05/05/2020 14:02:28 - EMPRESAS E SETORES
DECIO ODDONE: O CORONAVÍRUS E O PRÉ-SAL
A pandemia do coronavírus está transformando a indústria do petróleo. A Arábia Saudita teve sua classificação de risco colocada em perspectiva negativa e planeja cortes em projetos e no orçamento. Pela primeira vez em anos, grandes companhias reduziram os generosos dividendos que pagam a seus acionistas. A produção americana vai declinar, pelo menos no curto prazo. Empresas vão desaparecer ou cortar custos e investimentos. Em função da inédita destruição de consumo, especialistas discutem se o pico de demanda não teria ficado para trás. Passada a crise, a indústria não será a mesma. Algumas empresas optarão por diversificar o portfólio, apostando na transição energética. Países vão intensificar a disputa pelos investimentos em petróleo e gás natural. Tudo isso vai afetar o Brasil, que começava a ver um crescimento das atividades no setor.
Muito tempo e oportunidades foram perdidos no passado. A descoberta do pré-sal provocou a paralisação dos leilões de petróleo e gás e a introdução do regime de partilha. O país deixou de receber investimentos e de produzir em um período em que os preços estavam elevados. O fim do ciclo de alta abateu a indústria brasileira do petróleo, que enfrentou sua maior crise. Leilões bem-sucedidos entre 2017 e 2019 geraram a expectativa de que estava contratada uma forte retomada. Em dez anos, o Brasil poderia se transformar em um dos cinco maiores produtores, com impacto na geração de empregos e na arrecadação.
No entanto, o resultado dos últimos leilões de partilha sinalizou que o modelo necessitava aperfeiçoamentos. Autoridades do executivo se manifestaram. O Congresso Nacional retomou discussões sobre o fim da preferência da Petrobras e da própria partilha. Parecia que a agenda futura deveria se concentrar na melhoria do regime de contratação de novas áreas e na manutenção das demais regras estabelecidas nos últimos anos.
Até surgir a crise do COVID-19. Os leilões foram realizados em uma época com preços entre US$ 50 e 70 o barril. Caíram para a casa dos US$ 20. Mantido esse patamar, muitos projetos serão postergados ou cancelados. Se a recuperação for lenta, apesar da atratividade do pré-sal, é possível que blocos contratados entre 2017 e 2019 fiquem sem atividades por um período longo. Ou que nunca venham a ser explorados ou desenvolvidos.
A reação dos governos quando arrecadação e empregos entram em risco não é novidade. O Brasil implementou as reformas que produziram os leilões exitosos. O Reino Unido adotou, no passado recente, uma série de estímulos fiscais. Agora volta a discutir medidas. A Noruega estuda incentivos para projetos sancionados entre 2020 e 2021. Isso indica que há países que não estão dispostos a perder a corrida por investimentos, na que talvez seja a última grande janela de oportunidade para atrair os capitais necessários para financiar a exploração e a produção de petróleo e gás natural.
O regime tributário do Brasil é regressivo. Valores expressivos são cobrados antes dos ativos produzirem lucros. Como os bônus de assinatura dos últimos leilões, que chegaram a R$ 112 bilhões. No entanto, o pagamento do bônus não significa que os projetos serão aprovados e que a parte mais significativa e importante dos aportes será feita. É preciso que a exploração seja exitosa e que os projetos sejam viáveis técnica e economicamente. A carga fiscal oferecida em alguns leilões alcançou níveis elevados, superando em muito as expectativas. Naquele cenário, os resultados foram celebrados. Agora tornam-se um desafio a mais para os empreendedores. Os royalties são mais altos na partilha, o que pode levar ao abandono prematuro de campos ainda produtivos. Em um cenário de preços elevados, essa era uma questão que as autoridades brasileiras deveriam encarar daqui a 20 anos.
O novo patamar de preços provocado pelo coronavírus mudou esse quadro. Colocou em risco a aprovação de projetos que podem representar, nos próximos anos, centenas de bilhões de reais em investimentos e outras centenas de bilhões de reais em arrecadação. Depois de ter conseguido atrair os investidores e ter assinado os contratos, o Brasil não deve ter a retomada interrompida. Nem perder mais essa oportunidade.
Em um ambiente de preços mais baixos, com busca de uma economia de mais baixo carbono e deterioração da expectativa de demanda futura, a disputa por investimentos vai se aprofundar. Outros países, que não dispõem de ativos com a produtividade do pré-sal, têm regras mais simples e atraentes. Alguns, como a Noruega e o Reino Unido, já estão debatendo o seu aprimoramento. Por isso, a discussão sobre melhorias regulatórias no Brasil, ao invés de se restringir às condições aplicáveis aos leilões futuros, deve englobar o aumento da atratividade nas áreas já contratadas, que têm maior potencial. Não é tarefa simples, tampouco impossível.
A redução das incertezas na administração dos consórcios pode ser uma medida, como a simplificação da gestão dos contratos. A migração voluntária, sem alterar a carga fiscal, para uma taxação mais progressiva, como faz a Noruega, pode ser uma alternativa. O pagamento de um valor para transformar um contrato de partilha em concessão pode ser outra. Aberto o debate, ideias inovadoras e criativas não faltarão. O que importa é, nesse novo e inesperado cenário, esgotar os esforços para que os contratos recentemente assinados produzam os investimentos esperados. Em breve, as discussões sobre a reforma tributária devem ser retomadas. Por que não aproveitar a oportunidade para debater essa questão? Os benefícios justificam o esforço.
Décio Oddone é engenheiro e foi diretor geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), entre 2016 e 2020, e executivo de carreira da Petrobras. Escreve quinzenalmente para o Broadcast Energia.
Esse artigo representa exclusivamente a visão do autor.
DECIO ODDONE: O CORONAVÍRUS E O PRÉ-SAL
A pandemia do coronavírus está transformando a indústria do petróleo. A Arábia Saudita teve sua classificação de risco colocada em perspectiva negativa e planeja cortes em projetos e no orçamento. Pela primeira vez em anos, grandes companhias reduziram os generosos dividendos que pagam a seus acionistas. A produção americana vai declinar, pelo menos no curto prazo. Empresas vão desaparecer ou cortar custos e investimentos. Em função da inédita destruição de consumo, especialistas discutem se o pico de demanda não teria ficado para trás. Passada a crise, a indústria não será a mesma. Algumas empresas optarão por diversificar o portfólio, apostando na transição energética. Países vão intensificar a disputa pelos investimentos em petróleo e gás natural. Tudo isso vai afetar o Brasil, que começava a ver um crescimento das atividades no setor.
Muito tempo e oportunidades foram perdidos no passado. A descoberta do pré-sal provocou a paralisação dos leilões de petróleo e gás e a introdução do regime de partilha. O país deixou de receber investimentos e de produzir em um período em que os preços estavam elevados. O fim do ciclo de alta abateu a indústria brasileira do petróleo, que enfrentou sua maior crise. Leilões bem-sucedidos entre 2017 e 2019 geraram a expectativa de que estava contratada uma forte retomada. Em dez anos, o Brasil poderia se transformar em um dos cinco maiores produtores, com impacto na geração de empregos e na arrecadação.
No entanto, o resultado dos últimos leilões de partilha sinalizou que o modelo necessitava aperfeiçoamentos. Autoridades do executivo se manifestaram. O Congresso Nacional retomou discussões sobre o fim da preferência da Petrobras e da própria partilha. Parecia que a agenda futura deveria se concentrar na melhoria do regime de contratação de novas áreas e na manutenção das demais regras estabelecidas nos últimos anos.
Até surgir a crise do COVID-19. Os leilões foram realizados em uma época com preços entre US$ 50 e 70 o barril. Caíram para a casa dos US$ 20. Mantido esse patamar, muitos projetos serão postergados ou cancelados. Se a recuperação for lenta, apesar da atratividade do pré-sal, é possível que blocos contratados entre 2017 e 2019 fiquem sem atividades por um período longo. Ou que nunca venham a ser explorados ou desenvolvidos.
A reação dos governos quando arrecadação e empregos entram em risco não é novidade. O Brasil implementou as reformas que produziram os leilões exitosos. O Reino Unido adotou, no passado recente, uma série de estímulos fiscais. Agora volta a discutir medidas. A Noruega estuda incentivos para projetos sancionados entre 2020 e 2021. Isso indica que há países que não estão dispostos a perder a corrida por investimentos, na que talvez seja a última grande janela de oportunidade para atrair os capitais necessários para financiar a exploração e a produção de petróleo e gás natural.
O regime tributário do Brasil é regressivo. Valores expressivos são cobrados antes dos ativos produzirem lucros. Como os bônus de assinatura dos últimos leilões, que chegaram a R$ 112 bilhões. No entanto, o pagamento do bônus não significa que os projetos serão aprovados e que a parte mais significativa e importante dos aportes será feita. É preciso que a exploração seja exitosa e que os projetos sejam viáveis técnica e economicamente. A carga fiscal oferecida em alguns leilões alcançou níveis elevados, superando em muito as expectativas. Naquele cenário, os resultados foram celebrados. Agora tornam-se um desafio a mais para os empreendedores. Os royalties são mais altos na partilha, o que pode levar ao abandono prematuro de campos ainda produtivos. Em um cenário de preços elevados, essa era uma questão que as autoridades brasileiras deveriam encarar daqui a 20 anos.
O novo patamar de preços provocado pelo coronavírus mudou esse quadro. Colocou em risco a aprovação de projetos que podem representar, nos próximos anos, centenas de bilhões de reais em investimentos e outras centenas de bilhões de reais em arrecadação. Depois de ter conseguido atrair os investidores e ter assinado os contratos, o Brasil não deve ter a retomada interrompida. Nem perder mais essa oportunidade.
Em um ambiente de preços mais baixos, com busca de uma economia de mais baixo carbono e deterioração da expectativa de demanda futura, a disputa por investimentos vai se aprofundar. Outros países, que não dispõem de ativos com a produtividade do pré-sal, têm regras mais simples e atraentes. Alguns, como a Noruega e o Reino Unido, já estão debatendo o seu aprimoramento. Por isso, a discussão sobre melhorias regulatórias no Brasil, ao invés de se restringir às condições aplicáveis aos leilões futuros, deve englobar o aumento da atratividade nas áreas já contratadas, que têm maior potencial. Não é tarefa simples, tampouco impossível.
A redução das incertezas na administração dos consórcios pode ser uma medida, como a simplificação da gestão dos contratos. A migração voluntária, sem alterar a carga fiscal, para uma taxação mais progressiva, como faz a Noruega, pode ser uma alternativa. O pagamento de um valor para transformar um contrato de partilha em concessão pode ser outra. Aberto o debate, ideias inovadoras e criativas não faltarão. O que importa é, nesse novo e inesperado cenário, esgotar os esforços para que os contratos recentemente assinados produzam os investimentos esperados. Em breve, as discussões sobre a reforma tributária devem ser retomadas. Por que não aproveitar a oportunidade para debater essa questão? Os benefícios justificam o esforço.
Décio Oddone é engenheiro e foi diretor geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), entre 2016 e 2020, e executivo de carreira da Petrobras. Escreve quinzenalmente para o Broadcast Energia.
Esse artigo representa exclusivamente a visão do autor.
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