"Fui pego de surpresa",
diz Sarney Filho | Valor Econômico
Por Daniela Chiaretti | De
Brasília
A Lei Geral do Licenciamento pode
ser aprovada em poucos dias, no Congresso, a partir de um acordo político entre
o Ministério do Meio Ambiente, o agronegócio, a indústria e, dentro do
governo, a Casa Civil, que
representa os interesses dos ministérios dos Transportes e da Energia. Esta é a
expectativa do ministro do Meio Ambiente,
José Sarney Filho, que diz ser porta-voz do governo Michel Temer no assunto.
"O texto não é o ideal, mas foi o acordo possível", disse em
entrevista ao Valor. "A Casa Civil respeitará o que sair daqui.
Esta é a decisão do presidente."
Sarney Filho diz acreditar que o
decreto que extingue a Reserva Nacional de Cobre e Associados (Renca) só terá
20% de área passível de mineração. A mais recente polêmica ambiental do país,
segundo o ministro, foi um erro de transparência, de comunicação e de origem. O
Ministério do Meio Ambiente (MMA) foi consultado em junho, se opôs em parecer
técnico, mas depois não foi mais chamado a opinar. "Fui pego de
surpresa", disse. "Pessoalmente acho que o decreto deveria ser
revogado."
O ministro, no entanto, defende a
redução de área da Floresta Nacional de Jamanxim, no Pará, outra ação
controversa. Diz que é a unidade de conservação mais desmatada do país, que foi
criada pensando na preservação, mas que o modelo coloca no mesmo balaio
proprietários de boa fé e grileiros. A proposta do governo, no Congresso, está
ameaçada por uma série de emendas que podem cortar até um milhão de hectares,
segundo algumas estimativas. Se passar no Congresso, ele pedirá veto e, depois,
apoiará medidas jurídicas.
Leia, a seguir, os principais
trechos da entrevista:
Valor: Uma nota técnica
do MMA, de junho, contradiz a narrativa do governo de que a área da Renca seria
um inferno verde com garimpo ilegal.Os técnicos dizem que o grau de preservação
é bastante alto e a áreadesmatada é apenas 1,1% do total, além da sobreposição
com terras indígenas e áreas protegidas. Como o senhor vê a contradição entre a
nota e o discurso?
José Sarney Filho:
Acho
que o governo falhou e se equivocou em ter feito o decreto. Fomos ouvidos em
junho. Nosso parecer foi contra com termos bem claros. No dia seguinte em que o
Imazon [Instituto do Homem e do Meio
Ambiente] anunciou que o
desmatamento, que vinha em alta havia cinco anos, caiu 21%, ou seja, a reversão
da curva, o governo anuncia um decreto sem ter ouvido o MMA em questões que
resultam de uma intervenção na floresta amazônica.
Valor: O MMA não foi
consultado?
Sarney Filho: Teve uma consulta
formal, respondemos negativamente e depois não fui avisado de nada. Fui pego de
surpresa. Minha preocupação primeira é o sinal que estaríamos passando para a
região. A versão que ficou patente, predominou e é muito perigosa é a de que o
governo estaria entregando parte da Amazônia para a atividade minerária. E isso
poderia colocar por água abaixo toda a nossa política na Amazônia. Estivemos em
todos os Estados, falamos com governadores, fizemos parcerias com municípios,
sociedade civil, Poder Judiciário. Retomamos o controle do Estado na região
amazônica, com todas as dificuldades. Então, nesse momento, em que temos uma
notícia positiva, dada por uma ONG respeitada, vem um decreto que não vai
resultar objetivamente em nada.
Valor: O que o sr. quer
dizer?
Sarney Filho: Que não vai ter
atividade minerária. Depois do segundo decreto, deixa-se bem clara a
impossibilidade de se fazer mineração nas unidades de conservação e terras
indígenas que estão lá.
Valor: Mas já há leis que
impedem mineração nessas áreas.
Sarney Filho: Sim, está dentro
do Snuc [Sistema Nacional de Unidades de Conservação]. O que quisemos foi
deixar claro que aquela região não estava sendo entregue à atividade minerária.
Era preciso que se frisasse isso no decreto. Embora o ideal, no meu ponto de
vista, era que o governo simplesmente revogasse o decreto, já que acho que ele
não vai ter função prática. Nenhuma grande mineradora vai querer investir em
uma região que está sub judice.
Valor: O sr. acha que não
vai dar em nada?
Sarney Filho: Com as ressalvas
que já existiam e foram clarificadas, menos de 20% da área é passível de
mineração.
Valor: Então a área serve
para quem? Abriu para quem? E por que agora?
Sarney Filho: É bom perguntar no
setor de Minas e Energia por que foi feito dessa forma. Eu não entendi. E é
possível que o Congresso faça um projeto de decreto legislativo sustando os
efeitos do decreto. E já tem vários pedidos, além de haver a via judicial.
Valor: Há críticas de que
faltou transparência e de que a comunicação foi atrapalhada.
Sarney Filho: Acho que sim. Na
medida em que mexer em uma parte grande da Amazônia é feito sem ouvir o
Ministério do Meio Ambiente, no dia seguinte em que se anuncia a queda do
desmatamento, é porque houve falta de comunicação interna do governo. Quero
acrescentar que estou destinando recursos específicos para fiscalização daquela
região, como fiz em Jamanxim, onde o desmatamento caiu em 60%.
Valor: Sobre a Floresta
Nacional do Jamanxim, existiu a medida provisória, que foi vetada, mas há um
novo projeto
de lei. É outro
caso confuso.
Sarney Filho: A Flona do
Jamanxim foi criada em um mosaico de unidades de conservação (UCs) para
preservar a área da BR-163. A intenção foi a melhor possível, era o que se
pensava na época, que seria o correto para proteger a Amazônia de uma estrada
asfaltada e do efeito do desmatamento. Só que, da maneira como foi feita, sem discussão
com a sociedade local, se incorporaram propriedades que já estavam produzindo
dentro da legalidade. Quando se criou a UC sem regularização fundiária
adequada, colocaram-se no mesmo balaio os proprietários de boa-fé e os
grileiros. E ficou uma terra de ninguém, o pior dos mundos. Quando cheguei ao
ministério havia uma discussão sobre o aumento do desmatamento ali. O ICMbio
dizia que o ideal seria que se afastasse um pouco o limite da Flona para fazer
a regularização fundiária com todas as precauções legais de que não se iria
beneficiar grileiro. Temos todo o levantamento.
Valor: Mas não deu certo.
Quando chegou ao Congresso...
Sarney Filho: O problema é que,
se o Congresso acatasse a proposta que é oriunda de um parecer técnico do
ICMbio... É até má-fé pensar que técnicos do ICMbio, que são dedicados e
compromissados com a sustentabilidade, que fariam um parecer que iria
flexibilizar qualquer tipo de desmatamento na Amazônia. Não procede. A mudança
era para diminuir o desmatamento ali.
Reconheço que foi um erro meu de
avaliação ter feito essa proposta técnica através de medida provisória. Deveria
ter sido por projeto de lei. A MP foi descaracterizada e vetada na íntegra.
Valor: Mas agora tudo se
repete.
Sarney Filho: Agora, mandamos um
projeto de lei também com parecer técnico, com termos mais rigorosos e que nos
dão tranquilidade de que não vai haver desmatamento nem anistia a quem desmatou
ilegalmente. Mas está sendo novamente descaracterizado no Congresso.
Valor: O novo projeto
corta cerca de 350 mil hectares de Jamanxim.
Sarney Filho: Não é
"corta", aí está um equívoco de avaliação. Não se está liberando para
desmatar. Está deixando de ser Flona para que se possa dar os nomes dos
proprietários legítimos e punir grileiros. Essas propriedades desafetadas,
desde que legítimas, vão ter que manter 80% de área preservada, vão ter que ter
atividade coerente com o plano de manejo da Área de Preservação Permanente
(APA). O plano de manejo de APA pode ser permissivo ou rigoroso.
Valor: Mas voltou ao
Congresso em regime especial, recebeu várias emendas que, segundo alguns
cálculos, podem significar a redução de áreas protegidas em 1 milhão de
hectares. O que, afinal, o governo está fazendo?
Sarney Filho: O Congresso, até
diante da discussão levantada com a província mineral [Renca], deveria ter mais
consciência de que mexer em proposta técnica, em um momento em que estamos
diminuindo o desmatamento, seria um desserviço ao país.
Valor: O sr. está fazendo
um apelo ao Congresso?
Sarney Filho: Sim. Acredito que
os parlamentares terão o bom senso necessário de aprovar o que saiu da proposta
técnica, integralmente, sem mexer. Vamos lutar por isso. Se isso não ocorrer,
lutaremos pelo veto. Vamos apoiar iniciativas jurídicas que possam barrar esse
decreto. O Ministério Público já adiantou e alguns desembargadores federais com
os quais conversei acham que reduzir unidades de conservação sem parecer
técnico do órgão é inconstitucional. Não espero chegar a esse ponto.
Valor: Mas qual a
mensagem que o governo está dando para outras unidades de conservação que
também têm ocupação e pressão?
Sarney Filho: Jamanxim foi a
unidade de conservação que mais desmatou nos últimos cinco anos. Esse é o
problema. Não estava servindo para nada, só para acobertar a ilegalidade. O que
fizermos lá, se sair na lei, vai servir de exemplo, sim. Diminuir a
possibilidade de que em outras UCs ocorra o que ocorreu lá, que é um
desmatamento desenfreado. Parece que estamos pegando uma área imaculada e
tirando para dar a grileiros. Não.
Valor: Essa mensagem não
chegará truncada à região?
Sarney Filho: A mensagem já está
clara porque ali estamos fazendo operações constantes. Na região já tem cem
membros da Guarda Nacional, é o lugar onde estamos concentrando o maior número
de operações. Está bem clara a presença do Estado, e o desmatamento já caiu 60%
desde que entramos no ministério.
Valor: A lei de
regularização fundiária, para os ruralistas, ou lei da grilagem, para os ambientalistas,
é tida como outro grande retrocesso.
Sarney Filho: Estamos cuidando
de nosso setor, mas muitas de nossas propostas não foram aceitas.
Valor: Em relação ao
licenciamento, há um consenso político acertado? A Lei Geral do Licenciamento
tem finalmente um texto acordado?
Sarney Filho: Desde que entrei, conforme
havia dito, pedi à Suely [Araújo, presidente do Ibama], que começasse as
tratativas para se fazer uma Lei Geral do Licenciamento. Ela é necessária para
dar segurança jurídica, previsibilidade e também para o ambiente. Do jeito que
está é confuso, existem decisões contraditórias.
Começamos um processo de conversas
com todos os setores produtivos como CNA (Confederação Nacional da Agricultura
e Pecuária), CNI (Confederação Nacional da Indústria), Fiesp, FPA (Frente
Parlamentar da Agropecuária), ONGs, Ministério Público. Conseguimos chegar a um
nível de consenso razoável. Não é unanimidade. O Ministério Público tem suas
restrições, as ONGs também, o pessoal da produção também, cada um a
determinados artigos, mas isso foi sendo negociado. Há dois meses chegou-se a
um termo com dois dissensos.
Valor: Quais?
Sarney Filho: Um era relativo a
áreas prioritárias para o meio ambiente, o critério locacional. O impacto de
uma mineração localizada na área da Renca é diferente do impacto da mesma
mineradora em Minas Gerais, em área já antropizada e onde há outras
mineradoras. Isso é importante.
Valor: Este é um buraco
na legislação atual.
Sarney Filho: Sim. Hoje, para se
fazer um empreendimento na Grande São Paulo há nível de exigências similar ao
da Amazônia. Não tem sentido.
Valor: Mas o setor
industrial tinha resistências a isso.
Sarney Filho: Sim, tinha. E
havia também resistências ao poder do ICMBio de opinar no licenciamento. Íamos
a Plenário com os dois destaques para votar. Na véspera da votação vieram com
uma proposta modificando completamente o que tinha sido acordado. Quiseram dar
um golpe, o pessoal da CNA, da CNI, junto com setores da Casa Civil, que
queriam resolver problemas pontuais dos ministérios dos Transportes e Energia.
Voltamos à discussão, ganhamos tempo na Comissão de Finanças e Tributação,
retirando sempre a proposta de Mauro Pereira (PMDB-RS) modificada. E agora conseguimos
um consenso em torno de uma nova proposta sem mexermos em nada, sem nenhum
destaque. Aceitaram o critério locacional e também o do poder dos órgãos das
unidades de conservação.
Valor: A última palavra é
de quem?
Sarney Filho: Do órgão
licenciador. A legislação do Snuc prevê que o parecer dos órgãos de conservação
é vinculante apenas nos casos de empreendimentos com Estudos de Impacto
Ambiental.
Valor: Os ministérios das
Minas e Energia e Transportes têm interesses claros no licenciamento e não
muito adequados ambientalmente. Com o setor ruralista e indústria o sr. diz que
já está acertado um texto, mas e no governo?
Sarney Filho: Um texto que não é
o ideal, mas o possível. É um avanço.
Valor: Como está na Casa
Civil?
Sarney Filho: A Casa Civil
respeitará o que sair daqui. Essa é a decisão do presidente.
Valor: Quando será
votado, na sua previsão?
Sarney Filho: Ainda estamos
vendo a melhor data. Tenho receio que haja novidades. Está pacificado, mas não
estou ainda muito tranquilo. Só estarei quando estiver sendo votado em
Plenário.
Valor: Como se governa
com a bancada ruralista tão forte? Ela consegue tudo o que quer, e
historicamente, o que ela quer, é terra. Da área ambiental e indígena.
Sarney Filho: Nós conseguimos
arquivar o licenciamento da usina hidrelétrica de São Luiz do Tapajós. Tiramos
incentivos de termelétricas movidas a carvão mineral e óleo combustível junto
com o BNDES. Fechamos a parte antiga da usina a carvão de Candiota. Agora
negamos a licença para exploração de petróleo na foz do Amazonas. Conseguimos
concluir o Cadastro Ambiental Rural, que estavam pensando em dois anos, fizemos
em seis meses. Hoje, o desmatamento é contido por comando e controle, que não é
o ideal, mas tenho dado ênfase em reforçar reservas extrativistas aumentando o
preço mínimo dos produtos da biodiversidade. Ampliamos reserva marinha no Rio
Grande do Sul. Estamos avançando. Tenho certeza de que, se não estivéssemos
neste ministério, não estaríamos fazendo isso tudo. As grandes ONGs do Brasil
pediram que eu não saísse.
Valor: Mas o cenário é
muito ruim para o ambiente.
Sarney Filho: Temos que nos
desdobrar. O trabalho é muito grande.
Atendo deputados de todo tipo, a
bancada ruralista me procura muito. Temos conversado. Acho que o agronegócio
tem que ter consciência e se adequar à nossa legislação. Saber a importância da
Amazônia para o regime de chuvas no Sudeste. Estamos fechando agora uma espécie
de moratória da carne.
Valor: O que é isso?
Sarney Filho: Não chamamos
assim, mas é tipo uma moratória da soja. É um acordo para que os compradores só
comprem carne de origem legal e os pecuaristas não desmatem mais, mesmo que
tenham condições legais de desmatar. Que fiquem em suas áreas e não desmatem
mais. Mas devo dizer que é incrível que a melhor notícia dos últimos tempos não
tenha destaque.
Valor: Qual?
Sarney Filho: A da queda do
desmatamento em 21% nos últimos 12 meses, medida pelo Imazon, divulgada nos
últimos dias.
Valor: Mas é que a taxa
oficial é dado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais [Inpe]. E os
governos têm a tradição de desqualificar os dados do Imazon, dizendo que são
dados de uma ONG, quando o desmatamento cresce.
Sarney Filho: Tinha tradição. No
ano passado eles disseram que era 30% e foi 29%. Eu considerei. E temos dados
que dizem que até no Cerrado o desmatamento diminuiu.
Valor: Quanto o sr. tem
colocado no comando e controle?
Sarney Filho: Eram R$ 80
milhões, nós colocamos R$ 130 milhões, com adição de Fundo da Amazônia. É o que
conteve o desmatamento.
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