A DELEGAÇÃO BRASILEIRA chegou
rachada à 23ª Conferência do Clima da ONU (COP23), que começou nesta segunda
(6). No centro do cabo de guerra estabelecido entre os dois grupos de
porta-vozes brasileiros está a Amazônia e o posicionamento histórico do Brasil de
deixar suas florestas fora do mercado de carbono — espécie de “bolsa de valores
verde” que possibilita que empresas poluidoras paguem por ações de compensação
aos estragos feitos ao planeta.
De um lado, políticos dos
estados amazônicos, grandes empresas e representantes de países nórdicos querem
que os “serviços ambientais” prestados pelas florestas sejam precificados. Do
outro, ativistas sociais e o corpo técnico dos ministérios do Meio Ambiente e
de Relações Exteriores afirmam que a prática não é eficaz no combate ao
aquecimento global e vulnerabiliza o controle da terra.
O mundo inteiro pelo clima?
A conferência é uma reunião
internacional anual organizada pela ONU que busca desenhar medidas que
controlem minimamente os avanços do aquecimento global. A edição deste ano
começou com um clima de derrota. É o primeiro encontro desde que o presidente
dos Estados Unidos, Donald Trump, decidiu retirar o país do Acordo de Paris.
Firmado em 2015 e amplamente
celebrado à época por ter conseguido o compromisso inédito de reduzir emissões
de gases em todos os 195 países envolvidos, o tratado internacional é flexível.
Cada país participante determina seus próprios objetivos e estratégias para
alcançá-los. O documento de Contribuição Nacionalmente Determinada (iNDC, na
sigla em inglês) do Brasil, por exemplo, promete reduzir, até 2025, as emissões
de gases de efeito estufa em 37% em relação aos níveis de 2005.
A meta do conjunto é permitir
que a temperatura do planeta respeite o limite máximo de 2ºC de aquecimento até
2100.
A meta do conjunto é permitir
que a temperatura do planeta respeite o limite máximo de 2ºC de aquecimento até
2100. Há especialistas que pressionam por 1,5ºC, mas as estimativas atuais são
de que, se o ritmo atual for mantido, o aumento será até maior que a meta: 3ºC
pelo menos.
O relatório de abertura do
evento alertou para o cenário negativo do futuro e para os sinais do presente:
vivemos um momento recorde em desastres naturais, combinado ao aumento do nível
do mar e da concentração de carbono, principal substância entre as que provocam
o efeito estufa, na atmosfera. Ao anunciar os novos dados, o secretário-geral
da Organização Meteorológica Mundial Petteri Taalas afirmou ser “urgente” aos
países “elevar o nível de ambição se queremos cumprir seriamente os objetivos
do Acordo de Paris“.
23ª Conferência do Clima
acontece em Bonn, na Alemanha.
Dois lados da “moeda verde”
O mercado de carbono surgiu
com o Protocolo de Quioto, que foi criado em 1997 mas que só entrou em vigor em
2005, após mais da metade dos países signatários ratificar o acordo.
A regra é a seguinte: cada
tonelada de gás carbônico não emitida ou retirada da atmosfera por um país em
desenvolvimento pode ser negociada como “crédito” junto a países que poluem
mais. Essa troca é chamada de “offset”. As florestas são reconhecidos
“sumidouros” de carbono, por conta da absorção pelas árvores. Por isso, o
cálculo é de que, se o Brasil entrar nesse mercado, as florestas nacionais
podem render US$ 70 bilhões ao país em dez anos.
No entanto, a legislação
brasileira proíbe o “offset florestal”, ou seja, o uso da flora brasileira para
compensar danos ao meio ambiente causados por outros países ou por empresas.
Os ambientalistas brasileiros
se dividem sobre essa posição. Parte deles acredita que este dinheiro pode ser
bem utilizado. Outra parte acredita que a financeirização das matas não resolve
a questão climática global, afinal de contas, os gases nocivos continuam sendo
emitidos. Uma carta entregue aos ministérios do Meio Ambiente e de Relações
Exteriores, assinada por cerca de 50 entidades, explica por que o offset
florestal não pode ser considerado uma compensação:
“Apresentam uma falsa
equivalência entre o carbono proveniente dos combustíveis fósseis, que está
acumulado debaixo da terra, e aquele que é acumulado pelas florestas. A
capacidade que árvores e ecossistemas têm de remover e fixar carbono da
atmosfera é muito mais lenta que o ritmo de emissões quando se queimam
combustíveis fósseis”.
O Brasil como peça
fundamental no xadrez das florestas
Dentro da conferência do
clima, o principal assunto a ser debatido são as fontes de energia. Nesse
aspecto, o Brasil costuma ser um negociador secundário, porque a energia
proveniente das hidrelétricas é considerada renovável, apesar de causar
inúmeros danos ao meio ambiente e a comunidades tradicionais que moram nas
regiões das usinas.
Uma eventual mudança de
posição do Brasil em relação ao mercado de carbono durante a COP 23 teria
repercussão mundial
“Uma mudança na postura
brasileira pode influenciar não apenas os demais países amazônicos como também
todos os outros. Porque dentro do assunto ‘florestas’, o Brasil sai do papel de
coadjuvante e passa a ser liderança. O Brasil guarda em si o problema e a
solução: é um dos principais emissores de gases poluentes [7º colocado no mundo
e 1º na América Latina] e tem um verdadeiro sumidouro de gás carbônico, a
Amazônia.”
Governadores da região
amazônica de olho nos créditos de carbono
Do lado dos que defendem a
entrada do Brasil no mercado de carbono está o ministro do Meio Ambiente,
Sarney Filho. No início de outubro, o político do Maranhão classificou como
“serviços” as atividades florestais de absorção do carbono — algo que as
árvores fazem durante sua fotossíntese, gratuitamente — e demandou uma
recompensa financeira por isso, abrindo o caminho do discurso pró-mercado:
“Para que a floresta continue a fornecer seus serviços ambientais serão
necessários recursos estruturantes”.
O senador Jorge Viana
(PT-AC), que preside a Comissão Mista de Mudanças Climáticas do Congresso,
segue a mesma linha. Para ele, “a floresta precisa ser vista como um ativo
econômico”.
Sarney Filho Ministro do Meio
Ambiente, Sarney Filho (PMDB), durante visita a São Sebastião (SP), em 13 de
setembro de 2017. Foto: Gilberto Soares/MMA
Não à toa, parlamentares e
governadores da região amazônica são a principal força política pela liberação
do crédito de carbono. Como a floresta amazônica é responsável por boa parte do
trabalho de “filtragem do ar” do planeta — 17% do CO2 absorvido por toda
vegetação global —, a entrada nesse mercado de compensação funcionaria como uma
valiosa fonte de recursos para os estados da região.
De olho nesse potencial
orçamentário, o Fórum de Governadores da Amazônia Legal (que reúne os chefes do
Executivo de Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia,
Roraima e Tocantins) prepara uma ofensiva pesada durante a COP.
Primeiro, antes da
conferência, criaram o Consórcio Interestadual da Amazônia legal, que tem como
objetivo “intermediar financiamento internacional e atuar como interlocutor
entre os estados e investidores”. Embaixadores da Noruega e da Alemanha
estiveram presentes no lançamento, reafirmando o interesse dos dois países pelo
monitoramento da floresta Amazônica, bem como um representante do Banco
Mundial.
Já na COP 23, no dia 14 de
novembro, estão organizando na cidade alemã um “Dia da Amazônia”. O objetivo é
atrair recursos via cooperação internacional e iniciativa privada. Também
deverá ser apresentado um relatório do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas,
que debateu o uso de florestas para gerar créditos de compensação a países
poluidores.
O grupo foi criado logo após
a COP 22, realizada em Marraquexe no ano passado, como resposta do governo
brasileiro às pressões que já existiam para reconsiderar o posicionamento
anti-mercado de carbono.
Isso deu mais peso às organizações
mais endinheiradas, já que elas conseguem enviar mais representantes aos
encontros do grupo de trabalho e contabilizar, assim, mais votos.
Foram convidados
especialistas favoráveis e contrários à adoção do “offset florestal”. A
expectativa era de debate aberto e democrático. No entanto, diversos
participantes relataram a The Intercept Brasil que foram surpreendidos por
mudanças metodológicas ao longo da elaboração do relatório e reclamam da
pressão por um relatório favorável à entrada do Brasil no mercado de carbono.
Pedro Telles, especialista em
clima do Greenpeace, foi um dos participantes das reuniões. Ele lembra que o
acordo original era de “levantar propostas diversas para cada setor e
identificar consensos e dissensos”. No entanto, explica, houve uma mudança nos
rumos — feita sem diálogo, de acordo com relato de parte dos participantes —
para que fossem realizadas votações levando em conta cada pessoa presente às
reuniões, e não cada instituição por elas representadas. Isso deu mais peso às
organizações mais endinheiradas, já que elas conseguem enviar mais
representantes aos encontros do grupo de trabalho e contabilizar, assim, mais
votos.
Um texto que supostamente
seria a primeira versão do relatório final circulou pelo corpo técnico do
Ministério do Meio Ambiente e gerou desconforto por tentar mensurar o tamanho
de cada grupo (contra e a favor dos offsets florestais) a partir das votações.
Representantes de organizações não governamentais e acadêmicos especializados
em estudos amazônicos ameaçam fazer uma manifestação de repúdio.
O especialista do Greenpeace
é um dos que se preocupam com o tom que será apresentado no texto final:
“Houve críticas quanto ao
processo de tomada de decisão sobre posicionamentos do Fórum Brasileiro de
Mudanças Climáticas, adotado sem diálogo adequado. O processo acabou
favorecendo atores com mais recursos humanos e financeiros para acompanhar
reuniões decisivas, e portanto favorecendo seus interesses. Isso é
especialmente problemático quando falamos de temas polêmicos como offsets
florestais. O problema foi reportado aos responsáveis, e esperamos que o
relatório final leve essas críticas em consideração, não tendo uma escrita
tendenciosa.”
@ecologia
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