Covid atinge país e mundo em momento crítico, diz PwC
terça-feira, 4 de agosto de 2020
Valor Econômico / Brasil
Anaïs Fernandes
A polarização e a perda de confiança nas instituições são fenômenos especialmente preocupantes no Brasil, porque tornam mais difícil para o país enfrentar outros receios compartilhados pelas sociedades em escala até global, como das crescentes desigualdades e perturbações impostas por novos hábitos — medos que se concretizam em crises reais, aceleradas pela pandemia e que precisam de solução até a próxima década. Esse é o alerta de Blair Sheppard, líder global em estratégia e liderança da PwC e professor emérito da Escola de Negócios Fuqua, da Universidade Duke, nos Estados Unidos.
Sheppard está à frente do livro “Ten Years To Midnight: Four Urgent Global Crises and Their Strategic Solutions” (algo como “Dez anos para meia-noite: quatro crises globais urgentes e suas soluções estratégicas”), lançado hoje e ainda sem tradução para o português. Escrito antes da pandemia, o livro já situava o mundo em um “precipício”, ponto alcançado devido ao modelo que ofereceu 70 anos de relativo sucesso — baseado em economias conectadas, mercados livre e multilateralismo —, mas que também gerou acomodação.
“Criamos um modelo efetivo para o mundo como ele existia, mas havia dois erros. Um é que era muito simples. A noção de que a globalização é boa só é verdade se houver, a princípio, forças locais. Outro problema é que acreditamos que medidas como PIB [Produto Interno Bruto] ou geração de valor aos acionistas eram adequadas para avaliar sucesso, mas elas não captam variância”, disse Sheppard ao Valor .
A diversidade, o perfil etário mais variado e a relevância para a América Latina são pontos positivos no balanço de riscos do Brasil, segundo o executivo. Mas há muitas preocupações. Uma delas é a grande desigualdade, e Sheppard se diz especialmente temeroso pela juventude. “O número de estudantes se formando sem bom desempenho cresce. Muitas companhias perdem dois anos ‘retreinando’ o jovem após a graduação”, afirma, acrescentando que essa mão de obra acaba se tornando menos atrativa.
Cauteloso para avaliar um país estrangeiro, Sheppard reconhece que a polarização no Brasil é massiva — provavelmente, entre as cinco maiores do mundo, diz — e a confiança nas instituições é “muito baixa”. “Se líderes não conseguem unir a população, como você resolve os outros problemas? Se não há confiança nas instituições, por onde começar?”
Os “outros problemas” mencionados são medos compartilhados por pessoas de países e níveis sociais variados, captados durante as pesquisas para o livro e reunidos no acrônimo “ADAPT ” — assimetria, disrupção, idade (“age”), polarização e confiança “(trust ”). Sobre disrupção — termo muito usado para criações inovativas —, Sheppard explica que aqui o sentido é mais de mudanças profundas na vida das pessoas. A internet, por exemplo, ampliou a eficiência dos negócios, mas quebrou algumas indústrias tradicionais.
Além disso, predomina a sensação de que a sociedade não funciona e as pessoas não conseguem concordar, deixando o mundo “fraturado” e suscetível a nacionalismos e populismos. “Se você junta tudo, e ainda tem a questão etária como multiplicador de assimetria e disrupção, a polarização é consequência, e o resultado é que as pessoas não confiam nas instituições”, diz Sheppard, destacando que os elementos ADAPT são “muito fortes no Brasil” e, por isso, os problemas são “urgentes”.
Os medos abstratos das pessoas se concretizam em quatro crises reais (de prosperidade, tecnologia, legitimidade institucional e liderança), que se reforçam mutuamente. “Se não consigo liderar, não consigo fazer o que preciso pelo clima, não consigo resolver disparidades e, assim, não há confiança nos líderes. É um sistema”, disse. E, com a covid-19, os movimentos observados pelo executivo tendem a acelerar. Ele diz que pessoas que estavam no “no limite”, mas que “estavam se virando” — trabalha - dores com vários “bicos” ou apenas parcialmente integrados às redes virtuais, por exemplo —, na pandemia, é como se fossem “empurradas do penhasco”.
A saída da crise vai exigir, segundo Sheppard, reparar danos, mas também repensar e reconfigurar o futuro ao mesmo tempo. Algumas ações precisarão ser massivamente rápidas, “e o coronavírus nos ensinou como fazer isso”, ele diz. “Não é só ter a ideia, nós precisamos solucionar em dez anos”, afirma. Na pesquisa do livro, a equipe observou um padrão de efeitos danosos para problemas conhecidos, mas não resolvidos em uma década.
Sheppard reconhece que algumas afirmações soam sombrias, mas ele se diz otimista para o mundo encontrar saídas. Segundo ele, será necessário “trabalhar duro” para reformular instituições e processos, incluindo a substituição do “global first” por uma postura mais “localista de espírito global”. “O clima, a pandemia e até a criação de empregos são questões globais, isso não vai sumir. Mas precisamos focar no local por um tempo. Temos muita desigualdade nos países para olhar apenas para a competição externa”, diz.
Ele sugere que sejam escolhidas uma ou duas frentes de ação para resolução imediata e em escala, como o combate às mudanças climáticas. “Elas vão nos forçar a pensar nos outros problemas .” Independentemente das soluções construídas, uma certeza é que não há mais espaço para parcela da população ser deixada para trás. “As pessoas estão cada vez mais irritadas”, diz ele.
Os cenários traçados exigem líderes que saibam administrar paradoxos — característica já observada entre quem se saiu melhor na pandemia, afirma Sheppard. “A pessoas apontam para um presidente ou primeiro-ministro e dizem que eles são o problema, mas eles são sintomas do problema. Se não tivermos os líderes certos, será mais difícil consertar as coisas.
terça-feira, 4 de agosto de 2020
Valor Econômico / Brasil
Anaïs Fernandes
A polarização e a perda de confiança nas instituições são fenômenos especialmente preocupantes no Brasil, porque tornam mais difícil para o país enfrentar outros receios compartilhados pelas sociedades em escala até global, como das crescentes desigualdades e perturbações impostas por novos hábitos — medos que se concretizam em crises reais, aceleradas pela pandemia e que precisam de solução até a próxima década. Esse é o alerta de Blair Sheppard, líder global em estratégia e liderança da PwC e professor emérito da Escola de Negócios Fuqua, da Universidade Duke, nos Estados Unidos.
Sheppard está à frente do livro “Ten Years To Midnight: Four Urgent Global Crises and Their Strategic Solutions” (algo como “Dez anos para meia-noite: quatro crises globais urgentes e suas soluções estratégicas”), lançado hoje e ainda sem tradução para o português. Escrito antes da pandemia, o livro já situava o mundo em um “precipício”, ponto alcançado devido ao modelo que ofereceu 70 anos de relativo sucesso — baseado em economias conectadas, mercados livre e multilateralismo —, mas que também gerou acomodação.
“Criamos um modelo efetivo para o mundo como ele existia, mas havia dois erros. Um é que era muito simples. A noção de que a globalização é boa só é verdade se houver, a princípio, forças locais. Outro problema é que acreditamos que medidas como PIB [Produto Interno Bruto] ou geração de valor aos acionistas eram adequadas para avaliar sucesso, mas elas não captam variância”, disse Sheppard ao Valor .
A diversidade, o perfil etário mais variado e a relevância para a América Latina são pontos positivos no balanço de riscos do Brasil, segundo o executivo. Mas há muitas preocupações. Uma delas é a grande desigualdade, e Sheppard se diz especialmente temeroso pela juventude. “O número de estudantes se formando sem bom desempenho cresce. Muitas companhias perdem dois anos ‘retreinando’ o jovem após a graduação”, afirma, acrescentando que essa mão de obra acaba se tornando menos atrativa.
Cauteloso para avaliar um país estrangeiro, Sheppard reconhece que a polarização no Brasil é massiva — provavelmente, entre as cinco maiores do mundo, diz — e a confiança nas instituições é “muito baixa”. “Se líderes não conseguem unir a população, como você resolve os outros problemas? Se não há confiança nas instituições, por onde começar?”
Os “outros problemas” mencionados são medos compartilhados por pessoas de países e níveis sociais variados, captados durante as pesquisas para o livro e reunidos no acrônimo “ADAPT ” — assimetria, disrupção, idade (“age”), polarização e confiança “(trust ”). Sobre disrupção — termo muito usado para criações inovativas —, Sheppard explica que aqui o sentido é mais de mudanças profundas na vida das pessoas. A internet, por exemplo, ampliou a eficiência dos negócios, mas quebrou algumas indústrias tradicionais.
Além disso, predomina a sensação de que a sociedade não funciona e as pessoas não conseguem concordar, deixando o mundo “fraturado” e suscetível a nacionalismos e populismos. “Se você junta tudo, e ainda tem a questão etária como multiplicador de assimetria e disrupção, a polarização é consequência, e o resultado é que as pessoas não confiam nas instituições”, diz Sheppard, destacando que os elementos ADAPT são “muito fortes no Brasil” e, por isso, os problemas são “urgentes”.
Os medos abstratos das pessoas se concretizam em quatro crises reais (de prosperidade, tecnologia, legitimidade institucional e liderança), que se reforçam mutuamente. “Se não consigo liderar, não consigo fazer o que preciso pelo clima, não consigo resolver disparidades e, assim, não há confiança nos líderes. É um sistema”, disse. E, com a covid-19, os movimentos observados pelo executivo tendem a acelerar. Ele diz que pessoas que estavam no “no limite”, mas que “estavam se virando” — trabalha - dores com vários “bicos” ou apenas parcialmente integrados às redes virtuais, por exemplo —, na pandemia, é como se fossem “empurradas do penhasco”.
A saída da crise vai exigir, segundo Sheppard, reparar danos, mas também repensar e reconfigurar o futuro ao mesmo tempo. Algumas ações precisarão ser massivamente rápidas, “e o coronavírus nos ensinou como fazer isso”, ele diz. “Não é só ter a ideia, nós precisamos solucionar em dez anos”, afirma. Na pesquisa do livro, a equipe observou um padrão de efeitos danosos para problemas conhecidos, mas não resolvidos em uma década.
Sheppard reconhece que algumas afirmações soam sombrias, mas ele se diz otimista para o mundo encontrar saídas. Segundo ele, será necessário “trabalhar duro” para reformular instituições e processos, incluindo a substituição do “global first” por uma postura mais “localista de espírito global”. “O clima, a pandemia e até a criação de empregos são questões globais, isso não vai sumir. Mas precisamos focar no local por um tempo. Temos muita desigualdade nos países para olhar apenas para a competição externa”, diz.
Ele sugere que sejam escolhidas uma ou duas frentes de ação para resolução imediata e em escala, como o combate às mudanças climáticas. “Elas vão nos forçar a pensar nos outros problemas .” Independentemente das soluções construídas, uma certeza é que não há mais espaço para parcela da população ser deixada para trás. “As pessoas estão cada vez mais irritadas”, diz ele.
Os cenários traçados exigem líderes que saibam administrar paradoxos — característica já observada entre quem se saiu melhor na pandemia, afirma Sheppard. “A pessoas apontam para um presidente ou primeiro-ministro e dizem que eles são o problema, mas eles são sintomas do problema. Se não tivermos os líderes certos, será mais difícil consertar as coisas.
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