quinta-feira, 28 de maio de 2020

Avaliação do custo dos combustíveis (Décio Oddone, 27 5 2020)

27/05/2020 10:58:39 - EMPRESAS E SETORES DECIO ODDONE: A AVALIAÇÃO DO CUSTO DOS COMBUSTÍVEIS NÃO DEVE SE RESUMIR AO PREÇO NAS REFINARIAS Nas economias de mercado, os preços dos derivados do petróleo flutuam. Somente em casos extraordinários viram notícia. No Brasil, entretanto, variações bruscas ainda causam discussões que trazem prejuízos ao setor e ao País. A lei que estabelece a liberdade de preços é recente. Foi adotada em 2002, mas ainda naquele ano houve controle do custo do botijão de gás. Desde então, nem sempre os preços seguiram o mercado internacional. Durante a crise financeira de 2008, os valores da gasolina e do diesel estiveram acima dos praticados em outros mercados. Entre 2011 e 2014, por outro lado, ficaram abaixo, prejudicando a indústria de biocombustíveis. A prática é muito mais recente. Decorre da postura adotada pela Petrobras de atuar com o legítimo objetivo de maximizar o lucro. De 2015 a 2017, os preços permaneceram acima dos praticados nos países da OCDE. Assim, durante as duas últimas recessões, os brasileiros pagaram, pelos derivados de petróleo, valores superiores aos internacionais. Como é preciso que os preços reflitam o mercado e que os investimentos sejam retomados, o reposicionamento da estatal demandou uma mudança na atuação dos órgãos responsáveis pela política energética e pela regulação. A greve dos caminhoneiros acelerou o movimento. A experiência vivida desde 2002 indica que o modelo adotado, em que a Petrobras detém o monopólio de fato no refino e fornece a maior parte dos derivados, não funcionou na plenitude. O Brasil, embora tenha se tornado um exportador relevante de petróleo, continua dependendo da importação de derivados. Como são commodities, a precificação não tem relação com o custo de produção e nenhum país é formador de preços. Para viabilizar a compra no exterior, a paridade de importação se impõe. E qualquer redução só virá por crescimento da oferta e da competição. O desalinhamento dos preços dificulta a programação de investimentos em combustíveis fósseis e renováveis e prejudica a competitividade do setor produtivo, que fica exposto a variações extemporâneas de custos importantes. Em uma época em que a indústria está inserida nas cadeias produtivas globais, o alcance desses impactos merece estudos específicos. Como existe capacidade de refino ociosa no mundo, não será fácil aprovar grandes projetos no País, que só se justificariam se houvesse convicção de que os preços seguirão atrelados ao mercado e se os riscos de intervenções ou de adoção de práticas anticoncorrenciais fossem baixos. A geração de excedentes, no entanto, poderia levar os preços internos a condições próximas da paridade de exportação, com valores equivalentes aos internacionais menos os custos logísticos. Pelos argumentos apresentados, o alinhamento aos preços praticados nos mercados internacionais é fundamental para o sucesso da indústria brasileira de petróleo e biocombustíveis, para a atração de investimentos e para a redução da dependência de importações. Por outro lado, não basta que os preços estejam alinhados aos mercados internacionais. É necessário que sejam estabelecidos em um mercado livre, aberto e competitivo. Também, que haja transparência na divulgação, o que dificulta a prática de valores muito distintos dos vigentes em outros mercados relevantes e, ao permitir que a sociedade entenda como se dá a sua formação, ajuda o consumidor a validar e aceitar melhor as flutuações do mercado e do câmbio. Além disso, a transparência é importante na transição para um mercado concorrencial, pois reforça o ambiente regulatório, promove estruturas de mercado mais eficientes, aumenta a capacidade de resposta dos agentes a deficiências de oferta, reduz as assimetrias de informação, melhora a avaliação das oportunidades de investimento e protege os interesses do consumidor. Assim, é fundamental continuar avançando em busca de um modelo aberto, em que diferentes agentes possam refinar petróleo e continuem a importar derivados, em um ambiente de livre formação de preços e de transparência. O preço dos combustíveis nas refinarias representa cerca de 30 a 50% do valor na bomba, a depender do produto. No entanto, atrai a discussão sobre os custos. Trata-se de um equívoco recorrente, que deve ser evitado. A análise dos preços dos combustíveis deve abranger todos os seus componentes: produtos, incluídos os biocombustíveis utilizados na mistura, margens de distribuição e revenda e tributos. Como visto, para que a indústria de petróleo, etanol e biodiesel seja exitosa, os preços ao produtor devem ser livremente formados. As margens são estabelecidas em ambiente competitivo. Quanto melhor for a logística e maior a competição, mais benefícios para o consumidor. E mais eficiente a transmissão das variações de preço ao longo da cadeia. Por isso, é necessário que os custos logísticos sejam otimizados e que também na distribuição e na revenda o mercado seja dinâmico e competitivo. Tributos são definidos pelos governos. Refletem escolhas. Representam meios para as autoridades implementarem políticas fiscais e energéticas. Não há um nível certo ou errado. Qualquer decisão é legítima. Como há países que tributam menos que o Brasil, existem os que tributam mais. Não se tem notícia, porém, de um que adote um sistema tão complexo. Nos últimos anos, se avançou em direção a uma oferta mais competitiva e transparente. Os preços vêm sendo formados livremente e divulgados com transparência. Foi iniciado um processo de abertura no refino. Estabelecer políticas de preço a nível de produção ou importação, como apontado, não traria benefícios para o setor de combustíveis e para o País. Assim, para aprimorar a formação dos preços dos combustíveis ao consumidor, é preciso continuar trabalhando para aumentar a competição em toda a cadeia e aperfeiçoar a cobrança dos tributos, o que deveria ser acompanhado de medidas para combater as fraudes tributárias, a adulteração, a sonegação e a lavagem de dinheiro no setor. Décio Fabricio Oddone da Costa é engenheiro. Trabalhou na Petrobras e no setor privado. Foi Diretor-Geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Escreve quinzenalmente para o Broadcast Energia. Esse artigo representa exclusivamente a visão do autor.

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