quinta-feira, 14 de maio de 2020

Covid-19 pode influenciar a gestão de talentos (Valor, 14 5 2020)



Claudio Garcia
Rumo certo

Diversas pesquisas recentes têm mostrado que a maioria dos profissionais está com grau de estresse e de exaustão muito alto depois da covid-19. É óbvio que uma grande parte desse efeito ocorre devido às incertezas relacionadas à saúde, ao emprego e às finanças pessoais. Para aqueles que podem trabalhar de casa, ainda existe a dificuldade de aprender a ser produtivo em um novo contexto que requer reorganização para acessar pessoas que antes se sentavam a poucos metros e usar teleconferências, que exigem um foco maior para captar pistas não verbais sobre os outros. O que antes era automaticamente processado, agora demanda mais energia mental, algo que pode levar a um esgotamento psíquico.

Um dos grupos que têm sido relativamente mais impactado é o que tem entre 30 e 45 anos de idade. Aqueles que usualmente estão na fase de maior progressão na carreira. Também aquele que, neste momento, tem maior receio das despesas altas e que precisa dar atenção extra para os filhos pequenos ou pré-adolescentes sem a ajuda de escolas, creches ou babás. Além de terem pais e parentes dentro de grupos de risco, o que exige cuidado extra. A queda de produtividade para esse grupo etário tem sido notável. Por outro lado, profissionais acima de 45 anos têm apresentado um menor impacto em sua produtividade.

Curioso que o grupo etário entre 30 e 45 anos é justamente o que a maioria das empresas identifica como talentos potenciais. Mas uma mudança de contexto reduz expressivamente a capacidade dele de gerar resultados. Isso não significa que não possuam habilidades e não possam ser categorizados como tal. Simplesmente significa que as organizações têm reduzido o conceito de talento à estereótipos que as limitam de explorar o melhor dos seus profissionais. O contexto atual evidencia essa inconsistência.

A busca por eficiência tem forçado as organizações a adotar práticas de gestão de pessoas que se assemelham a processos industriais: processos de seleção, avaliação de desempenho, de traços de personalidade, nine-boxes, entre outros, que eliminam “anormalidades”em busca de características idealizadas e limitadas a um contexto imaginário do que é o mundo lá fora. Contexto esse que, no mundo real, muda a todo instante e requer respostas diversas — respostas impossíveis de serem encontradas em apenas poucos indivíduos. Em busca do perfeito, elimina-se a diversidade que poderia garantir o futuro.

O foco extremo em eficiência mata a adaptabilidade das organizações. Rápidas mudanças tecnológicas, de hábitos de consumidores, políticas e econômicas nos últimos anos mostraram exemplos do quanto esse comportamento deixou as companhias, que eram referências empresariais, vulneráveis. Para lidar com o incerto, organizações precisam de pessoas diferentes para dar respostas alternativas às tradicionais. Precisam de práticas de gestão e ambientes de trabalho que extraiam o melhor dessas diferenças.

O contexto da covid-19 pode ser uma ameaça ou uma boa oportunidade para esse ajuste de mentalidade. Praticamente todas as organizações reajustaram ou estão reajustando suas operações que, pelo menos no curto prazo, premiam poucos e ameaçam a maioria. Obviamente para quem precisa reduzir seus quadros, uma das muitas decisões é sobre quem fica e quem sai. Nesse ajuste, a tendência natural é a busca pela eficiência por meio de práticas conhecidas. Mas em um contexto de imprevisibilidade sobre o que virá, elas precisarão da capacidade de adaptação. Isso significa levar a sério o dilema eficiência versus adaptabilidade. Significa atualizar seus conhecimentos sobre o que é talento e como eles funcionam.

Claudio Garcia é professor-adjunto de gestão global na Universidade de New York, empreendedor e pesquisador sobre pessoas e organizações

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