QE à brasileira
Sexta-feira, 15 de Maio de 2020
Márcio Garcia
Quantitative easing (QE), ou afrouxamento monetário quantitativo, designa uma prática que vem sendo modernamente adotada por vários bancos centrais para combater crises recessivas, quando a inflação fica muito abaixo da meta. Sabe-se que a taxa nominal de juro tem seu piso em zero, ou pouco abaixo.
A partir desse ponto, não se pode mais baixar o juro nominal, para lograr reduzir a taxa real de juros, que é a taxa relevante para impulsionar a demanda agregada. Com juro nominal zero, a política monetária convencional torna-se impotente para estimular a economia, fenômeno que Keynes rotulou de armadilha da liquidez.
Para estimular a economia e elevar a baixa inflação, bancos centrais passaram a comprar ativos financeiros com expansão da base monetária, mais especificamente, das reservas dos bancos nos passivos dos bancos centrais. O primeiro país a recorrer ao QE foi o Japão, em março de 2001, sendo seguido pelos principais bancos centrais, sobretudo o Fed e o BCE, após a grande crise financeira internacional de 2008.
Ricardo Reis (Funding Quantitative Easing to Target Inflation, https://bit.ly/3cqnyYs ) mapeia o enorme crescimento dos balanços desses bancos centrais até 2015. Em geral, os ativos situavam-se entre 20% e 30% do PIB, chegando a mais de 60% do PIB, no caso do Japão. A pandemia gerou novo impulso na QE. O Fed, por exemplo, adicionou aos seus ativos mais de US$ 2 trilhões nas últimas semanas!
No Brasil, devido a uma taxa básica de juros mais elevada, nunca houve a necessidade de se recorrer à QE. Mesmo hoje, ainda há significativo espaço para reduzir a taxa Selic (atualmente em 3%). Assim, a discussão sobre QE no Brasil é um tanto distinta da que se trava nos países desenvolvidos, onde não há mais espaço para reduzir a taxa nominal de juros.
A discussão sobre QE no Brasil adveio da necessidade de se financiar as despesas para o combate à atual pandemia. Dado o brutal aumento de endividamento público previsto, o Banco Central (BC) serviria de intermediário para facilitar a absorção do elevado volume de dívida adicional pelos poupadores. Como o artigo 164 da Constituição proíbe o BC de financiar o Tesouro Nacional (TN), foi necessário incluir na emenda constitucional do “orçamento de guerra”, recém-aprovada no Congresso Nacional, autorização, restrita ao período da pandemia, para que o BC pudesse comprar títulos do TN (e privados também), em mercados secundários, para outros fins além de “(...) regular a oferta de moeda ou a taxa de juros”.
É oportuno contrastar o caso brasileiro com os dos bancos centrais dos países desenvolvidos. Como mostra o gráfico, o balanço do BC já tem tamanho comparável aos dos principais bancos centrais que fazem QE, quando medidos em proporção do PIB. Mas o principal ativo do BC brasileiro é o estoque de reservas internacionais, não os títulos públicos. Para financiar a compra dessas reservas, o BC recorreu primordialmente a operações compromissadas, não diretamente às reservas bancárias. Mas, para os fins desta análise, as operações compromissadas funcionam, no Brasil, como as reservas bancárias remuneradas dos demais bancos centrais, assegurando remuneração à taxa Selic com total liquidez.
O QE à brasileira se daria, portanto, com o BC financiando a compra de títulos públicos (e privados) com aumento das operações compromissadas. A pergunta relevante é até que limite o BC poderia estender o QE?
Ao fazer QE, e adicionar títulos públicos e privados a seu ativo, financiando-se com recursos emprestados, um banco central toma feições de um fundo de investimentos alavancado (financiado com empréstimos), sujeitando-se aos riscos de perdas nos ativos (principalmente os riscos de mercado e de crédito). Na crise de 2008, o “fundo de investimentos do Fed” foi muito bem sucedido, auferindo bons lucros. Mas será que terá a mesma sorte desta vez?
Se um banco central sofrer perdas em seus ativos, ele dependerá de sua renda (senhoriagem, que é a renda advinda da impressão de papel moeda) ou de aportes do controlador, via de regra o Tesouro do respectivo país. Em última análise, portanto, dependerá do espaço fiscal existente para bancar tais perdas, ou de quão longe o setor público está da insolvência. No Brasil, que já tem dívida pública excepcionalmente alta para um país de renda média, tal espaço é muito exíguo.
Nunca é demais lembrar que não há saída fácil para financiar as despesas extraordinárias de combate à pandemia. Para evitar crises duradouras posteriores, é fundamental restringir as despesas extraordinárias ao estritamente indispensável.
O pior que nos pode ocorrer é haver a percepção de que QE é uma mágica que propicia um meio fácil e indolor de aumentar gastos públicos.
OLHO: Afrouxamento monetário quantitativo não é uma mágica para financiar os gastos públicos
A partir desse ponto, não se pode mais baixar o juro nominal, para lograr reduzir a taxa real de juros, que é a taxa relevante para impulsionar a demanda agregada. Com juro nominal zero, a política monetária convencional torna-se impotente para estimular a economia, fenômeno que Keynes rotulou de armadilha da liquidez.
Para estimular a economia e elevar a baixa inflação, bancos centrais passaram a comprar ativos financeiros com expansão da base monetária, mais especificamente, das reservas dos bancos nos passivos dos bancos centrais. O primeiro país a recorrer ao QE foi o Japão, em março de 2001, sendo seguido pelos principais bancos centrais, sobretudo o Fed e o BCE, após a grande crise financeira internacional de 2008.
Ricardo Reis (Funding Quantitative Easing to Target Inflation, https://bit.ly/3cqnyYs ) mapeia o enorme crescimento dos balanços desses bancos centrais até 2015. Em geral, os ativos situavam-se entre 20% e 30% do PIB, chegando a mais de 60% do PIB, no caso do Japão. A pandemia gerou novo impulso na QE. O Fed, por exemplo, adicionou aos seus ativos mais de US$ 2 trilhões nas últimas semanas!
No Brasil, devido a uma taxa básica de juros mais elevada, nunca houve a necessidade de se recorrer à QE. Mesmo hoje, ainda há significativo espaço para reduzir a taxa Selic (atualmente em 3%). Assim, a discussão sobre QE no Brasil é um tanto distinta da que se trava nos países desenvolvidos, onde não há mais espaço para reduzir a taxa nominal de juros.
A discussão sobre QE no Brasil adveio da necessidade de se financiar as despesas para o combate à atual pandemia. Dado o brutal aumento de endividamento público previsto, o Banco Central (BC) serviria de intermediário para facilitar a absorção do elevado volume de dívida adicional pelos poupadores. Como o artigo 164 da Constituição proíbe o BC de financiar o Tesouro Nacional (TN), foi necessário incluir na emenda constitucional do “orçamento de guerra”, recém-aprovada no Congresso Nacional, autorização, restrita ao período da pandemia, para que o BC pudesse comprar títulos do TN (e privados também), em mercados secundários, para outros fins além de “(...) regular a oferta de moeda ou a taxa de juros”.
É oportuno contrastar o caso brasileiro com os dos bancos centrais dos países desenvolvidos. Como mostra o gráfico, o balanço do BC já tem tamanho comparável aos dos principais bancos centrais que fazem QE, quando medidos em proporção do PIB. Mas o principal ativo do BC brasileiro é o estoque de reservas internacionais, não os títulos públicos. Para financiar a compra dessas reservas, o BC recorreu primordialmente a operações compromissadas, não diretamente às reservas bancárias. Mas, para os fins desta análise, as operações compromissadas funcionam, no Brasil, como as reservas bancárias remuneradas dos demais bancos centrais, assegurando remuneração à taxa Selic com total liquidez.
O QE à brasileira se daria, portanto, com o BC financiando a compra de títulos públicos (e privados) com aumento das operações compromissadas. A pergunta relevante é até que limite o BC poderia estender o QE?
Ao fazer QE, e adicionar títulos públicos e privados a seu ativo, financiando-se com recursos emprestados, um banco central toma feições de um fundo de investimentos alavancado (financiado com empréstimos), sujeitando-se aos riscos de perdas nos ativos (principalmente os riscos de mercado e de crédito). Na crise de 2008, o “fundo de investimentos do Fed” foi muito bem sucedido, auferindo bons lucros. Mas será que terá a mesma sorte desta vez?
Se um banco central sofrer perdas em seus ativos, ele dependerá de sua renda (senhoriagem, que é a renda advinda da impressão de papel moeda) ou de aportes do controlador, via de regra o Tesouro do respectivo país. Em última análise, portanto, dependerá do espaço fiscal existente para bancar tais perdas, ou de quão longe o setor público está da insolvência. No Brasil, que já tem dívida pública excepcionalmente alta para um país de renda média, tal espaço é muito exíguo.
Nunca é demais lembrar que não há saída fácil para financiar as despesas extraordinárias de combate à pandemia. Para evitar crises duradouras posteriores, é fundamental restringir as despesas extraordinárias ao estritamente indispensável.
O pior que nos pode ocorrer é haver a percepção de que QE é uma mágica que propicia um meio fácil e indolor de aumentar gastos públicos.
OLHO: Afrouxamento monetário quantitativo não é uma mágica para financiar os gastos públicos
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