domingo, 12 de novembro de 2017

O Banco Central de Donald Trump (Kenneth Rogoff)

O GLOBO
Sábado, 11 de novembro de 2017
KENNETH ROGOFF: O Banco Central de Donald Trump

Com a nomeação de Jerome Powell como novo presidente do Federal Reserve (Fed, o Banco Central americano), Donald Trump tomou, talvez, a mais importante decisão de sua presidência. Trata-se de uma escolha sã e sóbria, que anuncia uma continuidade a curto prazo da política de Juros do Fed e, quem sabe, uma abordagem mais simples e limpa da política regulatória.
Embora Powell não seja doutor em Economia como a atual presidente, Janet Yellen, e seu antecessor, Ben Bernanke, ele aproveitou seus anos como “mero” conselheiro do Fed para aprofundar seu conhecimento dos temas centrais que enfrentará. Mas não se engane: a instituição que Powell vai liderar agora governa o sistema financeiro global. Todos os demais banqueiros centrais, ministros de Finanças e até mesmo presidentes ficam em segundo lugar.
Se isto parece um exagero, é apenas porque a maioria de nós não presta a atenção ao Fed no dia a dia. Quando o Fed acerta, a estabilidade de preços reina, o desemprego permanece baixo e a produtividade acompanha a boa onda. Porém, “acertar” nem sempre é fácil, e quando o Fed erra, os resultados podem ser terríveis.
Como é sabido, os esforços do Fed para controlar a bolha no mercado de ações no fim da década de 1920 gerou a Grande Depressão nos anos 1930 (felizmente, dos nomes que Trump considerou para o Fed, Powell é menos propenso a repetir este erro). E quando o BC americano imprimiu montanhas de dinheiro nos anos 1970 para tentar amenizar o impacto do choque do petróleo, disparou um surto inflacionário que levou mais de uma década para ser controlado.
Às vezes, o resto do mundo parece se preocupar mais com as políticas do Fed do que os americanos. Não é de se estranhar: talvez mais do que nunca, o dólar esteja no coração do sistema financeiro global. Isto se deve em parte ao fato de boa parte do comércio e finanças mundiais estar indexada ao dólar, levando muitos países a tentar imitar as políticas do Fed para estabilizar suas taxas de Câmbio.
Powell enfrentará desafios extraordinários no início de seu mandato de cinco anos. De alguma forma, os mercados de ações parecem ainda mais chamativos do que eram nos 1920. Considerandose as extraordinariamente baixas taxas de Juros de hoje, os investidores parecem ainda mais dispostos a assumir grandes riscos em busca de lucro.
Ao mesmo tempo, apesar de um forte crescimento das economias americana e global, a inflação permanece mistificadamente baixa. Isto tornou extremamente difícil para o Fed normalizar a política de taxa de Juros (ainda em apenas 1%), de modo que tenha espaço para cortá-los quando chegar a próxima recessão, o que acontecerá inevitavelmente (as probabilidades de uma recessão ocorrer em qualquer dado ano é de cerca de 17%, e isto parecer ser um bom palpite agora).
Se Powell e o Fed não normalizarem as taxas de Juros antes da próxima recessão, o que farão? Yellen insiste que não há nada com que se preocupar; o Fed tem tudo sob controle, uma vez que pode recorrer a instrumentos alternativos. Muitos economistas, porém, parecem convencidos de que muito disso é cortina de fumaça.
Por exemplo, o chamado afrouxamento monetário (quantitative easing) leva o Fed a emitir dívida de curto prazo para adquirir débito do governo de longo prazo. Mas o Departamento do Tesouro é dono do Fed, e pode perfeitamente realizar essas compras de dívida por si próprio.
Alguns defendem “dinheiro de helicóptero”, isto é, o Fed imprime dinheiro e o empresta. Mas isto, também, é cortina de fumaça. O Fed não tem nem a autoridade legal nem o mandato político para executar a política fiscal; se tentar fazê-lo, correrá o risco de perder para sempre sua independência.
Uma vez que a política monetária é a primeira e melhor linha de defesa contra a recessão, uma tarefa urgente para o novo presidente é desenvolver uma abordagem melhor. Felizmente, boas ideias existem, e apenas pode-se esperar que Powell aja rapidamente para criar um comitê para estudar correções de longo prazo.
Uma ideia é elevar a meta de inflação do Fed. Mas isto seria problemático, não apenas porque quebraria a promessa de décadas de manter a inflação em torno de 2%. Além disso, uma inflação maior induziria a uma maior indexação, minando no fim a eficácia da política monetária. Pavimentar o caminho para uma efetiva política de taxa de Juros negativa é uma solução mais radical — mas, de longe mais elegante.
Regulação de banco também faz parte do mandato do Fed. A lei de reforma financeira DoddFrank de 2010, que gerou 30 mil páginas de regras, tem sido uma bênção para advogados. Mas o alto custo de compliance foi repassado no fim para pequenos e médios negócios. Teria sido bem melhor simplesmente exigir dos bancos mais de seus recursos em mercados de ações em vez de títulos. Dessa forma, os acionistas, e não os contribuintes, receberiam o duro golpe numa crise.

Não mencionei o elefante na sala: a ameaça à independência do Fed por um presidente com um histórico de desafiar todas as normas institucionais. Quando o presidente Richard Nixon considerava concorrer à reeleição em 1972, ele pôs sob forte pressão o então presidente do Fed, Arthur Burns, para “azeitar” a economia. Nixon foi reeleito, mas a inflação disparou, e o crescimento ruiu. Ninguém deveria estar torcendo por um replay — mesmo que Nixon tenha eventualmente sofrido o impeachment.

@economia @USA  @Trump

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