A maternidade já não é mais
encarada pela mulher como um destino que se abate sobre ela quando seu corpo dá
o sinal vermelho da menstruação de que é possível engravidar. Assim como no passado meninas ficavam grávidas
dentro ou fora do casamento na mais tenra idade, desde o advento dos
anticoncepcionais o tempo da mulher para acolher em seu corpo a semente de uma
nova vida vem sendo alterado.
As mulheres devem tomar
outras providências antes de serem mães, pensa a nova geração. Terminar os
estudos, ter uma carreira, ganhar dinheiro, ter proventos suficientes para
sustentar-se com tranquilidade passam na frente cronologicamente de trazer um
filho ao mundo. E a maternidade vai
sendo adiada. Parece que o número de mulheres que engravida após 40 anos
aumenta significativamente e algumas celebridades – como Ivete Sangalo –
grávida de gêmeas aos 45 anos – confirma essa tendência.
É inegável que o feminismo
foi uma revolução altamente positiva para as mulheres. Levantar a questão sobre a subordinação da
qual a mulher é vítima em uma sociedade patriarcal, conscientizá-la sobre os
papéis que lhe foram atribuídos secularmente e estimulá-la a lutar por seus
direitos foram avanços inegavelmente valiosos.
E mesmo se hoje podemos tecer algumas críticas à configuração do
feminismo da “primeira onda”, com suas reivindicações radicais, sua linguagem
um tanto antimasculina e suas propostas antifamiliares e voltadas quase que
somente para o trabalho e o salário, o fato é que o mundo seria outro se não
tivesse havido a revolução feminista.
E, no entanto, apesar de tudo
o que de positivo essa escola de pensamento trouxe para a sociedade de hoje, o
mesmo feminismo, ao reler-se, descobre alguns pontos críticos no sistema de
pensamento que criou e inclusive no impacto que teve na sociedade. Camile
Paglia, conhecida pensadora feminista, em entrevista dada no Brasil, afirmou:
“Muitas feministas de minha geração se opuseram com fervor a essa tendência de
que as mulheres voltem a dedicar-se exclusivamente ao papel de mãe, mas eu não
estou nada de acordo com essas feministas. “
E segue: “Desde o final da
década de 1960, há uma depreciação de quem quer ser mãe e mulher. Para mim, o feminismo é a luta por
oportunidades iguais para as mulheres.
Ou seja, remover qualquer obstáculo que perturbe o avanço na educação
superior e no mercado de trabalho. O
feminismo deveria estimular escolhas e ser aberto a decisões individuais. As feministas estavam erradas ao exaltar a
mulher profissional como mais importante que a mulher mãe e esposa. Uma geração inteira de profissionais
americanas adiou a maternidade e quando finalmente decidiu engravidar, não pôde
encontrar companheiro ou teve problemas de fertilidade. ”
Na verdade, a conhecida
pensadora feminista afirma que faltou honestidade ao feminismo com respeito à
realidade biológica que as mulheres devem enfrentar se querem unir maternidade
a ambições profissionais. Neste caso, a
natureza entra em conflito com o idealismo moderno da igualdade sexual. As feministas asseguraram às mulheres que
haveria tempo suficiente para ter filhos mais tarde, com 40 ou mesmo 50 anos,
após a estabilidade profissional. Por um
lado, a ciência avança, a vida dura mais e há mais técnicas de fertilização e
acompanhamento pré-natal. Mas, por
outro, é conhecido o fato de que há mais riscos para a mãe e para a criança, à
medida que a idade biológica da primeira avança. A fertilidade, a energia, a
saúde não são as mesmas aos 20 e aos 40 anos.
Por isso, a infelicidade que
muitas mulheres sentem hoje resulta, em parte, da incerteza sobre quem
realmente são e o que querem ser e construir nesta sociedade materialista,
obcecada com status e dinheiro, que espera que a mulher se comporte como homem
e ainda seja capaz de amar como mulher. A dificuldade de encontrar parceiros
passa um pouco por aí, com responsabilidades de ambos os lados. Dos homens, que temem mulheres independentes,
inteligentes e não submissas. Das
mulheres, que acham que podem tudo e se afastam da fonte do verdadeiro poder
que ninguém pode tirar-lhes, que é o de dar a vida.
O despertar para essa
constatação às vezes acontece tarde. Não à toa conhecemos mais de um caso em
que a mulher parte para a produção independente, fazendo-se inseminar e
procriando sozinha com parceiro desconhecido.
Outras congelam os óvulos para
engravidar quando assim o desejarem: mais tarde, aos 40 ou 50 anos. Mas
conseguirão? Será a mesma coisa ter um filho assim e não no contexto de uma
relação amorosa? Qual será o perfil das crianças nascidas da maternidade
adiada?
Ainda não temos distância
histórica para avaliar com precisão. No entanto, a avaliação sobre o feminismo
hoje, embora muito positiva em certos aspectos, não pode deixar de reconhecer
honestamente que há uma dimensão extremamente
narcisista que se mostra com mais evidência.
Adiar a maternidade pode ser
uma opção. Porém, arriscada. Pode desembocar em uma realização feliz, mas
também em enorme frustração. Em todo
caso, essa sociedade de maternidades tardias produzirá famílias mais reduzidas,
onde a presença de várias crianças, irmãos e irmãs, não mais será a
maioria. Uma geração de filhos únicos
parece apresentar-se em horizonte não muito distante. Haverá que saber se será mais feliz do que a
nossa ou do que a de nossos filhos.
* Maria Clara Lucchetti Bingemer
é professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio, teóloga e autoria de
'Testemunho: profecia, política e sabedoria', Editora PUC-Rio e 'Reflexão
Editorial'.
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