Terça-feira, 31 de outubro de
2017 05:12
Valor Econômico | Opinião
Minxin Pei: O paradoxo do poder de Xi
No
fim do 19º Congresso Nacional do Partido Comunista Chinês (PCC), que durou seis
dias, os cerca de 2.200 delegados resolveram acrescentar "O Pensamento de
Xi Jinping sobre a Nova Era do Socialismo com Características Chinesas"
aos estatutos do PCC. Com isso, tornou-se oficial: teve início a era de Xi.
Apenas dois
dirigentes chineses anteriores, Mao tsé-Tung e Deng Xiaoping, tiveram sua
própria ideologia pessoal sacramentada na Carta do PCC. Os dois antecessores de
Xi, Jian Zemin e Hu Jintao, não tiveram seus nomes vinculados a qualquer
doutrina ideológica, menos ainda a uma doutrina alçada a um status tão elevado
no âmbito do PCC. Os dirigentes chineses estavam, evidentemente, ansiosos por
confirmar o que o mundo já sabia: a autoridade de Xi se equipara, agora, à dos
pesos mais pesados do PCC.
Além de catapultar
Xi simbolicamente ao panteão dos fundadores da República Popular, o 19º
Congresso lhe granjeou duas vitórias políticas significativas. A primeira, e
mais importante: ele se esquivou de designar um sucessor, deixando assim aberta
a possibilidade de ele próprio poder exercer um terceiro mandato como
presidente da China.
Todos os cinco
novos membros do Comitê Permanente do Politburo, o órgão decisório máximo do
PCC, estão com 60 e poucos anos de idade - velhos demais para serem preparados
para assumir o lugar de Xi dentro de cinco anos, diante da idade não oficial de
aposentadoria do partido, de 68 anos. Se um ou dois novos membros do Comitê
Permanente do Politburo, com menos de 55 anos, tivessem sido promovidos, Xi
deveria deixar o cargo em 2022, quando alcançasse o limite de dois mandatos
como presidente, como fizeram Jiang e Hu. A alternativa para Xi seria expurgar
o sucessor designado, como fizeram Mao e Deng. Nenhum dos dois cenários seria
atraente.
Sem nenhum
sucessor habilitado, no entanto, a possibilidade de que Xi cumprirá um terceiro
mandato (pelo menos), deverá modificar decisivamente os cálculos políticos
tanto de seus adeptos fiéis quando dos que ainda mantêm suas apostas
protegidas. Os fiéis vão reiterar sua lealdade agora, enquanto os que estão em
cima do muro tendem a engrossar o bloco de Xi. Quanto aos rivais de Xi, eles
devem estar totalmente desmotivados.
Poucos chineses,
inclusive membros do partido, acreditam genuinamente em qualquer doutrina
oficial. Na economia, o setor privado responde por mais de 60% do PIB e o Partido Comunista tornou-se
praticamente irrelevante no dia a dia do chinês comum
A segunda grande
vitória de Xi no 19º Congresso foi a promoção de dois aliados próximos para o
Comitê Permanente do Politburo. Seu atual chefe de Gabinete, Li Zhanshu,
assumirá o Congresso Nacional do Povo (CNP). O CNP, que nunca foi muito mais do
que um chancelador das decisões do partido, terá agora sua agenda legislativa
ditada pelo próprio Xi.
Na verdade, a
liderança de Li sobre o CNP pode acabar sendo fundamental para derrubar uma das
últimas barreiras às ambições políticas de Xi: o limite de dois mandatos para
presidentes, determinado pelos estatutos. Embora nada impeça Xi de manter um
cargo no partido, como o de secretário-geral, ele terá de fazer emendas aos
estatutos se quiser continuar sendo o chefe de Estado da China. E, com Li no
poder, essa emenda será facilmente aprovada pelo CNP.
Outro adepto fiel
de confiança, Zhao Leji, vai suceder a Wang Qishan, de 69 anos, como diretor do
órgão anticorrupção - uma posição decisiva, responsável por manter o controle
sobre o PCC. Wang supervisionou desde o início a campanha anticorrupção de Xi -
que expurgou muitos dos rivais de Xi e consolidou seu poder. Ao nomear Zhao,
Xi, na prática, deu publicidade a todos os grandes dirigentes chineses.
O triunfo de Xi no
19º Congresso alimentou, compreensivelmente, especulações generalizadas de que
seu poder agora formidável lhe possibilitará impor sua visão de governo
autoritário de linha dura, sustentado pelo nacionalismo chinês, nos próximos
anos. E essa é uma possibilidade. Mas está longe de ser certeza.
O motivo é
simples: enquanto a dinâmica interna de poder do Partido Comunista chinês não
mudou muito nas últimas décadas, a sociedade chinesa avançou muito além da era
maoísta ou mesmo da era de Deng. Poucos chineses, aí contados os membros do
partido, acreditam genuinamente em qualquer doutrina oficial. Na esfera
econômica, o setor privado responde por mais de 60% da produção da China, e o
PCC se tornou praticamente irrelevante no dia a dia do chinês comum.
Esse é o paradoxo
do poder na era de na era de Xi. Ele é, sem dúvida, o dirigente mais poderoso
que o maior governo unipartidário do mundo já teve em várias décadas. Mas sua
capacidade de moldar a sociedade chinesa pode se revelar muito mais limitada do
que ele, seus aliados e a maioria dos observadores externos preveem.
(Tradução
de Rachel Warszawski)
Minxin Pei
é professor de governo da Faculdade Claremont McKenna e autor de "China's
Crony Capitalism".
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