VALOR ECONÔMICO- 09/03/2017
Era início dos anos 2000, período de intensa consolidação bancária no país, e o executivo de um grande banco recebe uma ligação. Um advogado de um pequeno escritório lhe garante que um banco
médio recém-adquirido tem créditos tributários acumulados e que não
foram identificados na contabilidade da instituição. Curioso sobre os
créditos que poderiam render algumas dezenas de milhões de reais ao banco para o qual trabalha, na forma de abatimento de impostos a pagar, o executivo agenda uma reunião com o advogado. Fora do banco.
No
encontro, o interlocutor é Mário Pagnozzi Jr., um homem corpulento,
então beirando os 50 anos, e principal sócio do escritório Pagnozzi,
Pagnozzi & Associados Consultoria Empresarial. Fora do circuito das
bancas de direito empresarial de primeira linha que costumam servir aos
grandes bancos, Pagnozzi vinha conquistando uma clientela cativa. "Ele
tinha uma eficiência acima da média para levantar junto à Receita
Federal créditos tributários a que os bancos tinham direito. E, por essa
razão, trabalhava para muitos bancos", relata o executivo do grande banco.
O profissional graduado de uma outra importante instituição à época
confirma o relacionamento comercial com Pagnozzi pelas mesmas razões.
"Ele nos foi recomendado por outros dirigentes em uma reunião dentro da
Febraban uns 15 anos atrás", recorda o segundo executivo.
A
razão da rara eficiência de Mário Pagnozzi Jr. veio à tona em julho do
ano passado em meio aos desdobramentos da Operação Zelotes, da Polícia
Federal, que investiga suposto pagamento de propinas por bancos e
empresas para compra de decisões no Carf, o Conselho Administrativo de
Recursos Fiscais. Na denúncia que o Ministério Público Federal no
Distrito Federal ofereceu contra executivos do Bradesco, Mário Pagnozzi
também é denunciado, assim como Eduardo Cerqueira Leite, um auditor da
Receita Federal que por anos ocupou uma chefia na importante Delegacia
Especial de Instituições Financeiras em São Paulo, a chamada Deinf.
No
material colhido nas operações de busca e apreensão da Zelotes, os
procuradores do MPF encontraram mensagens de e-mails trocadas entre
Pagnozzi e Leite que evidenciam a existência de um esquema criminoso em
que o advogado era o responsável por negociar com instituições
financeiras informações e benefícios obtidos pelo auditor fiscal. Nada
disso foi objeto de denúncia criminal ou cível até o momento, por estar
fora da jurisdição do MPF no Distrito Federal, mas as provas obtidas
foram fartamente expostas, a título de contextualização, na denúncia do
caso do Bradesco e sua suposta tentativa de influenciar um julgamento no
Carf.
A mais contundente delas é um e-mail, de 2008,
enviado por Eduardo Leite a Mário Pagnozzi. Nele, o então chefe da
divisão de orientação e análise tributária da Deinf instrui o advogado a
respeito de dois casos de possível recuperação de créditos tributários e
discute abertamente os valores dos "honorários" que poderiam ser
cobrados por eles. Não há evidências, nas provas recolhidas, da efetiva
contratação do escritório para cuidar dos casos referidos neste e-mail. O
primeiro deles, comentado sem maiores detalhes na mensagem, diz
respeito ao Banco Safra. Leite recomenda que
ambos reduzam os honorários propostos. "Sugiro que pensemos em algo
entre 3% e 5%", escreve. Procurado para esclarecer se chegou a contratar
o escritório de Pagnozzi, o Safra, que é investigado em outro processo
da Zelotes envolvendo o Carf, informou que não iria se manifestar.
Veja abaixo cópia desse e-mail. Clique na imagem para ampliar:
O
segundo caso é discutido de forma mais minuciosa. Trata de um crédito
de PIS do antigo Sudameris, adquirido pelo ABN Amro, e na ocasião do
e-mail já sob controle do Santander. Leite diz que o banco
solicitou à Deinf a habilitação de créditos de R$ 8 milhões, mas que,
segundo seus cálculos, a instituição teria direito a R$ 55 milhões. Na
sequência se refere a uma tentativa frustrada de "realizar o trabalho"
junto ao Santander, possivelmente em razão da "resistência dos advogados
do banco (Quiroga e Mattos Filho)". Leite
sugere, como argumento final para convencer o Santander, que eles baixem
os honorários de R$ 14 milhões para R$ 5 milhões. O auditor vai além e
diz que, do total cobrado, teria que "deixar na delegacia R$ 1,5
milhão". O Santander não respondeu ao pedido para comentar. O escritório
Mattos Filho não atendeu à solicitação de entrevista.
O auditor do Fisco
Eduardo
Cerqueira Leite, um homem alto, careca, com grande bigode grisalho e
sotaque paulistano carregado era tido dentro da Deinf como um
funcionário exemplar. Quando a Zelotes expôs os seus arranjos, os
colegas na delegacia mal puderam acreditar. "Foi uma total surpresa para
todos", diz um ex-colega. Depois de ser levado a depor em condução
coercitiva, Leite disponibilizou seu passaporte e, sem clima para
prosseguir no posto que ocupava, requereu sua transferência e hoje dá
expediente na delegacia da Receita no município de Santo André, na
Grande São Paulo. "Não havia suspeitas e nem sinais de riqueza. Ele era
conhecido por ser um excelente profissional, muito técnico", descreve o
ex-colega.
Hoje, além de ser réu em duas ações criminais
derivadas da Zelotes, é investigado em ao menos três processos
disciplinadores abertos pela Corregedoria da Receita Federal, um
relativo ao caso do Bradesco, outro do Safra e um terceiro do antigo
Bozano, Simonsen, hoje Santander. Até o desfecho desses processos, segue
trabalhando e recebendo salário. Pessoas próximas a ele dizem que Leite
está abalado emocionalmente e tem muito medo, sobretudo de ser
exonerado e perder o direito a se aposentar como auditor e manter seus
rendimentos integrais. Ele está a poucos anos da aposentadoria.
Um
advogado tributarista acostumado a lidar com processos de bancos relata
que Eduardo Cerqueira Leite muitas vezes era ríspido e recebia mal os
advogados que iam despachar na delegacia. Com isso, acredita, tentava
estabelecer uma fama de incorruptível. Segundo a fonte, porém, sempre
pairou entre advogados uma suspeita de que havia algo estranho nessa
divisão da Deinf.
Por vezes, ele conta, auditores ou
técnicos tentavam dar dicas aos advogados sobre casos específicos, o que
era visto como uma tentativa de se abrir caminho para uma conversa não
republicana. Ao mesmo tempo, era comum que clientes seus e de outros
colegas fossem abordados pelo que chama de "paqueradores de processos".
Advogados desconhecidos investigavam as contingências fiscais em
discussão com a Receita e depois procuravam executivos dos bancos e
prometiam sucesso garantido na obtenção de créditos tributários. "O cara
aparecia para o cliente e falava: me contrata, deixa seu advogado que
eu resolvo. Era o milagreiro."
O advogado conta que
sabia-se no mercado que grandes bancos usavam os serviços desses
intermediários, embora houvesse a suspeita de que em alguns casos o
contato fosse feito diretamente entre o representante do banco
e Eduardo Leite. Havia três tipos de "serviços prestados" - e cobrados -
na Deinf, segundo o advogado. Um era o pagamento em troca da aceleração
da homologação de um crédito que já havia sido reconhecido. Em outro,
usava-se uma interpretação mais agressiva da legislação para se aumentar
os créditos tributários a que o banco teria
direito. Por fim, aquele que a Zelotes descreve e documenta em detalhes,
em que Eduardo Cerqueira Leite usava seu poder para acessar os dados
dos contribuintes protegidos por sigilo fiscal nos sistemas da Receita e
encontrava créditos que não haviam sido requeridos pelos bancos. Nessas
revisões, os créditos tributários em favor do contribuinte podem ser
gerados quando se encontram despesas dedutíveis que não tinham sido
tratadas dessa forma por um banco adquirido, receitas que não deveriam ser tributadas e foram e assim por diante.
Como
possuem alíquotas de Imposto de Renda e CSLL elevadas - hoje
temporariamente em 45%, e na época em 40% - os bancos se esmeram em
encontrar qualquer caminhos para reduzir o total de imposto a pagar.
Isso gera contingências tributárias enormes com o Fisco, que superavam a
casa dos R$ 90 bilhões ao fim de 2016.
Uma prática disseminada
Conforme
relatado pelos procuradores no preâmbulo da denúncia contra executivos
do Bradesco, no dia 24 de novembro de 2004, Eduardo Leite enviou um
e-mail a Mário Pagnozzi que não deixava dúvidas sobre as intenções e
forma de atuar da dupla. "Segue a proposta a ser encaminhada ao
Bradesco", iniciava a mensagem. Na sequência, Leite descrevia em
pormenores técnicos os serviços que o escritório de Pagnozzi deveria
oferecer ao banco, que resultaria na recuperação
de créditos de Imposto de Renda e CSLL referentes aos anos de 1995 a
2001 que haviam sido mal aproveitados.
Uma outra mensagem
apreendida pela PF e anexada pelos procuradores à denúncia comprova que
no dia seguinte Pagnozzi simplesmente copiou e colou o texto elaborado
por Leite e o enviou no formato de proposta a Luiz Carlos Angelotti,
então diretor da área fiscal do banco e hoje um
de seus vice-presidentes. Ao final do texto, o advogado acrescentava os
honorários que seriam cobrados em caso de contratação, iniciando com uma
parcela de R$ 450 mil no ato.
Sem clima para continuar na Deinf, Eduardo Leite pediu transferência para Santo André
Segundo
os procuradores, o Bradesco realizou um contrato de prestação de
serviços de consultoria tributária com o escritório de Pagnozzi e
requereu os créditos exatamente conforme sugerido por Leite. O próprio
auditor foi o responsável, na Deinf, por dar despachos favoráveis ao banco no caso. Em 2007, o banco voltou a contratar o escritório para três processos junto à Deinf, um deles relativos a créditos do banco
Boavista Interatlântico, adquirido pelo Bradesco em 2000. Segundo os
investigadores, as decisões favoráveis de Leite coincidem com os
períodos de pagamentos efetuados pelo banco a Mário Pagnozzi.
Não
há, entre as provas recolhidas pelos investigadores, demonstração de
que os executivos do Bradesco tivessem, a essa altura, conhecimento do
elo entre Eduardo Leite e Mário Pagnozzi.
Evidências
colhidas pela Zelotes e o relato das fontes ouvidas pelo Valor indicam
que Pagnozzi, com Leite em sua retaguarda, atuou para diversas outras
instituições em São Paulo, além do Bradesco. "Pelo que apontaram as
investigações, a impressão é que era uma prática disseminada", diz o
procurador da República Hebert Reis Mesquita, um dos três responsáveis
pela investigação dos bancos na Zelotes.
Os nomes de
Pagnozzi e Leite aparecem de forma recorrente, juntos ou separadamente,
em diferentes operações e processos da Zelotes que têm outros bancos
como foco. Foram pagamentos ao escritório de Pagnozzi, por exemplo, que
arrastaram para a Zelotes, de uma só vez, os nomes de BankBoston, Bank
of America e Itaú, durante a 8ª fase da operação, em 1º de dezembro. Na
ocasião, Alex Waldemar Zornig, que foi vice-presidente de finanças do
BankBoston e diretor do Itaú até 2007, foi conduzido coercitivamente
para prestar depoimento, a mando do juiz federal Vallisney de Souza
Oliveira, da 10ª Vara Federal de Brasília.
O nome de
Zornig surgiu na investigação por conta de contrato firmado entre a
Boston Negócios e Participações e o escritório de Pagnozzi, que teria
subcontratado outros advogados em Brasília para representação em
processos do antigo BankBoston no Carf. Mas, segundo o Valor apurou, o
contato entre o executivo e o advogado era anterior a esse
relacionamento e, de acordo com três fontes ouvidas sob condição de
anonimato, o BankBoston teria usado os serviços do advogado "milagreiro"
no passado. Zornig disse que seu advogado não o autorizou a falar com a
reportagem.
Como o BankBoston foi comprado pelo Bank
of America em 2003 e posteriormente, em 2006, pelo Itaú, os dois bancos
também foram envolvidos. Isso porque a Polícia Federal encontrou 21
pagamentos feitos pelo Itaú ao escritório de Pagnozzi entre 2009 e 2015,
a título de consultoria, no valor de R$ 10 milhões.
Quando
o caso veio a público, o Itaú alegou que apenas executava os pagamentos
(pelos quais era ressarcido), mas que a administração das contingências
tributárias do Boston era de responsabilidade do antigo dono, o Bank
of America. Em nota enviada em resposta a essa reportagem, o Itaú
repetiu o argumento e acrescentou que assim, "não tinha nenhum interesse
financeiro no resultado desses processos tributários". Já o BofA disse
na época que colabora com a investigação e deve, segundo fontes, alegar
que as operações relativas aos casos tributários eram administrados de
forma conjunta com o Itaú.
Quando questionado se o próprio Itaú ou algum outro banco
adquirido no passado já havia contratado os serviços de Pagnozzi, o
Itaú disse, na mesma nota, que "nunca participou de conversas, se
utilizou de, ou fez pagamentos em seu próprio interesse para,
escritórios ou consultorias implicados na Operação Zelotes". No já
referido e-mail enviado ao comparsa, Leite sugere que o advogado procure
o pessoal do antigo Unibanco para uma "nova investida quanto ao caso
Itaú". Não há, contudo, evidência de que houve contratação antes ou
depois da mensagem.
O Safra, que aparece citado no mesmo
e-mail, surge ligado a Eduardo Cerqueira Leite em outro contexto. Seu
ex-diretor João Inácio Puga foi denunciado conjuntamente com Leite pelo
MPF-DF no processo em que uma empresa do grupo Safra é acusada de pagar
propina em troca de influência em um processo de R$ 1,8 bilhão no Carf.
Neste processo, Joseph Safra também foi denunciado, no pressuposto de
que Puga não teria autonomia para tomar decisões sozinho em nome do
grupo. Mas a Justiça excluiu o banqueiro do processo por falta de
provas.
O Santander aparece nas investigações da Zelotes
em uma situação parecida com a do Itaú, por ter feito pagamentos ao
escritório de Pagnozzi por processos herdados do banco
Bozano, Simonsen, assumido em 2000, junto com a aquisição do
Meridional. O caso está em segredo de Justiça e não houve denúncia até
agora. Procurado, o Santander não comentou.
Sem
investigação em curso, o Citi é mencionado na denúncia contra executivos
do Bradesco pelo fato de os investigadores terem encontrado um e-mail
enviado pelo superintendente de tributos da instituição, Rogerio Peres,
para um endereço de e-mail pessoal de Eduardo Cerqueira Leite, a
respeito de "2 casos que o Carf decidiu pela diligência". Em nota, o
Citi disse que "nunca contratou" Pagnozzi e afirmou que "quaisquer
contatos com autoridades realizados por funcionários ou representantes
do banco cumprem rigorosamente a legislação vigente".
Falar
com um auditor fiscal ou contratar um advogado são atos corriqueiros. O
que motiva a investigação da Zelotes é o relacionamento entre os dois e
o possível conhecimento dessa informação pelo contratante.
Mário Pagnozzi copiou e colou a proposta elaborada por Leite e a encaminhou a banco por e-mail
O executivo de banco
citado no início da reportagem alega que nunca tomou conhecimento do
vínculo entre o advogado e o auditor fiscal. "Eu sabia que o Mário
Pagnozzi obtinha aquelas informações de alguma maneira, mas nunca quis
saber como", afirma, acrescentando que os tempos eram outros. "Os
créditos eram ativos a que o banco tinha direito.
Não era nada indevido. E, se o honorário que ele me cobrava estava
dentro do aceitável para um trabalho de consultoria tributária, então
tudo bem."
Segundo esse executivo, no entanto, por conta
de suspeitas sobre os métodos empregados pelo advogado, os encontros com
Pagnozzi sempre aconteciam fora do banco. "Eu jamais receberia um cara desses dentro do banco. Esse foi um erro do Bradesco."
Uma polêmica reunião
Ele
se refere a outra informação que consta da denúncia do MPF. Com base em
grampos telefônicos de conversas de Mário Pagnozzi com interlocutores,
registros internos do banco e dados de antena de
celular, os procuradores conseguiram demonstrar que, em 9 de outubro de
2014, Pagnozzi foi recebido na sede do Bradesco, em Osasco, pelos
vice-presidentes Luiz Angelotti e Domingos Abreu. Do mesmo encontro
participou ainda o próprio auditor fiscal Eduardo Leite, ainda chefe de
divisão na Deinf. Àquela altura, o tema da reunião, segundo
investigadores, já não eram novos créditos tributários a serem
requeridos e homologados na esfera da Deinf, mas a busca de um
julgamento favorável ao banco no Carf.
Foi
depois desse encontro que, segundo indicam as conversas interceptadas
pelo MPF, Pagnozzi fez o comentário que levou o presidente do Bradesco,
Luiz Carlos Trabuco Cappi, a ser denunciado ao lado dos outros
executivos do banco presentes à reunião. Pagnozzi
disse a interlocutores que Trabuco teria entrado na sala para
cumprimentar os visitantes. Agora, contudo, sua defesa afirma que ele
mentiu sobre a presença de Trabuco na reunião para se gabar perante os
colegas. "Ele se arrepende amargamente da bravata", diz o ex-ministro do
Superior Tribunal de Justiça Celso Limongi, que defende Pagnozzi nos processos criminais.
Mário
Pagnozzi chegou a aceitar uma conversa com a reportagem numa manhã de
dezembro. Mas, na data marcada, Limongi avisou que o cliente tivera
complicações pulmonares e não estaria presente ao encontro.
Na
biblioteca de seu escritório, com as paredes forradas de volumes de
livros de direito, Celso Limongi disse que, com os bens bloqueados há
quase dois anos, seu cliente enfrenta dificuldades financeiras. "Ele tem
que pedir dinheiro à mulher."
Em sua foto na rede de
contatos profissionais Linkedin, que mantém ativa e acessa
frequentemente, Pagnozzi aparece montado em uma moto Harley-Davidson
Night Rod. Na página do seu escritório na internet, não é mais citado
como parte da equipe. Quem aparece à frente do escritório são seus
filhos Fábio e Pedro Pagnozzi, que seguiram a carreira do pai, ao mesmo
tempo em que dedicam a investir em restaurantes e casas noturnas,
especialmente franquias de sucessos internacionais. Pedro é um dos três
sócios que acabam de trazer de volta ao Brasil a rede de restaurantes
TGI Fridays, inaugurada em 24 de janeiro. Fábio é sócio da filial
paulistana da boate novaiorquina Provocateur, da padaria Magnolia Bakery
e do badalado Gràcia Bar.
Diante de novo pedido de
entrevista em fevereiro, Limongi informou que o cliente estava nos
Estados Unidos, onde tem apartamento, para acompanhar o nascimento de um
neto e que ele não falaria.
O advogado Renato Vieira, do
escritório Andre Kehdi e Renato Vieira Advogados, especializado em
direito criminal, defende o auditor Eduardo Leite nos processos
criminais derivados da Zelotes. Numa rápida reunião em seu escritório
nas imediações da Avenida Paulista, Vieira não quis comentar a
associação entre seu cliente e Mário Pagnozzi na recuperação de créditos
tributários. "Nada disso é objeto da apuração. A denúncia oferecida se
refere aos fatos ocorridos em 2014 e relativos ao Carf", disse.
Nos
processos disciplinadores, Leite é representado por Alan Apolidório,
advogado especializado em casos envolvendo servidores públicos. "Há uma
linha cinzenta sobre a atuação do auditor fiscal. Ele deve ser meramente
uma autoridade arrecadadora ou também consultiva?", indagou Apolidório,
revelando sua tese de defesa. Segundo seu raciocínio, pela complexidade
dos casos que envolvem as instituições financeiras, é natural que os
bancos procurem fazer contato com o servidor público em busca de
elucidação. No entanto, diz ele, seu cliente jamais foi pago por
contribuintes. "Ele não recebia dinheiro para prestar tais
esclarecimentos e nunca entrava em discussão de honorários", afirmou
Apolidório, complementando que a situação patrimonial de seu cliente
está sendo investigada pela corregedoria. "Ele está em dificuldades
financeiras, inclusive para pagar os honorários advocatícios. Ele está
desolado. Tem patrimônio modesto, compatível com o salário de auditor
fiscal."
A investigação do Ministério Público aponta a
compra de uma Mercedes Benz, no valor de R$ 205 mil, por uma empresa que
tem Pagnozzi como sócio, mas que foi transferida ao auditor. O
vencimento bruto de um profissional como Leite era de R$ 22 mil no
segundo semestre de 2016, mas pode ter sido maior quando ele exercia
cargo de chefia.
Quando questionado sobre o teor do e-mail
em que o próprio Eduardo Leite instrui Pagnozzi sobre cobrança de
honorários, Apolidório disse que a mensagem "não foi compartilhada no
processo disciplinar e não tive acesso a ela".
Mina de ferro na Guiné
O
advogado, no entanto, oferece outra explicação para a evidente relação
comercial entre seu cliente e Pagnozzi. Segundo ele, existia uma
proximidade entre ambos por conta dos quase 20 anos em que Eduardo Leite
trabalhou na Deinf, enquanto Pagnozzi representava clientes perante o
Fisco. A partir daí, os dois se envolveram na compra de uma mina de
ferro na Guiné, por volta de 2002, da qual também teria participado o
embaixador da Guiné no Brasil na época. "É natural fazer negócios com
pessoas do seu metiê", argumenta Apolidório.
A sociedade em torno da mina aparece também na argumentação do advogado de Mário Pagnozzi, o ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça
Celso Limongi. "O Eduardo e o Mário tinham sociedade com o embaixador
da Guiné na mina", afirmou. Coincidência ou não, Pagnozzi foi, até
alguns anos trás, Cônsul da Guiné em São Paulo e chegou a ser
fotografado para uma revista de celebridades ao lado da família enquanto
ocupava o posto. Até hoje mantém a identificação de "cônsul da Guiné"
em sua conta na rede social de contatos profissionais Linkedin. Segundo
Limongi, acertos em torno dessa sociedade justificam pagamentos a
Eduardo Leite identificados pelos procuradores. "Mário não trabalhava
com o Eduardo [em questões tributárias]. O que deve ter acontecido é que
o Eduardo deve ter dado uma consulta ao Mário Pagnozzi e ao banco. E auditor pode dar consulta não remunerada a um contribuinte", disse o advogado.
Seria
a intenção de vender a mina, segundo os advogados Limongi e Apolidório
disseram separadamente, a explicação para que Eduardo Leite tenha
comparecido à reunião no Bradesco na companhia de Mário Pagnozzi, em
2014. "Eles queriam oferecer a mina à Vale e o Bradesco é acionista
controlador da Vale", diz Alan Apolidório.
Um advogado com
conhecimento do caso diz que a presença de Eduardo Leite na sede do
Bradesco enfraquece as teses de defesa dos acusados, porque auditores
fiscais não costumam ir até os contribuintes para prestar
esclarecimentos. Além disso, as escutas telefônicas e trocas de e-mails
anteriores e posteriores à reunião dão conta de que o tema principal do
encontro era o processo no Carf - além de uma nova oferta de serviço de
revisão tributária como as feitas em 2004 e 2007. Não se fala em mina.
Procurado, o Bradesco não quis falar à reportagem. Até hoje, o banco
só se pronunciou sobre as denúncias do Carf, negando ter feito qualquer
"proposta, contratação ou pagamento, a quem quer que seja para obter
qualquer tipo de vantagem".
De acordo com um alto executivo do banco,
os dirigentes do Bradesco foram surpreendidos pela presença de Eduardo
Leite na referida reunião. O encontro, de acordo com esse executivo,
havia sido agendado por Pagnozzi, e Leite o acompanhou sem aviso prévio.
A presença do auditor fiscal na sede da instituição, segundo esse
executivo, teria causado enorme desconforto. "O Bradesco poderia ter
barrado o Eduardo Leite? Poderia. Mas o banco vai barrar um auditor da Receita?", questiona um advogado sem ligação com o banco.
Em
comum, todos os advogados dos denunciados procuram desmerecer a
importância das provas sobre os fatos mais antigos apresentadas pelo MPF
sob o argumento de que não fazem parte da denúncia relativa ao Carf.
Mas as evidências encontradas durante a investigação sobre a atuação
irregular de Leite no âmbito da Deinf em São Paulo são tão fortes que,
de forma reservada, a defesa de um dos citados demonstra alívio de não
terem sido objeto das denúncias já apresentadas pelo MPF-DF.
Provas serão encaminhadas a São Paulo pelo MPF-DF
O
procurador do Ministério Público Federal em Brasília Hebert Reis
Mesquita diz que as provas dos atos praticados em São Paulo e que
constam do preâmbulo da denúncia do caso Bradesco serão encaminhadas ao
MPF no Estado, para que o processo seja conduzido perante a Justiça
Federal em São Paulo.
Por questão de jurisdição, os
procuradores de Brasília precisam se limitar aos casos envolvendo o Carf
ou que sejam contemporâneos à investigação, iniciada em 2014.
Além das evidências que já foram descobertas, devem ser incluídos na remessa ao MPF-SP o material que a Corregedoria do Ministério da Fazenda
levantar nos processos administrativos que estão em curso contra o
auditor fiscal Eduardo Cerqueira Leite. "O que nós fizemos foi puxar um
pedacinho da linha. Agora a Receita precisa olhar todos os casos em que o
Eduardo atuou e ver se tomou decisões atípicas. E, em cada intervenção,
que crime ele praticou", disse Mesquita.
O procurador
disse que o processo administrativo demora, ainda que essa seja uma
prioridade zero da Corregedoria, porque a defesa do auditor estaria
usando chicanas jurídicas. "Arrolaram dez testemunhas de defesa, aí cada
um precisa vir de um lugar do país, apresentam atestado médico, ficam
retardando o final do processo", afirmou o procurador em entrevista no
início deste ano, por telefone.
Mesquita reconhece que,
para a sociedade, causa indignação que, mesmo diante das evidências já
colhidas, o auditor continue a trabalhar e a receber salário. "É melhor
que ele esteja em algum lugar trabalhando, mesmo que batendo carimbo, do
que em casa, mas recebendo. Porque esse é um caso de demissão. E não é
possível suspender o pagamento dele antes do fim do processo
administrativo", explicou.
Procurada pelo Valor, a Corregedoria do Ministério da Fazenda
informou que a investigação ligada à Operação Zelotes tem sido feita em
conjunto com a Polícia Federal, o MPF e a Receita Federal, mas que as
informações estão sob segredo de Justiça.
Caso haja
denúncia no futuro, uma possível alegação de que os créditos tributários
aprovados por Eduardo Leite eram devidos, e por isso não haveria
ilegalidade, não deve ser suficiente para livrar os envolvidos de
punição. "No direito penal existe a corrupção própria, quando o servidor
recebe vantagem indevida para fazer algo contra as regras, e a
imprópria, quando ele recebe para fazer o que deveria fazer mesmo. Mas é
tudo corrupção", diz o procurador do MPF-DF.
Mais sucesso
deverão ter aqueles que alegarem e conseguirem evidenciar que
contrataram o escritório de Mário Pagnozzi porque ele era especializado
na área tributária e tinha sucesso nos processos e que desconheciam
qualquer ligação com Eduardo Leite. "Nosso critério é: vamos
responsabilizar as pessoas jurídicas e seus representantes que tiveram
contato, que interagiram com agentes públicos. A gente tem esse
cuidado", disse o procurador, referindo-se ao critério adotado nas
denúncias já feitas. Segundo ele, se não for possível conseguir
estabelecer qualquer vínculo direto entre representantes de bancos e
Eduardo Cerqueira Leite, não será possível buscar a responsabilização de
executivos das instituições financeiras.
E é exatamente a presença do auditor na sede do Bradesco, em Osasco, que torna o caso do banco
mais difícil, na avaliação do MPF e também da defesa de um dos
acusados. "Auditor nenhum da Receita senta para conversar com
contribuinte nessa situação", disse Mesquita.
Em relação a
possíveis penas administrativas aos bancos, a Lei Anticorrupção, que
prevê responsabilidade objetiva, é suficientemente dura e abrangente
para abarcar pagamentos indiretos de propina repassados a agentes
públicos (ou mesmo a promessa de pagamento), ainda que sem prova de
culpa daquele que contrata o intermediário. Mas qualquer processo
baseado na lei só pode ser conduzido sobre fatos posteriores a 2014, o
que exclui contratos antigos de bancos com Pagnozzi - mas não os
processos relativos ao Carf. Em nota ao Valor, o Ministério da
Transparência disse que acompanha de forma prioritária a investigação
que está sendo conduzida pela Corregedoria da Fazenda, "tanto aquelas
envolvendo agentes públicos, quanto as que envolvem pessoas jurídicas". O
órgão ressalta que, se entender necessário, "poderá atuar direta e
excepcionalmente em razão da relevância e complexidade da matéria".
No
caso da lei americana anticorrupção, à qual alguns dos bancos estão
sujeitos, a jurisprudência construída ao longo do tempo sobre corrupção
com ação de intermediário indica que é preciso que haja evidência ao
menos de que o contratante "deveria saber" que o contratado tinha uma
conduta suspeita. Isso poderia ser provado, por exemplo, em caso de
comissões muito maiores que em contratos similares, processos com
conclusão bem mais rápida que o habitual, ou mesmo quando o contratante
tem uma reputação pública claramente questionável. A prescrição do FCPA,
contudo, é de cinco anos, o que tira do radar fatos mais antigos.
Em
relação aos demais envolvidos, há quase que um consenso de que a
punição de Eduardo Cerqueira Leite é a mais provável de acontecer.
Contra Pagnozzi, há os repasses de dinheiro e bens e valores a Eduardo,
além do e-mail enviado pelo servidor falando em divisão de honorários.
Se
e quando alguém for condenado nos processos derivados da Zelotes, o
MPF-DF ainda guarda esperança de que algum dos punidos vire delator,
disse o procurador. "Já tentamos (delação premiada) de todos os jeitos.
Mas como a legislação prevê que é possível fazer colaboração a qualquer
momento, inclusive depois do julgamento, eles estão pagando para ver. É o
medo da prisão que leva as pessoas a colaborar."
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