terça-feira, 19 de maio de 2020

Risco em alta e busca por depósitos bancários(Valor, 19 5 2020)

Risco em alta faz disparar busca por depósitos bancários

Captações - Nas quatro maiores instituições, volume tem o maior crescimento em pelo menos seis anos

Terça-feira, 19 de Maio de 2020


Talita Moreira De São Paulo

O coronavírus interrompeu a festa da bolsa e levou muitos investidores a se refugiar nos bancos. As maiores instituições financeiras do país tiveram em março o maior crescimento da base de depósitos em pelo menos seis anos, fruto da busca dos poupadores por segurança para atravessar a tempestade.

Itaú Unibanco, Bradesco, Santander e Banco do Brasil (BB) encerraram o primeiro trimestre comum total de depósitos à vista e a prazo de R$ 1,844 trilhão, o que significa crescimento de 10,9% em três meses. Foi, de longe, o maior salto observado na série histórica iniciada em março de 2014 (maior intervalo para o qual há dados comparáveis). Também foi a maior alta desde o terceiro trimestre de 2018, quando o volume cresceu 5%, mostra levantamento feito pelo Valor com dados dos balanços.

Embora o volume de depósitos não tenha deixado de crescer nos últimos anos, os CDBs de grandes bancos vinham perdendo muito de seu brilho para ativos mais rentáveis — movimento encorajado pelos cortes na taxa Selic.

“Com a covid-19, testemunhamos uma migração dos investidores para a qualidade, o que beneficiou os instrumentos bancários”, afirmou o vice-presidente financeiro do Santander Brasil, Angel Santodomingo, em teleconferência com investidores.

Executivos de Itaú e Bradesco também destacaram, em apresentações a analistas, que suas captações foram beneficiadas pelo aumento da aversão a risco dos investidores. “Notamos aumento da captação tanto do varejo quanto do atacado”, disse o vice-presidente executivo de finanças do Itaú, Milton Maluhy Filho, em apresentação a analistas no início de abril.

O chamado “flight to quality” é um movimento natural em períodos de instabilidade, em que pessoas e empresas tentam proteger seu patrimônio, mais do que multiplicá-lo. Na crise atual, entretanto, essa busca surpreendeu pela intensidade e pela velocidade maiores que o habitual.

Além de pessoas físicas mais receosas, empresas à procura de liquidez também contribuíram para engordar os depósitos bancários. Muitas companhias tomaram recursos nos bancos para reforçar o caixa e os deixaram depositados em suas instituições financeiras.

Bancos de médio porte também viram a procura por depósitos aumentar. Num primeiro momento, essa alta se deu especialmente nas instituições mais voltadas a pessoas físicas. Foi o caso do BV (ex-Banco Votorantim), cuja base de depósitos cresceu 24,2% de dezembro para março, chegando a R$ 20,318 bilhões.

No caso de instituições médias mais especializadas no atendimento a empresas, houve leve queda no total de depósitos no fim de março. Porém, de acordo com executivos do setor, aumentou de abril em diante. “A vinda de clientes pessoa física e pessoa jurídica para o banco tem sido surpreendentemente positiva”, afirmou o diretor de relações com investidores do Daycoval, Ricardo Gelbaum.

Essa também é a percepção do presidente do Banco Pan, Carlos Eduardo Guimarães. “Com a queda dos juros, a gente vinha assistindo a migração da renda fixa para a variável. Agora, começa a enxergar um retorno para ativos tradicionais.” Dados da B3 ilustram essa alta. Em março, o volume de captações via CDB somou R$ 677,3 bilhões, ante R$ 391,9 bilhões em igual mês do ano passado.

Alguns motivos ajudam a entender por que até mesmo bancos pequenos e médios têm conseguido atrair mais depósitos a despeito do cenário adverso. O principal deles é que, passada a turbulência inicial, foi ficando claro que esta não é uma crise de origem financeira. Outro fator é que o sistema bancário estava líquido e bem capitalizado quando os ventos mudaram, e o BC agiu com rapidez para evitar escassez de recursos.

Apesar disso, os bancos pequenos e médios tiveram de aceitar um aumento nas taxas de captação. A média de rentabilidade dos CDBs de instituições desse porte estava em 128,7% do CDI na semana passada, de acordo com a plataforma de comparação de investimentos Yubb. No ano passado, a taxa média ficou em 124,5%. A Selic caiu de 6,5% para 3% ao ano desde o início de 2019. “Os custos subiram, mas não foi nada material”, afirmou Rodrigo Tremante, diretor-executivo de finanças e relações com investidores do BV.

No Agibank, o custo subiu de 110% do CDI antes da crise a 120%, segundo o fundador do banco, Marciano Testa. “O volume de captação melhorou muito no último mês .” O Agibank foi um dos poucos até agora a usar o novo DPGE, instrumento de captação de pequenos e médios junto a investidores institucionais. O banco digital levantou R$ 200 milhões na modalidade.

Outros bancos têm preferido instrumentos como as letras financeiras garantidas (LFG), para diversificar o funding. O ABC tomou R$ 2,6 bilhões nessa linha e acessou também recursos de acionistas, que subscreveram duas emissões privadas de títulos de dívida. O Daycoval, por sua vez, deve captar junto ao IFC, braço de investimentos do Banco Mundial no setor privado.



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