quinta-feira, 2 de abril de 2020

BC precisa ter poder para destravar crédito(Aloísio Araújo, Valor, 2 4 2020)


Alex Ribeiro
O economista Aloísio Araújo, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) e do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), está convencido de que será preciso ampliar os poderes do Banco Central para comprar títulos privados diretamente no mercado para destravar o mercado de crédito e evitar uma forte alta do desemprego. “Essa não será uma crise em ‘V’, com uma rápida volta da economia, se não for reconstruído o sistema financeiro e não se evitar que as empresas demitam”, diz Araújo.

A compra de títulos privados é uma das medidas dentro dos chamados instrumentos não convencionais de política monetária usados pelos bancos centrais mundo afora na crise de 2008, que Araújo pesquisou nos últimos anos. Ele é autor de um estudo junto com o economista americano Michael Woodford, da Universidade de Columbia, que é a grande referência teórica das políticas de expansão quantitativa (QE, na sigla em inglês) adotadas pelo Federal Reserve (Fed) e bancos centrais de outras economias avançadas.

Esse estudo — intitulado “Conventional and Unconventional Monetary Policy with Endeogenous Collateral Constrains” — mostra justamente como a compra de títulos privados pelo Fed permitiu a reativação do mercado financeiro na crise financeira de 2008. Com o uso de modelos de equilíbrio geral, uma das especialidades de Araújo, ele chega à conclusão de que a compra de títulos privados pelo Fed provocou a recuperação de ativos usados dados como colateral na tomada de financiamentos. Também participa desse trabalho a economista Susan Schommer, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Para Araújo, do ponto de vista do Brasil, a crise vivida hoje é diferente da de 2008. Naquela ocasião, houve uma queda nas linhas de financiamento internacional, problemas com empresas que usaram derivativos cambiais e estresse em bancos pequenos e médios. Mas não houve um problema de grandes dimensões que travou o mercado de crédito, ao contrário dos Estados Unidos de então e do Brasil atual.

“Agora, temos uma crise de crédito mais importante no Brasil”, diz Araújo. O problema a ser atacado, afirma ele, é a queda dos preços dos colaterais, algo que exigiria a ampliação dos poderes do Banco Central para a compra de títulos privados em mercado. Nos EUA, a discussão é fazer operações com os chamados “junk bonds”, mas no Brasil há papéis com boa qualidade.

Banco Central sugeriu uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que dava plenos poderes para fazer essas operações num momento como o atual, de calamidade pública. Mas o Congresso, receoso de dar muitos poderes ao BC, que não é independente, resolveu colocar algumas travas, dando voz ao Tesouro para aprovar o montante de compras de títulos privados pelo BC.

“Essa é uma dificuldade”, afirma Araújo. “O Tesouro vai ficar discutindo se vai acumular muito risco fiscal na operação, isso é natural na cabeça de uma autoridade fiscal. Seria suficiente colocar uma trava permitindo usar esse instrumento apenas em situação de calamidade.”

Ainda assim, essa limitação de atuar apenas em calamidades — restrição a qual o Fed não está submetido — cria problemas práticos importantes. Uma das questões é se, passado o período de calamidade, o Banco Central teria que vender os papéis — o que poderia causar uma queda de preços. Para Araújo, a resposta à crise atual tem pouco de keynesiano, entendido como uma política de aumentar gastos para sustentar a demanda. Da mesma forma que a resposta nos Estados Unidos à crise de 2008 teve pouco dessas políticas de estímulo defendidas por economistas como Paul Krugman.

“Essa é uma resposta ‘Friedmaniana’ ”, afirma ele, referindo-se ao economista Milton Friedman, um liberal conhecido pela defesa das políticas monetaristas. “Os gastos fiscais são voltados a evitar a desorganização do sistema produtivo. Trata-se de reconstruir o sistema financeiro para evitar que o sistema produtivo sofra tanto.”

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.