PEDRO DORIA: O influenciador, o político, o gado
Sexta-feira, 1 de Maio de 2020
A influenciadora fitness Gabriela Pugliesi deu uma festa de arromba no último sábado convidou outros influenciadores e publicou os vídeos no Instagram. Aglomeração em tempos de pandemia. Como ninguém pensou que era um tiro no pé da própria imagem? Perdeu anunciantes às pencas e começou uma onda de perda de seguidores tão violenta que suspendeu a própria conta. É tática. Daqui a um tempo volta tendo estancado a sangria. Os seguidores continuam lá.
Sabemos o que faz um músico, uma cantora. Um ator, uma diretora de cinema. Um escritor ou uma jornalista. Um deputado, uma prefeita. Inúmeras carreiras dão a quem as segue um banquinho na praça pública, um lugar no qual subir e uma audiência que escutará. Todas são carreiras cujo nome nasce da atividade que a pessoa exerce. Estes nomes nos dão uma expectativa a respeito do que esperar de suas vozes. De artistas, certamente, sensibilidade a respeito das emoções. De jornalistas, o compromisso com os fatos. De políticos, conhecimento técnico da administração pública.
É evidente que nos desapontamos. Há artistas movidos pelo ego, jornalistas que trocam o rigor por interesses pessoais, assim como há políticos despreparados ou corruptos. Somos todos humanos e às vezes humanos vacilam. Mas sabemos o que esperar.
E o que faz um influenciador?
Percebam que o problema já está no nome. É um título que nasceu dentro de agências de publicidade que precisavam explicar aos clientes por que anunciar num certo canal de YouTube ou no Instagram de sei lá quem. Por que anunciar? Porque a pessoa é capaz de influenciar opinião e comportamento dentro de um nicho.
Na primeira geração da internet social, quem era capaz de se comunicar e construir grandes audiências tinha por nome blogueiro. Blogueiro é também descritivo do que faz. Influenciador é mais vago e piorou pela maneira como o mercado publicitário o tratou. Sem precisar lidar com os limites éticos impostos pelo jornalismo, um influenciador topa qualquer coisa por dinheiro. Às vezes tem até alguma preocupação com o que vender. A influenciadora fitness não vai falar de bebida açucarada - mas a preocupação é de coerência de marca, é dada por princípios publicitários. É branding.
Estamos numa fase de transição. Pessoas construirão grandes audiências. Influenciadores, mantenha-se ou não este nome horrível, continuarão a existir. Mas há uma lição fundamental para publicitários e marcas. Construir uma audiência é uma responsabilidade. O que você fala, o que você faz, como você atua quando em público tem de vir com reflexão. Quando o único critério de usar a influência é vender, quando construir audiência serve apenas à venda de produtos, o que sobra eticamente é nada. No fundo, é um tratar o público feito gado. É não ter respeito pela mensagem que se passa.
A palavra gado é importante, aqui. Porque não é diferente do que muitos dos populistas digitais pelo mundo fazem. Quando incorporam desinformação pelas redes sociais como ferramenta política, quando mentir está abertamente tudo bem, quando fake news é só uma estratégia de marketing eleitoral como todas as outras, não é só o eleitor que é ferido. Ele é tratado feito gado manipulável e quem sai ferida é a democracia.
Não sejamos ingênuos. Políticos sempre mentiram. É que, quando pegos, se envergonhavam. Hoje se defendem dizendo que disparar fake news é liberdade de expressão. Não, não é.
A ética na informação que se passa após a construção de uma audiência não mudou porque o mundo ficou digital. É claro que erramos. Todos. E Gabriela Pugliesi pediu desculpas. Que bom. A questão não é pessoal com ela. É com este novo meio. Precisa amadurecer mais rápido.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.