segunda-feira, 10 de agosto de 2020

Encaramos a crise como se fosse um apocalipse zumbi(Valor, 10 8 2020)


Encaramos a crise como se fosse um apocalipse zumbi

segunda-feira, 10 de agosto de 2020 

  
Valor Econômico  / Empresas

Andrew Hill

“Competição por recursos, sequestros com pedido de resgate, canibalismo, mortes por vingança e guerras abertas”: a pandemia tem provocado comportamentos chocantes, mas, pelo menos até agora, resistimos à tentação de devorar uns aos outros.

Enquanto os líderes mundiais se preparam para uma possível segunda onda de infecções do coronavírus, seria bom estudar as dinâmicas de grupo disfuncionais, sugere Markus Hällgren, da Universidade Umea, ainda que seja só como forma de preparar-se contra casos futuros de desordem.

Muito já se escreveu sobre empregos “zumbi” e empresas “zumbi”. Hällgren e o coautor David Buchanan, da Universidade Cranfield, no entanto, decidiram examinar como reagiríamos aos próprios zumbis. “Um apocalipse zumbi [...] é um bom sinalizador de como seria o ‘lado sombrio’ comportamental em outros cenários extremos e catastróficos”, escreveram em recente estudo para a revista científica “Academy of Management Perspectives”.O artigo estuda como sobreviventes lidariam com um cenário fictício de fim dos tempos como o da série de TV “The Walking Dead”. Em suma, lidariam mal: daí a lista no início do texto, de eventos sangrentos e desagradáveis, nos quais a desconfiança e a rivalidade correm soltas após o surgimento de um misterioso vírus que transforma humanos em zumbis.

É um tópico excêntrico para o mundo acadêmico. Mas a ficção — particularmente, a científica— tem pedigree no encorajamento a ideias novas na vida real. Imaginar o inimaginável é parte do processo de planejar cenários, que muitas empresas aceleraram para traçar um caminho em meio as incertezas do pós-pandemia.

Andrew Liptak, escrevendo para a página OneZero, do Medium, sobre como as Forças Armadas estão contratando consultores de ficção científica para especular sobre o futuro das guerras, cita um exemplo do romance “The Battle of Dorking” (a batalha de Dorking, em inglês), escrito por um coronel do Exército britânico em 1871, alertando para os avanços da Alemanha nas batalhas. “A ficção científica é um dispositivo ideal de enquadramento para estrategistas militares — não apenas como forma de antever possíveis futuros, mas também como método de entrega de informação”, escreve Liptak.

Os mortos-vivos também têm uma tendência a aparecer a em sessões de treinamento e de estratégia. Um hospital californiano fez um exercício de apocalipse zumbi para testar como seria sua resposta a doenças infecciosas ou a eventos com vítimas em massa. O Centro de Prevenção e Controle de Doenças (CDC), hoje no cerne da política dos EUA contra a pandemia, já usou um apocalipse zumbi para explicar como o público deveria se planejar para emergências reais.

A covid-19, porém, não é um treino. Embora o estudo da Academy of Management (AOM) tenha sido concebido, escrito e revisado muito antes do coronavírus, explora tensões familiares entre grupos rivais de humanos. “Cenários extremos agem como ‘panelas de pressão’, intensificando a importância de questões rotineiras, como o trabalho em equipe”, diz o estudo. Uma nota de acréscimo ao estudo chama a atenção para o caos de saques antes do lockdown, as brigas em supermercados por rolos de papel higiênico, o crescimento das vendas de armas nos EUA e os incidentes violentos quando houve restrição de acesso a lojas.

Se os seres humanos vêm mostrando um pouco mais de compaixão e tolerância agora, me conta o professor Hällgren, provavelmente é porque estamos nos acostumando às condições da pandemia. Mas, por baixo da superfície, prevalece a atitude “se tiver que escolher entre a família de alguém e a minha própria, a minha família vem primeiro”.

Em “The Walking Dead”, em vez de humanos confluindo contra uma ameaça comum e optando pela colaboração para sobreviver, acabam recorrendo ao conflito. “A desconfiança é uma apólice de seguro de vida”, escrevem os pesquisadores. Parte do comportamento e da retórica no conflito entre Reino Unido e Espanha sobre as restrições britânicas na quarentena lembra o egoísmo e às suspeitas de grupos hostis de sobreviventes em ficções pós-apocalípticas.

Também a corrida implacável entre países para garantir estoques de equipamentos de proteção e criar vacinas para seus próprios cidadãos. Usuários de máscaras e avessos a seu uso já saíram na pancada.

O professor Hällgren também estudou como unidades policiais e grupos de montanhistas reagem quando colocados em “panelas de pressão”. Ele alerta para o risco de que as tensões entrem em ebulição “não apenas entre equipes, mas dentro delas”.

É um mau presságio sobre, por exemplo, como grupos de colegas trabalhando no escritório e remotamente poderiam se comportar.

A boa notícia é que a crise trouxe solidariedade entre grupos de colegas, mesmo com eles estando isolado. Reforçar esses laços temporários e comunicar as novas missões são prioridade para os líderes. Como “The Walking Dead” evidencia, até os humanos que são capazes de reconhecer um zumbi estarão condenados caso não se preparem bem para o próximo encontro com um.

Andrew Hill é colunista do “Financial Times ”

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