Por outro lado, Robert Dahl nos ensina que os países que transitaram para a democracia via regimes oligárquicos competitivos (ex. Inglaterra no século 19) são menos propensos a sofrer reversões: as elites políticas são socializadas em regras institucionais antes da extensão da participação política, via sufrágio universal. Quando a participação se estende a toda a população, as instituições já estão enraizadas. Não é o caso da Venezuela.
Entre 1908 e 1935, o país foi controlado pelo caudilho Juan Gómez. Desde então, autoritarismo e nacionalismo se mesclaram de forma tóxica.
O nacionalismo foi alimentado pelo conflito com a Inglaterra —que chegou a bombardear Caracas—, devido ao não pagamento da dívida externa, e exacerbou-se após a descoberta do petróleo no país, em 1918, com as transações feitas por Gómez com a Standard Oil que o converteram no “homem mais rico da América Latina”.
“El Bagre” deixou 84 filhos e encarnou, como poucos na região, a “maldição dos recursos naturais”, inaugurando um ciclo de governos autoritários que durou até o pacto de Punto Fijo, em 1958. O país “pulou etapas”: não teve nem governos oligárquicos semicompetitivos (ex. República Velha) nem regimes populistas nacionalistas (Varguismo).
O Pacto funcionou bem durante três décadas. Os dois partidos principais concordaram em alternar-se no poder e estabelecer cotas partidárias na máquina pública.
O colapso das rendas petrolíferas, ao final dos anos 1980, e a insatisfação social com o que parecia ser um conluio oligárquico —em que pese o país ter o Gini mais baixo da região —minaram as bases do pacto. O boom de commodities reviveu o autoritarismo militarista com o coronel Chávez. Regressão à média?
Se Dahl estiver certo, as chances de venezuelização por aqui são mínimas devido ao nosso legado de pesos e contrapesos. Além do fato de que “é a tradição parlamentar, transmitida de geração a geração, desde 1823, e sempre subsistente apesar das poucas interrupções que faz o Brasil tão diferente dos vizinhos da América Latina” (Afonso Arinos).
Esse legado, é certo, não impediu o regime militar (mas explica o fato de que aqui o Congresso permaneceu ativo). Mas essa visão otimista perde força à luz da maré populista no mundo. Mesmo sem autoritarismo aberto, populistas podem fazer grandes estragos.
Marcus André Melo
Professor de ciência política da universidade Federal de Pernambuco.
28/5/18 Escreve às segundas
@política @Brasil
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