O risco de grupos estrangeiros controlados por chineses
sexta-feira, 14 de agosto de 2020
Valor Econômico / Empresas
Don Weinland e Sherry Fei Ju
Quando Jia Tianjiang, um dos homens mais ricos no noroeste da China, foi incluído em uma investigação sobre corrupção em 2018, executivos a milhares de quilômetros de distância, na Consolidated Minerals, cuja sede fica na ilha de Jersey, começaram a entrar em pânico. A Tian Yuan, empresa de Jia, não apenas comprara o grupo minerador, um dos maiores produtores de manganês do mundo, há menos de um ano; ele também o usara, de imediato, como garantia para receber um crédito de um banco estatal chinês no valor de US$ 450 milhões, quase o dobro do patrimônio líquido da empresa, conhecida como ConsMin.
“Havia preocupação considerável no topo da companhia de que a garantia de crédito estivesse colocando a Consolidated Minerals em posição financeira precária, até porque representava quase o dobro do seu patrimônio líquido”, disse fonte próxima à empresa.
A alavancagem agressiva por meio de dívidas promovida por Jia acabou tornando-se uma história que serve de alerta para outras empresas compradas por chineses. Nos últimos anos, vários grupos ocidentais (a francesa Baccarat Cr ystal, a britânica House of Fraser e a americana Seaworld ) foram comprados por chineses endividados apenas para, em seguida, surgirem pressões para que as empresas fossem novamente vendidas.
“No início, elas parecem expandir-se a altas velocidades”, disse Violet Ho, diretora-gerente sênior da firma de consultoria de riscos Kroll, sobre os grupos chineses que assumem altas dívidas. Esses tipos de créditos “se tornaram bem comuns, mas têm derrubado muitas empresas chinesas”, acrescentou.
Além disso, a ascensão de Jia, de vendedor de maçãs nas ruas a magnata ligado a altos nomes da área de financiamento estatal, permite vislumbrar como boas relações com o governo têm ajudado empresários a acumular riqueza pessoal — e como ela pode ser dizimada com a mesma rapidez quando há viradas na maré política.
Ele sobreviveu à investigação em 2018 de autoridades chinesas sobre corrupção no setor financeiro, mas seus negócios internacionais estão em frangalhos e a queda livre no valor das ações de suas empresas de capital aberto fez com que milhões de dólares de sua riqueza evaporassem.
A ConsMin agora corre o risco de se tornar um dano colateral, já que a falta de pagamento das dívidas poderia ameaçar ainda mais suas operações, segundo fontes. “Podem esperar ver mais desse tipo de coisas”, disse um executivo de banco de investimento que atua em fusões internacionais chinesas. “Para ver mais empresas [estrangeiras] que ficam em má posição em razão de alavancagem excessiva na controladora chinesa.”
Jia é um improvável magnata das finanças e mineração. Sexto de 13 filhos, nasceu em 1962, em uma cidade pobre na província de Ningxia, oeste da China, segundo carta escrita pela filha e publicada na conta oficial da Tian Yuan em uma rede social on-line em 2018. A carta foi posteriormente apagada e não foi muito noticiada na imprensa.
Quando adolescente ele vendia maçãs nas ruas, mas logo percebeu que a caixa de papelão na qual elas vinham valia mais que a fruta. Então, abriu uma fábrica de papelão, segundo a carta, embora não tenha ficado claro com que dinheiro financiou o empreendimento.
O golpe de sorte veio em 2003, quando usou os lucros da fábrica para comprar uma mineradora de manganês falida, por uma fração do que valia anteriormente, que ele acabou transformando em uma empresa com dezenas de milhares de funcionários.
“Meu pai nunca sonhou em se tornar o homem mais rico de Ningxia”, escreveu a filha. Embora ele tenha seu próprio jato particular, disse ela, “ele mantém as qualidades de um camponês em sua vida diária: não fuma, não bebe, não joga e não gasta em luxos”.
Documentos oficiais da empresa mostram que em 2014 Jia começou a fazer negócios com a Huarong, a mais poderosa das quatro firmas estatais de gestão de ativos, com foco em dívidas inadimplentes e é liderada por um carismático executivo chamado Lai Xiaomin.
Não está claro como Lai e Jia se conheceram. Muitas fontes próximas à Huarong dizem que a relação data de muitos anos e que Jia foi se beneficiando à medida que Lai transformava a Huarong em um banco de investimento global, com diversas subsidiárias registradas em Hong Kong.
Em 2016, Jia comprou participações de 16% no China HKBridge, um grupo de investimentos de capital aberto, e de 20% na Huarong International, uma divisão da área de banco de investimento pertencente ao grupo de Lai.
No ano seguinte, Jia comprou 20% da Huarong Investment e 1,1 bilhão de ações do China Citic Bank International, o braço internacional de capital fechado de um poderoso banco estatal. Ele também se tornou investidor “cornerstone” (que subscreve antecipadamente grandes fatias de ações em aberturas de capital) no Bank of Jinzhou, um banco que precisaria de socorro governamental dois anos depois.
No mesmo ano, Jia concluiu a compra da Consolidated Materials, que era do bilionário ucraniano Gennadiy Bogolyubov, acionista do Privat Group.
O negócio rendeu a Jia o apelido de “rei do manganês” na imprensa chinesa e fez da Tian Yuan a maior produtora mundial do ingrediente usado na produção de aço.
Em 2017, os investimentos de Jia em Hong Kong valiam mais de US$ 2 bilhões, segundo cálculos do “Financial Times” baseados em documentos enviados à Bolsa de Valores de Hong Kong. Em 2018, sua riqueza total era estimada em cerca de US$ 3,6 bilhões pelo grupo de análises de mercado Hurun, mais conhecido por sua lista anual dos mais ricos da China.
A maioria dos grandes investimentos da Tian Yuan esteve ligada ao conglomerado do estatal Citic ou à Huarong e cada um deles criou novas fontes de alavancagem com dívidas para Jia.
Em 2016, a Huarong International emprestou-lhe 500 milhões de dólares de Hong Kong (US$ 64,5 milhões). Em 2017, a China HKBridge concedeu crédito de 900 milhões de dólares de Hong Kong, garantidos pelo Bank of Jinzhou, à Ascend Trade, uma empresa que, segundo documentos oficiais e balanços financeiros, é controlada pelo diretor de recursos humanos da Tian Yuan.
O exemplo mais ousado de alavancagem via dívidas por parte de Jia foi colocar a ConsMin como garantia para um crédito bancário de US$ 450 milhões para a controladora da Tian Yuan. Para conseguir o dinheiro ele recorreu ao conglomerado Citic. Um braço bancário do grupo concedeu o crédito apenas um ano depois de Jia ter se tornado um grande acionista da Citic International, em Hong Kong.
O patrimônio líquido da ConsMin era avaliado, em 2017, em apenas US$ 234,5 milhões, bem longe do que a maioria dos bancos internacionais consideraria suficiente para garantir um crédito de US$ 450 milhões. Fontes com conhecimento direto da operação de crédito disseram que a concessão não teria sido possível sem conexões próximas a bancos estatais.
O tamanho e as condições do crédito nunca foram revelados publicamente, mas o balanço anual de 2017 da ConsMin declarava que a garantia não representava risco real à empresa e que a probabilidade de inadimplência da Tian Yuan era de apenas 0,01%.
Menos de um ano depois, em abril de 2018, Lai, da Huarong foi preso por acusações de corrupção como parte de uma ofensiva governamental de vários anos contra a alavancagem excessiva, que envolveu muito de seus associados, incluindo Jia. A polícia acabou encontrando três toneladas de dinheiro em uma das casas de Lai, segundo a imprensa local.
A queda de um dos homens mais poderosos do setor financeiro estatal da China provocou tremores por todo o mercado.
A Tin Yuan e a ConsMin não responderam aos pedidos para comentar o assunto.
“Políticos e capitalistas ligados a eles ascendem e caem juntos, então os segundos precisam ver com cuidado a quem atrelam seus destinos”, disse Yuen Yuen Ang, da Universidade de Michigan, e autora de “China’s Gilded Age: The Paradox of Economic Boom and Vast Corruption” (a era dourada da China: o paradoxo do boom econômico e da ampla corrupção, em inglês).
A queda de um dos homens mais poderosos do setor financeiro estatal chinês provocou tremores no mercado
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