sábado, 4 de novembro de 2017

China : O paradoxo do poder de Xi (Minxin Pei, Valor)



Terça-feira, 31 de outubro de 2017 05:12

Valor Econômico | Opinião

      

Minxin Pei: O paradoxo do poder de Xi

No fim do 19º Congresso Nacional do Partido Comunista Chinês (PCC), que durou seis dias, os cerca de 2.200 delegados resolveram acrescentar "O Pensamento de Xi Jinping sobre a Nova Era do Socialismo com Características Chinesas" aos estatutos do PCC. Com isso, tornou-se oficial: teve início a era de Xi.
Apenas dois dirigentes chineses anteriores, Mao tsé-Tung e Deng Xiaoping, tiveram sua própria ideologia pessoal sacramentada na Carta do PCC. Os dois antecessores de Xi, Jian Zemin e Hu Jintao, não tiveram seus nomes vinculados a qualquer doutrina ideológica, menos ainda a uma doutrina alçada a um status tão elevado no âmbito do PCC. Os dirigentes chineses estavam, evidentemente, ansiosos por confirmar o que o mundo já sabia: a autoridade de Xi se equipara, agora, à dos pesos mais pesados do PCC.
Além de catapultar Xi simbolicamente ao panteão dos fundadores da República Popular, o 19º Congresso lhe granjeou duas vitórias políticas significativas. A primeira, e mais importante: ele se esquivou de designar um sucessor, deixando assim aberta a possibilidade de ele próprio poder exercer um terceiro mandato como presidente da China.
Todos os cinco novos membros do Comitê Permanente do Politburo, o órgão decisório máximo do PCC, estão com 60 e poucos anos de idade - velhos demais para serem preparados para assumir o lugar de Xi dentro de cinco anos, diante da idade não oficial de aposentadoria do partido, de 68 anos. Se um ou dois novos membros do Comitê Permanente do Politburo, com menos de 55 anos, tivessem sido promovidos, Xi deveria deixar o cargo em 2022, quando alcançasse o limite de dois mandatos como presidente, como fizeram Jiang e Hu. A alternativa para Xi seria expurgar o sucessor designado, como fizeram Mao e Deng. Nenhum dos dois cenários seria atraente.
Sem nenhum sucessor habilitado, no entanto, a possibilidade de que Xi cumprirá um terceiro mandato (pelo menos), deverá modificar decisivamente os cálculos políticos tanto de seus adeptos fiéis quando dos que ainda mantêm suas apostas protegidas. Os fiéis vão reiterar sua lealdade agora, enquanto os que estão em cima do muro tendem a engrossar o bloco de Xi. Quanto aos rivais de Xi, eles devem estar totalmente desmotivados.
Poucos chineses, inclusive membros do partido, acreditam genuinamente em qualquer doutrina oficial. Na economia, o setor privado responde por mais de 60% do PIB e o Partido Comunista tornou-se praticamente irrelevante no dia a dia do chinês comum
A segunda grande vitória de Xi no 19º Congresso foi a promoção de dois aliados próximos para o Comitê Permanente do Politburo. Seu atual chefe de Gabinete, Li Zhanshu, assumirá o Congresso Nacional do Povo (CNP). O CNP, que nunca foi muito mais do que um chancelador das decisões do partido, terá agora sua agenda legislativa ditada pelo próprio Xi.
Na verdade, a liderança de Li sobre o CNP pode acabar sendo fundamental para derrubar uma das últimas barreiras às ambições políticas de Xi: o limite de dois mandatos para presidentes, determinado pelos estatutos. Embora nada impeça Xi de manter um cargo no partido, como o de secretário-geral, ele terá de fazer emendas aos estatutos se quiser continuar sendo o chefe de Estado da China. E, com Li no poder, essa emenda será facilmente aprovada pelo CNP.
Outro adepto fiel de confiança, Zhao Leji, vai suceder a Wang Qishan, de 69 anos, como diretor do órgão anticorrupção - uma posição decisiva, responsável por manter o controle sobre o PCC. Wang supervisionou desde o início a campanha anticorrupção de Xi - que expurgou muitos dos rivais de Xi e consolidou seu poder. Ao nomear Zhao, Xi, na prática, deu publicidade a todos os grandes dirigentes chineses.
O triunfo de Xi no 19º Congresso alimentou, compreensivelmente, especulações generalizadas de que seu poder agora formidável lhe possibilitará impor sua visão de governo autoritário de linha dura, sustentado pelo nacionalismo chinês, nos próximos anos. E essa é uma possibilidade. Mas está longe de ser certeza.
O motivo é simples: enquanto a dinâmica interna de poder do Partido Comunista chinês não mudou muito nas últimas décadas, a sociedade chinesa avançou muito além da era maoísta ou mesmo da era de Deng. Poucos chineses, aí contados os membros do partido, acreditam genuinamente em qualquer doutrina oficial. Na esfera econômica, o setor privado responde por mais de 60% da produção da China, e o PCC se tornou praticamente irrelevante no dia a dia do chinês comum.
Esse é o paradoxo do poder na era de na era de Xi. Ele é, sem dúvida, o dirigente mais poderoso que o maior governo unipartidário do mundo já teve em várias décadas. Mas sua capacidade de moldar a sociedade chinesa pode se revelar muito mais limitada do que ele, seus aliados e a maioria dos observadores externos preveem.
(Tradução de Rachel Warszawski)
Minxin Pei é professor de governo da Faculdade Claremont McKenna e autor de "China's Crony Capitalism".

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