o Dalai Lama e, agora, o comércio". Esse é, portanto, um ataque sistemático. Muitos acreditam que isso vai piorar. Isso não se deve ao que a China tenha feito, mas porque os americanos agora veem a China como uma ameaça à hegemonia econômica e militar dos EUA.


Os modelos ocidentais estão desacreditados. Os chineses desenvolveram um sistema estatal dirigido por uma elite tecnocrata de burocratas altamente capacitados e sob controle do partido. Esse é o antiquíssimo sistema imperial chinês em forma moderna


As metas americanas nas negociações comerciais são incompreensíveis. As pessoas envolvidas de perto nas negociações comerciais estão confusas com o que os EUA estão buscando. Donald Trump quer mesmo um acordo, indagam-se eles, ou seu objetivo é apenas conflito? De todo modo, altos funcionários dizem compreender e aceitar a legitimidade (e o valor, para a própria China) das demandas por melhor proteção sobre propriedade intelectual. Eles também compreendem as justificativas para liberalização unilateral, inclusive em serviços financeiros.


A China, sugeriu uma autoridade governamental, gostaria de tornar o programa Made in China 2025 um cenário em que "todo mundo sai ganhando". Mas o progresso tecnológico chinês não é negociável. Além disso, como esperar que a China reduza o desequilíbrio bilateral com os EUA se os americanos impuserem controles rígidos sobre as exportações de bens estrategicamente sensíveis e os chineses não dispuserem de infraestrutura para transportar carvão ou petróleo de forma competitiva?


A China sobreviverá a esses ataques. Os participantes chineses pareceram razoavelmente confiantes em que seu país poderá resistir aos testes que virão. Um deles observou que a China já é um grande país industrializado. Seu setor manufatureiro é quase tão grande quanto os dos EUA, Japão e Alemanha reunidos. Tem um enorme número de pessoas qualificadas. A economia também é menos dependente do comércio do que no passado.


Além disso, observou outro, as empresas americanas estão extremamente envolvidas e dependentes da economia chinesa. O povo chinês, enfatizou outro, provavelmente é mais capaz de suportar privações do que o americano. Eles também são altamente resistentes a serem intimidados pelo poder americano. De fato, a liderança chinesa não podia ignorar a opinião pública ao considerar concessões. O que quer que tenha acontecido, insistiram alguns, a ascensão da China é agora imbatível.


E mais, comentou outro participante, embora a China não possa contestar o domínio militar mundial dos EUA, não é tanto assim no Pacífico Ocidental, onde a China é cada vez mais poderosa. No longo prazo, a China desenvolverá uma força militar de "primeira classe".


Este será um ano difícil. A China e os EUA terão um relacionamento complexo e tenso no longo prazo. Mas, observou um participante: "Este será um ano de testes. Se formos na direção certa, tudo estará bem; se formos na direção errada, haverá um abalo sísmico". O progresso conseguido na questão coreana, uma área de cooperação chinesa e americana, poderá ser um prenúncio da primeira opção; atritos na esfera comercial sinalizam a segunda. O rumo tomado poderá dar nova forma a nosso mundo. (Tradução de Sergio Blum)


Martin Wolf é editor e principal analista econômico do FT

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