“Concertação” reúne 100 líderes para “salvar ” a Amazônia
Ambiente Aliança entre empresários e pesquisadores busca meios de desenvolver região sem derrubar floresta
quarta-feira, 26 de agosto de 2020
Valor Econômico / Especial
Daniela Chiaretti
Uma ampla aliança pela Amazônia está se formando entre donos e executivos de grandes empresas e bancos, pesquisadores, militares, economistas, políticos e ambientalistas. Batizada de Uma Concertação pela Amazônia, a iniciativa já reúne mais de 100 nomes interessados em entender a região, discutir como desenvolver seu potencial sem derrubar a floresta e melhorar a qualidade de vida da população. A intenção é construir pontes com o resto do país. Trata-se de mais um esforço do setor privado, da Academia e da sociedade civil de se organizar e debater diferentes visões para a Amazônia no vácuo deixado pelo poder público.
A iniciativa não é institucional e ainda não é propriamente um movimento, mas ganha força a cada reunião. Foi motivada por Guilherme Leal, sócio e co-fundador da Natura, uma das empresas pioneiras em negócios a partir da biodiversidade da floresta. Leal, que nasceu em Santos mas é filho de pai paraense, foi maturando a ideia antes ainda das queimadas de 2019, que produziram enorme reação mundial. “Não sei exatamente o que a motivou, talvez a radicalização das posições, mas aflorou claramente uma percepção de que existia um risco importante crescendo em relação à conservação da Amazônia”, diz.
Em fevereiro, alguns dos maiores empresários do país se reuniram em um almoço, em sua casa.
Ali se encontraram o presidente do Itaú Unibanco Cândido Bracher e a esposa Teresa Bracher, o sócio e presidente da Fundação SOS Mata Atlântica Pedro Passos, Roberto Klabin e outros. Amigos envolvidos com esta discussão e esforço também foram procurados, como José Roberto Marinho, presidente do Instituto Humanize. Iniciou-se a partir daí uma série de aproximações de lideranças e formadores de opinião que estão criando uma visão sobre o papel da Amazônia no mundo e no Brasil.
Há consenso de que a discussão sobre a Amazônia deve ter mais densidade na sociedade brasileira, que é preciso debater modelos de desenvolvimento para a região e que é necessário colocar o mundo empresarial a bordo.
“Eu não gosto de reinventar a roda e também não acredito que as grandes transformações e os desafios mais relevantes são enfrentados de maneira isolada”, diz Leal.
“Queria entender as muitas entradas, quem são os stakeholders relevantes neste cenário, quem pode implementar uma visão que una mais conservação e produção.”
Leal pediu ao seu time que mapeasse as iniciativas já existentes e que vem ganhando força nos últimos meses. São muitas e variadas.
Há o movimento dos CEOs que assinaram carta endereçada ao vicepresidente Hamilton Mourão, que conduz o Conselho Nacional da Amazônia Legal, redes de pesquisadores reconhecidos que estudam a floresta, as recomendações de ex-ministros da Fazenda e expresidentes do Banco Central, o consórcio de governadores da Amazônia, as manifestações de líderes religiosos, as iniciativas de fundações de filantropia.
Se todas as iniciativas ficassem abaixo de um grande guarda-chuva, o resultado seria uma espécie de Frente Ampla pela Amazônia. Leal não usa este nome, diz que o que há, por enquanto, é apenas uma conversa entre esta miríade de grupos e pessoas interessadas na região amazônica. Não é sequer um movimento, embora tenha este potencial. Fundador do Instituto Arapyaú, ele se refere à iniciativa conjugando verbos no plural.
“Não é minha, não tem dono”.
Candido Bracher havia voltado de Davos impressionado pela preocupação do mercado e das lideranças globais com a emergência climática. O banqueiro começou a ter mais proximidade com a temática ambiental através dos projetos de conservação no Pantanal conduzidos há 15 anos pela esposa Teresa Bracher. “Tenho a impressão que neste esforço temos que aliar forças e construir consensos sobre a forma de preservar.”
“Costumo dizer que precisamos transformar a Amazônia em uma questão de Estado, não de govern o”. Ele faz um paralelo entre o desafio colocado pela contenção do desmatamento da Amazônia e o controle da inflação, no passado.
“Aquilo era um flagelo e hoje não precisamos mais falar disso”, diz.
“Sonho com o dia em que nenhum candidato à presidência terá que dizer que irá reduzir o desmatamento na Amazônia ou criar mecanismos de comando e controle.”
Encontrar maneiras de ajudar os brasileiros mergulhados no drama da pandemia aproximou Bracher dos CEOs dos outros dois grandes bancos privados do país, Bradesco e Santander. Os três lançaram há um mês um plano para promover o desenvolvimento sustentável na Amazônia. O presidente do Itaú Unibanco é claro: “Precisamos inverter este círculo vicioso onde estamos. A impressão que passa para o mundo é de descaso.
Deste jeito, ninguém se anima a ajudar. Não se tem credibilidade se não conseguirmos reverter isso”.
José Roberto Marinho, presidente do Instituto Humanize, apoia e integra a movimentação em defesa da Amazônia olhando para as vocações locais e os ativos da sociobiodiversidade. “Investimos na região há mais de dez anos e reconhecemos que a construção da solução só poderá ser alcançada por um coletivo de organizações de múltiplas naturezas como o da Concertação pela Amazônia iniciada pelo Guilherme Leal via Instituto Arapyaú”.
“Acho que há um problema generalizado na abordagem da Amazônia, que é focar mais na questão ambiental”, diz Denis Benchimol Minev, diretor presidente da Bemol, uma rede de 24 lojas de departamento nos Estados da Amazônia Ocidental com 3.200 funcionários e sede em Manaus. Minev comanda um dos maiores negócios da região — a Bemol é o maior contribuinte de ICMS do Estado do Amazonas. “O desmatamento é o efeito colateral de um sistema muito ruim, que atrai maus empresários e expurga os bons”, diz.
Na visão de Minev, no curto prazo, a ação do Exército funciona para conter o desmatamento. “Mas isso é enxugar gelo. Melhora este ano, mas volta tudo no ano que vem. Para resolver, de verdade, é preciso criar uma economia próspera na região, na qual a floresta vale mais em pé do que derrubada.
É um bordão bonito, que todo mundo defende, mas não é verdade”. Minev, que foi secretário de Planejamento e Desenvolvimento Econômico do Amazonas e estudou economia em Stanford, esclarece: “Para quem vive no interior da Amazônia, a floresta não vale mais em pé do que no chão”.
Ele se diz que a região não está preparada para “jogar o jogo dador da Gávea Investimentos e ex-presidente do Banco Central. “Este é um assunto urgente.bioeconomia, que é um jogo de cérebros, e não apenas de recursos naturais”. Minev justifica com o orçamento anual do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, o INPA — R$ 50 milhões — e o da Universidade de Stanford — US$ 7 bilhões. “É 700 vezes maior”.
Com ele concorda o general Carlos Alberto dos Santos Cruz, que comandou a missão de paz no Haiti e também a missão de estabilização da ONU na República Democrática do Congo, e que participa da Concertação — o Exército é a instituição mais presente na Amazônia. “A Amazônia é assunto de atenção mundial”, diz, reforçando a dimensão da região. “Só o Estado do Pará dá três vezes a Alemanha, duas vezes a França. Estamos falando de uma área de dimensão enorme. E temos o que lá? Talvez 500 fiscais do Ibama? Isso não é nada”.
Santos Cruz sugere que o modelo de fiscalização adotado siga o sistema federativo. “Quem sabe o que acontece lá na cidadezinha é a Prefeitura. Tem que se levar em consideração isso, com tarefas da União junto com os órgãos estaduais e municipais”. Ele recomenda, por exemplo, que os Estados da Amazônia tenham uma Polícia Florestal especializada. “A estrutura tem que ser funcional.”
“Acho interessante a iniciativa na medida em que pode contribuir com ideias”, diz o general, ex-secretário de governo nos primeiros seis meses da presidência de Jair Bolsonaro. “O governo tem que estar aberto a ideias e abrir a discussão. Há vários grupos interessados em discutir a Amazônia. Tem que se aproveitar esta massa crítica”, observa.
“Vivemos um boom de interesse pela Amazônia, que identifico a partir do ano passado, com a chegada da nuvem negra naquela tarde de agosto de São Paulo”, diz a empresária e ambientalista Bia Saldanha, que vive no Acre há 12 anos. “Vivíamos esta situação sempre, com as queimadas, mas foi impactante quando o centro econômico da América do Sul sentiu isso fortemente”.
“As iniciativas que procuram discutir o desenvolvimento da região devem entender que Amazônia e Brasil não são coisas separadas”, recomenda Tatiana Schor, secretária-executiva de Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado do Amazonas. “O que acontece é que há muita gente de fora da região, pensando a região, e a Amazônia não é para amadores. A tendência é as pessoas terem expectativas que não se realizam no chão”.
“Há muitas iniciativas sobre a Amazônia, muitas redes de conversa. A Concertação não é única nem quer ser”, diz Ana Toni, diretora executiva do Instituto Clima e Sociedade (iCS). Ela traduz esta efervescência: “É quase como se a sociedade brasileira estivesse absorvendo um pacto de ‘vamos pensar a Amazônia juntos’”. Ana observa duas vertentes importantes neste movimento. “Uma, logicamente, é que o Brasil está falando sobre a Amazônia. Temos que dar visibilidade e fortalecer as vozes da Amazônia”, registra.
O segundo ponto é uma pergunta: “Quem pauta a Amazônia, politicamente? Infelizmente, nenhum outro político havia feito isso até a eleição de 2018. O único que trouxe a Amazônia para a pauta, infelizmente, foi Jair Bolsonaro”. Para Ana, é preciso que futuros candidatos às Prefeituras, governos estaduais e à Presidência coloquem suas visões sobre desenvolvimento e proteção da floresta. “Tem que estar na pauta eleitoral, para que possamos cobrar depois”.
“O Brasil está acordando. A postura das lideranças empresariais nesta área é um sinal claro de que há uma mudança”, diz o economista Arminio Fraga, sócio-fundador da Gávea Investimentos e ex-presidente do Banco Central. “Este é um assunto urgente. O Brasil já passou o limite de risco de desmatamento. Temos que ter soluções pragmáticas que permitam reflorestamento”, diz ele. Fraga diz que “desmatamento zero, não é suficiente, na minha leitura”
Marina Grossi, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds), entidade que reúne 60 das maiores companhias no Brasil, define a Concertação como “um hub de diversas iniciativas sobre a Amazônia”. Ela diz que uma característica interessante da iniciativa é que ela “faz pontes entre o que já existe e o que pode existir, com várias e diversas sinapses”.
Para Marcello Brito, presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), o que há de mais interessante na iniciativa “é estar olhando para a Amazônia como um todo”. Brito e Marina foram articuladores do Movimento dos CEOs. “Para fazer o desenvolvimento da Amazônia tem que olhar para todos os setores inseridos no processo — mineração, agro, serviços. Todos esses acabam tendo influência nos aspectos positivos ou negativos da Amazônia.”
Brito, que viveu muitos anos na região, acredita que também é preciso lembrar que, “na Amazônia, entre o legal e o ilegal há o informal. Que não é legal por falta de estrutura para se legalizar”.
“Acho que falta ao Brasil, de fato, um projeto para a Amazônia”, diz Wilson Brumer, do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) e que presidiu a Vale entre 1990 e 1992, quando a empresa era estatal. “Reflorestar áreas degradadas não pode ser uma forma de geração de renda e desenvolvimento?”, questiona.
O mosaico de personalidades que vem se juntando à iniciativa é amplo e diverso. Estão lá ex-ministros de Meio Ambiente como Izabella Teixeira e José Carlos Carvalho, o ex-secretário executivo do Ministério do Meio Ambiente Francisco Gaetani, o ex-governador do Pará Simão Jatene, o ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy, o economista Juliano Assunção, da PUC/RJ, cientistas como Carlos Nobre e Raoni Rajão, pesquisadores como Adalberto Veríssimo (Imazon), Tasso Azevedo (MapBiomas) e André Guimarães (Ipam), representants de organizações socioambientais como Rachel Biederman (WRI Brasil), Mauricio Voivodic (WWF) e Ilona Szabo (Igarapé). Empresários como Marcos Molina (Marfrig), Pedro Paulo Diniz, executivos como Márcio Nappo (JBS) e Philippe Prufer (ex presidente da Eli Lilly), além de, Fernando Fleck (Fundação Moore), Johannes van de Ven (Good Energies) e muitos outros.
“Para avançarmos com desenvolvimento sustentável baseado em baixas emissões, economia verde com floresta em pé, redução efetiva do desmatamento e ordenamento territorial é preciso uma orquestração de várias esferas da sociedade”, diz Cira Moura, secretária-executiva do consórcio de governadores da Amazônia. “Para superar os desafios é preciso várias mãos, vários atores”, continua. Mas ela alerta: “Eu queria destacar que todos conhecemos os desafios, que já estão claramente identificados.
Temos que partir para uma ação efetiva, que gere entregas efetivas para a sociedade”.
Já ocorreram três reuniões da Concertação, que a cada edição reúne mais gente. “Partimos de discussões fundamentais. Como o que é desenvolvimento para a Amazônia”, diz o biólogo Roberto Waack, fellow da Chatam House e membro do conselho da Arapyaú.
“Infelizmente, há muito tempo não discutimos mais modelos de desenvolvimento. Entra e sai governo e isso não surge.”
A discussão em torno do desenvolvimento da Amazônia é um dos pilares da Concertação. “Outro é a necessidade de envolvimento do mainstream econômico”, segue Waack. Outro vértice é como melhorar a governança na Amazônia e aprimorar o ambiente institucional. “E não é possível discutir nada sem a visão de quem mora ali”, continua ele. “Todo o debate em torno da Amazônia é fragmentado. Tem a visão dos povos indígenas, dos ambientalistas, dos militares. A Concertação procura estabelecer estas sinapses”, explica.
Novos e detalhados estudos e análises vêm sendo apresentados a cada reunião, explica Renata Piazzon, gerente de mudança climática da Arapyaú. Há vários eixos de debate e estudos, da ciência a indicadores de saneamento, da análise de todos os planos que foram feitos para a região às expressões culturais. “Queremos ter uma síntese, uma compreensão mínima da realidade amazônica”, diz ela.
Na segunda-feira, durante a terceira reunião da Concertação, o arqueólogo Eduardo Neves, do Museu de Arqueologia da Universidade de São Paulo, trouxe parte de suas pesquisas sobre a biodiversidade da Amazônia. “É uma floresta natural, mas não só”.
Neves explicou que a estimativa é que existam 390 bilhões de árvores na Amazônia de 16 mil espécies. Mas 227 delas são dominantes, como o açaí do mato, seringueiras, cupuaçu. “Algumas plantas vem sendo consumidas há milhares de anos. Os povos indígenas foram construindo esta agrobiodiversidade”.
Guilherme Leal diz que o espírito da Concertação é de amplitude.
“Por enquanto é uma conversa entre pessoas preocupadas e interessadas. De ideias retrógradas ou avançadas, não interessa, temos que lidar com todas”, explica. “Tem que ter a visão das comunidades quilombolas, dos ribeirinhos, dos povos indígenas, mas não apenas.
Tem este lado, mas tem o da Zona Franca de Manaus e por aí vai”, resume. “É a tentativa de promover um grande diálogo para construir caminhos de futuro de desenvolvimento para o Brasil, não apenas para a Amazônia. Que conciliem a potência ambiental com a agrícola. É uma visão multifacetada, pela dimensão amazônica.”
A Concertação vem conversando com setores governamentais, mas sem subordinação. “O que tem é um diálogo com governos e o reconhecimento de que o Estado tem um papel fundamental, principalmente na Amazônia”, diz.
Leal conversou com o vice-presidente Hamilton Mourão, que comanda o Conselho da Amazônia Legal, antes da Concertação ter até nome. Há poucos dias, o general Mourão disse acreditar que o setor privado será protagonista do desenvolvimento sustentável na Amazônia. “Dizer que será ‘o’ protagonista é um pouco reducionista. Mas concordo plenamente e este é um dos princípios da Concertação. É preciso embarcar o business grande, o pequeno, o médio.
Os negócios têm que estar envolvidos com a construção de uma Amazônia diferente. O business tem que ser mais atraído e é isso que estamos tentando estimular”. Leal, contudo, diz que o Estado tem que estar presente, na construção de políticas públicas “mais saudáveis. Continua: “Assim como temos que ampliar a presença da Academia, com muitos centros de geração de conhecimento.”
Aflorou uma percepção de que existia um risco importante crescendo em relação à conservação da Amazônia” Guilherme Leal, sócio da Natura e fundador do Instituto Arapyaú
A construção da solução só poderá ser alcançada por um coletivo de organizações de múltiplas naturezas ” José Roberto Marinho (Grupo Globo), presidente do Instituto Humanize
É quase como se a sociedade brasileira estivesse absorvendo um pacto: ‘Vamos pensar juntos a Amazônia’ Ana Toni, diretora-executiva do Instituto Clima e Sociedade
Ambiente Aliança entre empresários e pesquisadores busca meios de desenvolver região sem derrubar floresta
quarta-feira, 26 de agosto de 2020
Valor Econômico / Especial
Daniela Chiaretti
Uma ampla aliança pela Amazônia está se formando entre donos e executivos de grandes empresas e bancos, pesquisadores, militares, economistas, políticos e ambientalistas. Batizada de Uma Concertação pela Amazônia, a iniciativa já reúne mais de 100 nomes interessados em entender a região, discutir como desenvolver seu potencial sem derrubar a floresta e melhorar a qualidade de vida da população. A intenção é construir pontes com o resto do país. Trata-se de mais um esforço do setor privado, da Academia e da sociedade civil de se organizar e debater diferentes visões para a Amazônia no vácuo deixado pelo poder público.
A iniciativa não é institucional e ainda não é propriamente um movimento, mas ganha força a cada reunião. Foi motivada por Guilherme Leal, sócio e co-fundador da Natura, uma das empresas pioneiras em negócios a partir da biodiversidade da floresta. Leal, que nasceu em Santos mas é filho de pai paraense, foi maturando a ideia antes ainda das queimadas de 2019, que produziram enorme reação mundial. “Não sei exatamente o que a motivou, talvez a radicalização das posições, mas aflorou claramente uma percepção de que existia um risco importante crescendo em relação à conservação da Amazônia”, diz.
Em fevereiro, alguns dos maiores empresários do país se reuniram em um almoço, em sua casa.
Ali se encontraram o presidente do Itaú Unibanco Cândido Bracher e a esposa Teresa Bracher, o sócio e presidente da Fundação SOS Mata Atlântica Pedro Passos, Roberto Klabin e outros. Amigos envolvidos com esta discussão e esforço também foram procurados, como José Roberto Marinho, presidente do Instituto Humanize. Iniciou-se a partir daí uma série de aproximações de lideranças e formadores de opinião que estão criando uma visão sobre o papel da Amazônia no mundo e no Brasil.
Há consenso de que a discussão sobre a Amazônia deve ter mais densidade na sociedade brasileira, que é preciso debater modelos de desenvolvimento para a região e que é necessário colocar o mundo empresarial a bordo.
“Eu não gosto de reinventar a roda e também não acredito que as grandes transformações e os desafios mais relevantes são enfrentados de maneira isolada”, diz Leal.
“Queria entender as muitas entradas, quem são os stakeholders relevantes neste cenário, quem pode implementar uma visão que una mais conservação e produção.”
Leal pediu ao seu time que mapeasse as iniciativas já existentes e que vem ganhando força nos últimos meses. São muitas e variadas.
Há o movimento dos CEOs que assinaram carta endereçada ao vicepresidente Hamilton Mourão, que conduz o Conselho Nacional da Amazônia Legal, redes de pesquisadores reconhecidos que estudam a floresta, as recomendações de ex-ministros da Fazenda e expresidentes do Banco Central, o consórcio de governadores da Amazônia, as manifestações de líderes religiosos, as iniciativas de fundações de filantropia.
Se todas as iniciativas ficassem abaixo de um grande guarda-chuva, o resultado seria uma espécie de Frente Ampla pela Amazônia. Leal não usa este nome, diz que o que há, por enquanto, é apenas uma conversa entre esta miríade de grupos e pessoas interessadas na região amazônica. Não é sequer um movimento, embora tenha este potencial. Fundador do Instituto Arapyaú, ele se refere à iniciativa conjugando verbos no plural.
“Não é minha, não tem dono”.
Candido Bracher havia voltado de Davos impressionado pela preocupação do mercado e das lideranças globais com a emergência climática. O banqueiro começou a ter mais proximidade com a temática ambiental através dos projetos de conservação no Pantanal conduzidos há 15 anos pela esposa Teresa Bracher. “Tenho a impressão que neste esforço temos que aliar forças e construir consensos sobre a forma de preservar.”
“Costumo dizer que precisamos transformar a Amazônia em uma questão de Estado, não de govern o”. Ele faz um paralelo entre o desafio colocado pela contenção do desmatamento da Amazônia e o controle da inflação, no passado.
“Aquilo era um flagelo e hoje não precisamos mais falar disso”, diz.
“Sonho com o dia em que nenhum candidato à presidência terá que dizer que irá reduzir o desmatamento na Amazônia ou criar mecanismos de comando e controle.”
Encontrar maneiras de ajudar os brasileiros mergulhados no drama da pandemia aproximou Bracher dos CEOs dos outros dois grandes bancos privados do país, Bradesco e Santander. Os três lançaram há um mês um plano para promover o desenvolvimento sustentável na Amazônia. O presidente do Itaú Unibanco é claro: “Precisamos inverter este círculo vicioso onde estamos. A impressão que passa para o mundo é de descaso.
Deste jeito, ninguém se anima a ajudar. Não se tem credibilidade se não conseguirmos reverter isso”.
José Roberto Marinho, presidente do Instituto Humanize, apoia e integra a movimentação em defesa da Amazônia olhando para as vocações locais e os ativos da sociobiodiversidade. “Investimos na região há mais de dez anos e reconhecemos que a construção da solução só poderá ser alcançada por um coletivo de organizações de múltiplas naturezas como o da Concertação pela Amazônia iniciada pelo Guilherme Leal via Instituto Arapyaú”.
“Acho que há um problema generalizado na abordagem da Amazônia, que é focar mais na questão ambiental”, diz Denis Benchimol Minev, diretor presidente da Bemol, uma rede de 24 lojas de departamento nos Estados da Amazônia Ocidental com 3.200 funcionários e sede em Manaus. Minev comanda um dos maiores negócios da região — a Bemol é o maior contribuinte de ICMS do Estado do Amazonas. “O desmatamento é o efeito colateral de um sistema muito ruim, que atrai maus empresários e expurga os bons”, diz.
Na visão de Minev, no curto prazo, a ação do Exército funciona para conter o desmatamento. “Mas isso é enxugar gelo. Melhora este ano, mas volta tudo no ano que vem. Para resolver, de verdade, é preciso criar uma economia próspera na região, na qual a floresta vale mais em pé do que derrubada.
É um bordão bonito, que todo mundo defende, mas não é verdade”. Minev, que foi secretário de Planejamento e Desenvolvimento Econômico do Amazonas e estudou economia em Stanford, esclarece: “Para quem vive no interior da Amazônia, a floresta não vale mais em pé do que no chão”.
Ele se diz que a região não está preparada para “jogar o jogo dador da Gávea Investimentos e ex-presidente do Banco Central. “Este é um assunto urgente.bioeconomia, que é um jogo de cérebros, e não apenas de recursos naturais”. Minev justifica com o orçamento anual do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, o INPA — R$ 50 milhões — e o da Universidade de Stanford — US$ 7 bilhões. “É 700 vezes maior”.
Com ele concorda o general Carlos Alberto dos Santos Cruz, que comandou a missão de paz no Haiti e também a missão de estabilização da ONU na República Democrática do Congo, e que participa da Concertação — o Exército é a instituição mais presente na Amazônia. “A Amazônia é assunto de atenção mundial”, diz, reforçando a dimensão da região. “Só o Estado do Pará dá três vezes a Alemanha, duas vezes a França. Estamos falando de uma área de dimensão enorme. E temos o que lá? Talvez 500 fiscais do Ibama? Isso não é nada”.
Santos Cruz sugere que o modelo de fiscalização adotado siga o sistema federativo. “Quem sabe o que acontece lá na cidadezinha é a Prefeitura. Tem que se levar em consideração isso, com tarefas da União junto com os órgãos estaduais e municipais”. Ele recomenda, por exemplo, que os Estados da Amazônia tenham uma Polícia Florestal especializada. “A estrutura tem que ser funcional.”
“Acho interessante a iniciativa na medida em que pode contribuir com ideias”, diz o general, ex-secretário de governo nos primeiros seis meses da presidência de Jair Bolsonaro. “O governo tem que estar aberto a ideias e abrir a discussão. Há vários grupos interessados em discutir a Amazônia. Tem que se aproveitar esta massa crítica”, observa.
“Vivemos um boom de interesse pela Amazônia, que identifico a partir do ano passado, com a chegada da nuvem negra naquela tarde de agosto de São Paulo”, diz a empresária e ambientalista Bia Saldanha, que vive no Acre há 12 anos. “Vivíamos esta situação sempre, com as queimadas, mas foi impactante quando o centro econômico da América do Sul sentiu isso fortemente”.
“As iniciativas que procuram discutir o desenvolvimento da região devem entender que Amazônia e Brasil não são coisas separadas”, recomenda Tatiana Schor, secretária-executiva de Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado do Amazonas. “O que acontece é que há muita gente de fora da região, pensando a região, e a Amazônia não é para amadores. A tendência é as pessoas terem expectativas que não se realizam no chão”.
“Há muitas iniciativas sobre a Amazônia, muitas redes de conversa. A Concertação não é única nem quer ser”, diz Ana Toni, diretora executiva do Instituto Clima e Sociedade (iCS). Ela traduz esta efervescência: “É quase como se a sociedade brasileira estivesse absorvendo um pacto de ‘vamos pensar a Amazônia juntos’”. Ana observa duas vertentes importantes neste movimento. “Uma, logicamente, é que o Brasil está falando sobre a Amazônia. Temos que dar visibilidade e fortalecer as vozes da Amazônia”, registra.
O segundo ponto é uma pergunta: “Quem pauta a Amazônia, politicamente? Infelizmente, nenhum outro político havia feito isso até a eleição de 2018. O único que trouxe a Amazônia para a pauta, infelizmente, foi Jair Bolsonaro”. Para Ana, é preciso que futuros candidatos às Prefeituras, governos estaduais e à Presidência coloquem suas visões sobre desenvolvimento e proteção da floresta. “Tem que estar na pauta eleitoral, para que possamos cobrar depois”.
“O Brasil está acordando. A postura das lideranças empresariais nesta área é um sinal claro de que há uma mudança”, diz o economista Arminio Fraga, sócio-fundador da Gávea Investimentos e ex-presidente do Banco Central. “Este é um assunto urgente. O Brasil já passou o limite de risco de desmatamento. Temos que ter soluções pragmáticas que permitam reflorestamento”, diz ele. Fraga diz que “desmatamento zero, não é suficiente, na minha leitura”
Marina Grossi, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds), entidade que reúne 60 das maiores companhias no Brasil, define a Concertação como “um hub de diversas iniciativas sobre a Amazônia”. Ela diz que uma característica interessante da iniciativa é que ela “faz pontes entre o que já existe e o que pode existir, com várias e diversas sinapses”.
Para Marcello Brito, presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), o que há de mais interessante na iniciativa “é estar olhando para a Amazônia como um todo”. Brito e Marina foram articuladores do Movimento dos CEOs. “Para fazer o desenvolvimento da Amazônia tem que olhar para todos os setores inseridos no processo — mineração, agro, serviços. Todos esses acabam tendo influência nos aspectos positivos ou negativos da Amazônia.”
Brito, que viveu muitos anos na região, acredita que também é preciso lembrar que, “na Amazônia, entre o legal e o ilegal há o informal. Que não é legal por falta de estrutura para se legalizar”.
“Acho que falta ao Brasil, de fato, um projeto para a Amazônia”, diz Wilson Brumer, do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) e que presidiu a Vale entre 1990 e 1992, quando a empresa era estatal. “Reflorestar áreas degradadas não pode ser uma forma de geração de renda e desenvolvimento?”, questiona.
O mosaico de personalidades que vem se juntando à iniciativa é amplo e diverso. Estão lá ex-ministros de Meio Ambiente como Izabella Teixeira e José Carlos Carvalho, o ex-secretário executivo do Ministério do Meio Ambiente Francisco Gaetani, o ex-governador do Pará Simão Jatene, o ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy, o economista Juliano Assunção, da PUC/RJ, cientistas como Carlos Nobre e Raoni Rajão, pesquisadores como Adalberto Veríssimo (Imazon), Tasso Azevedo (MapBiomas) e André Guimarães (Ipam), representants de organizações socioambientais como Rachel Biederman (WRI Brasil), Mauricio Voivodic (WWF) e Ilona Szabo (Igarapé). Empresários como Marcos Molina (Marfrig), Pedro Paulo Diniz, executivos como Márcio Nappo (JBS) e Philippe Prufer (ex presidente da Eli Lilly), além de, Fernando Fleck (Fundação Moore), Johannes van de Ven (Good Energies) e muitos outros.
“Para avançarmos com desenvolvimento sustentável baseado em baixas emissões, economia verde com floresta em pé, redução efetiva do desmatamento e ordenamento territorial é preciso uma orquestração de várias esferas da sociedade”, diz Cira Moura, secretária-executiva do consórcio de governadores da Amazônia. “Para superar os desafios é preciso várias mãos, vários atores”, continua. Mas ela alerta: “Eu queria destacar que todos conhecemos os desafios, que já estão claramente identificados.
Temos que partir para uma ação efetiva, que gere entregas efetivas para a sociedade”.
Já ocorreram três reuniões da Concertação, que a cada edição reúne mais gente. “Partimos de discussões fundamentais. Como o que é desenvolvimento para a Amazônia”, diz o biólogo Roberto Waack, fellow da Chatam House e membro do conselho da Arapyaú.
“Infelizmente, há muito tempo não discutimos mais modelos de desenvolvimento. Entra e sai governo e isso não surge.”
A discussão em torno do desenvolvimento da Amazônia é um dos pilares da Concertação. “Outro é a necessidade de envolvimento do mainstream econômico”, segue Waack. Outro vértice é como melhorar a governança na Amazônia e aprimorar o ambiente institucional. “E não é possível discutir nada sem a visão de quem mora ali”, continua ele. “Todo o debate em torno da Amazônia é fragmentado. Tem a visão dos povos indígenas, dos ambientalistas, dos militares. A Concertação procura estabelecer estas sinapses”, explica.
Novos e detalhados estudos e análises vêm sendo apresentados a cada reunião, explica Renata Piazzon, gerente de mudança climática da Arapyaú. Há vários eixos de debate e estudos, da ciência a indicadores de saneamento, da análise de todos os planos que foram feitos para a região às expressões culturais. “Queremos ter uma síntese, uma compreensão mínima da realidade amazônica”, diz ela.
Na segunda-feira, durante a terceira reunião da Concertação, o arqueólogo Eduardo Neves, do Museu de Arqueologia da Universidade de São Paulo, trouxe parte de suas pesquisas sobre a biodiversidade da Amazônia. “É uma floresta natural, mas não só”.
Neves explicou que a estimativa é que existam 390 bilhões de árvores na Amazônia de 16 mil espécies. Mas 227 delas são dominantes, como o açaí do mato, seringueiras, cupuaçu. “Algumas plantas vem sendo consumidas há milhares de anos. Os povos indígenas foram construindo esta agrobiodiversidade”.
Guilherme Leal diz que o espírito da Concertação é de amplitude.
“Por enquanto é uma conversa entre pessoas preocupadas e interessadas. De ideias retrógradas ou avançadas, não interessa, temos que lidar com todas”, explica. “Tem que ter a visão das comunidades quilombolas, dos ribeirinhos, dos povos indígenas, mas não apenas.
Tem este lado, mas tem o da Zona Franca de Manaus e por aí vai”, resume. “É a tentativa de promover um grande diálogo para construir caminhos de futuro de desenvolvimento para o Brasil, não apenas para a Amazônia. Que conciliem a potência ambiental com a agrícola. É uma visão multifacetada, pela dimensão amazônica.”
A Concertação vem conversando com setores governamentais, mas sem subordinação. “O que tem é um diálogo com governos e o reconhecimento de que o Estado tem um papel fundamental, principalmente na Amazônia”, diz.
Leal conversou com o vice-presidente Hamilton Mourão, que comanda o Conselho da Amazônia Legal, antes da Concertação ter até nome. Há poucos dias, o general Mourão disse acreditar que o setor privado será protagonista do desenvolvimento sustentável na Amazônia. “Dizer que será ‘o’ protagonista é um pouco reducionista. Mas concordo plenamente e este é um dos princípios da Concertação. É preciso embarcar o business grande, o pequeno, o médio.
Os negócios têm que estar envolvidos com a construção de uma Amazônia diferente. O business tem que ser mais atraído e é isso que estamos tentando estimular”. Leal, contudo, diz que o Estado tem que estar presente, na construção de políticas públicas “mais saudáveis. Continua: “Assim como temos que ampliar a presença da Academia, com muitos centros de geração de conhecimento.”
Aflorou uma percepção de que existia um risco importante crescendo em relação à conservação da Amazônia” Guilherme Leal, sócio da Natura e fundador do Instituto Arapyaú
A construção da solução só poderá ser alcançada por um coletivo de organizações de múltiplas naturezas ” José Roberto Marinho (Grupo Globo), presidente do Instituto Humanize
É quase como se a sociedade brasileira estivesse absorvendo um pacto: ‘Vamos pensar juntos a Amazônia’ Ana Toni, diretora-executiva do Instituto Clima e Sociedade
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