Imposto digital de Guedes é descolado do mundo,
dizem analistas
domingo, 2 de agosto de 2020
Folha de S. Paulo / Mercado
Thais Carrança
A economia digital impõe desafios para autoridades tributárias em todo o mundo. A taxação das gigantes da internet é alvo de discussão na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) pelo menos desde 2013 e países europeus têm instituído impostos sobre serviços digitais para compensar a dificuldade de arrecadar IRPJ (Imposto de Renda Pessoa Jurídica) de empresas como Google, Amazon e Facebook.
O "imposto digital" com alíquota de 0,2% pretendido pela equipe do ministro Paulo Guedes, no entanto, não tem qualquer relação comesse debate internacional, afirmam especialistas em tributação.
Apesar do discurso de que ele deve incidir sobre o comércio eletrônico e sobre empresas da nova economia, como Netflix e Uber, pelo montante que se pretende arrecadar entre R$ 120 bilhões e R$ 240 bilhões, segundo membros da equipe econômica - trata-se de algo muito parecido com a velha CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira), avaliam tributaristas, mesmo que o governo rechace a comparação.
"A briga com as big techs principalmente na Europa e os impostos digitais que estão sendo criados em países como França, Itália e Inglaterra têm como objetivo o Imposto de Renda de Pessoa Jurídica, não é relacionado com imposto de compra e venda", explica Eduardo Fleury, sócio do FCR Law - Fleury, Coimbra & Rhomberg Advogados.
Nesses países, diz Fleury, empresas como Amazon, Google e Apple deixam pouco lucro, se valendo de planejamento tributário para manter o grosso de sua base tributável, como as operações de marketplace, em lugares com menor carga de impostos.
Nesse contexto, desde 2013 a OCDE tenta, através do programa Beps (sigla em inglês para Erosão da Base Tributável e Transferência de Lucros) , criar regras para que o lucro dessas companhias seja tributado em cada um dos países.
Enquanto a OCDE não consegue atingir esse objetivo, alguns países têm taxado as receitas de serviços digitais, de forma a compensar a incapacidade de tributar o lucro.
No Brasil, segundo o tributarista, o contexto é outro.
Devido ao emaranhado tributário brasileiro, essas empresas não conseguem fazer planejamentos como na Europa, onde a operação delas é maior do que aqui.
Assim, não há no Brasil perda de arrecadação similar ao ocorrido em países europeus.
"Essa nova CPMF ou imposto digital que estão querendo fazer aqui não tem nada a ver com o que está acontecendo na Europa. O problema que a Europa tem, nós não temos", diz Fleury. "Eles estão chamando de digital para disfarçar uma CPMF, é um imposto sobre transações financeiras."
Essa também é a avaliação de Josué Pellegrini, diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado.
"A CPMF não tem nada ver com o comércio eletrônico, nem com a tributação de big techs", diz. "Guedes aproveitou que esse assunto está atual, com o aumento do consumo eletrônico com a pandemia, e juntou as coisas."
"Mas a intenção dele parece ser a de criar uma CPMF mesmo, porque a tributação do comércio eletrônico não traria arrecadação significativa."
O ministro Guedes fala em simplificação e redução de impostos. Ele defende que, por esse modelo, quem não paga impostos hoje passará apagar - incluindo a economia informal e até mesmo a ilegal - , de modo a permitir a redução de outros tributos.
"Quando todos pagam, pagamos menos", tem repetido.
Ele vê o imposto como forma de substituir a tributação sobre salários e, dependendo da arrecadação, reduzir o Imposto de Renda e pagar benefícios sociais.
Extinta em 2007, a CPMF era cobrada sobre quase todas as movimentações bancárias, como saques em dinheiro, transferências, pagamentos com cartão e quitação de faturas e boletos, com algumas exceções como a compra de ações em Bolsa, transferência entre contas de mesma titularidade e saques de seguro-desemprego e aposentadoria.
Sua última alíquota foi de 0,38% e em 2007, diz Pellegrini, o tributo representava cerca de 7% da arrecadação federal, o que seria equivalente a R$ 90 bilhões na arrecadação de 2019.
Assim, para chegar aos R$ 120 bilhões a R$ 240 bilhões que têm sido mencionados pela equipe econômica, o novo tributo talvez tenha que ser até mais abrangente do que a antiga CPMF, diz o diretor da IFI.
Mas, como ainda não há nenhuma proposta concreta do governo, ainda não se sabe exatamente do que se trata o novo "imposto digital".
dizem analistas
domingo, 2 de agosto de 2020
Folha de S. Paulo / Mercado
Thais Carrança
A economia digital impõe desafios para autoridades tributárias em todo o mundo. A taxação das gigantes da internet é alvo de discussão na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) pelo menos desde 2013 e países europeus têm instituído impostos sobre serviços digitais para compensar a dificuldade de arrecadar IRPJ (Imposto de Renda Pessoa Jurídica) de empresas como Google, Amazon e Facebook.
O "imposto digital" com alíquota de 0,2% pretendido pela equipe do ministro Paulo Guedes, no entanto, não tem qualquer relação comesse debate internacional, afirmam especialistas em tributação.
Apesar do discurso de que ele deve incidir sobre o comércio eletrônico e sobre empresas da nova economia, como Netflix e Uber, pelo montante que se pretende arrecadar entre R$ 120 bilhões e R$ 240 bilhões, segundo membros da equipe econômica - trata-se de algo muito parecido com a velha CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira), avaliam tributaristas, mesmo que o governo rechace a comparação.
"A briga com as big techs principalmente na Europa e os impostos digitais que estão sendo criados em países como França, Itália e Inglaterra têm como objetivo o Imposto de Renda de Pessoa Jurídica, não é relacionado com imposto de compra e venda", explica Eduardo Fleury, sócio do FCR Law - Fleury, Coimbra & Rhomberg Advogados.
Nesses países, diz Fleury, empresas como Amazon, Google e Apple deixam pouco lucro, se valendo de planejamento tributário para manter o grosso de sua base tributável, como as operações de marketplace, em lugares com menor carga de impostos.
Nesse contexto, desde 2013 a OCDE tenta, através do programa Beps (sigla em inglês para Erosão da Base Tributável e Transferência de Lucros) , criar regras para que o lucro dessas companhias seja tributado em cada um dos países.
Enquanto a OCDE não consegue atingir esse objetivo, alguns países têm taxado as receitas de serviços digitais, de forma a compensar a incapacidade de tributar o lucro.
No Brasil, segundo o tributarista, o contexto é outro.
Devido ao emaranhado tributário brasileiro, essas empresas não conseguem fazer planejamentos como na Europa, onde a operação delas é maior do que aqui.
Assim, não há no Brasil perda de arrecadação similar ao ocorrido em países europeus.
"Essa nova CPMF ou imposto digital que estão querendo fazer aqui não tem nada a ver com o que está acontecendo na Europa. O problema que a Europa tem, nós não temos", diz Fleury. "Eles estão chamando de digital para disfarçar uma CPMF, é um imposto sobre transações financeiras."
Essa também é a avaliação de Josué Pellegrini, diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado.
"A CPMF não tem nada ver com o comércio eletrônico, nem com a tributação de big techs", diz. "Guedes aproveitou que esse assunto está atual, com o aumento do consumo eletrônico com a pandemia, e juntou as coisas."
"Mas a intenção dele parece ser a de criar uma CPMF mesmo, porque a tributação do comércio eletrônico não traria arrecadação significativa."
O ministro Guedes fala em simplificação e redução de impostos. Ele defende que, por esse modelo, quem não paga impostos hoje passará apagar - incluindo a economia informal e até mesmo a ilegal - , de modo a permitir a redução de outros tributos.
"Quando todos pagam, pagamos menos", tem repetido.
Ele vê o imposto como forma de substituir a tributação sobre salários e, dependendo da arrecadação, reduzir o Imposto de Renda e pagar benefícios sociais.
Extinta em 2007, a CPMF era cobrada sobre quase todas as movimentações bancárias, como saques em dinheiro, transferências, pagamentos com cartão e quitação de faturas e boletos, com algumas exceções como a compra de ações em Bolsa, transferência entre contas de mesma titularidade e saques de seguro-desemprego e aposentadoria.
Sua última alíquota foi de 0,38% e em 2007, diz Pellegrini, o tributo representava cerca de 7% da arrecadação federal, o que seria equivalente a R$ 90 bilhões na arrecadação de 2019.
Assim, para chegar aos R$ 120 bilhões a R$ 240 bilhões que têm sido mencionados pela equipe econômica, o novo tributo talvez tenha que ser até mais abrangente do que a antiga CPMF, diz o diretor da IFI.
Mas, como ainda não há nenhuma proposta concreta do governo, ainda não se sabe exatamente do que se trata o novo "imposto digital".
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