miles@estadao.com; 29/03/2016 | 03h00
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Mr. Miles - O Estado de S.Paulo
Nosso glorioso viajante e correspondente, o sempre
solerte Mr. Miles, informa que, na companhia de sua
mascote Trashie, a raposa das estepes siberianas, acaba
de abrir um valioso single malt da Ilha de Islay para
comemorar o fato de que, segundo suas contas, esta é a
crônica de número 600 na ainda curta história de sua
relação com os leitores do bravo matutino. “Números,
as you know, são apenas marcos”, disse Mr. Miles. “O
surpreendente, my friends é que, depois de tudo isso,
ainda julgo que tenho um número interminável de
histórias para lhes contar.” A seguir, a correspondência
da semana:
Prezado Mr. Miles: o que faz um lugar ser
considerado um achado ou, como dizem outros, um
segredo?
Paulo Severo Ramos, por e-mail
“Well, my friend, sua pergunta é pertinente e vou tentar
respondê-la com um exemplo que considero
esclarecedor.
Não sei se você já esteve em Roma, mas existe um
caminho, muito estreito e recortado, que quase todo
mundo faz quando visita a cidade dos césares. Trata-se
da reunião de múltiplas vias e piazze (ruas e praças)
que, sem pedir permissão aos tempos, une múltiplas
atrações romanas de eras distintas. Digamos que você
comece na Fontana di Trevi, a grande obra de Nicola
Salvi, inaugurada em 1762. Depois de, of course, jogar
sua moeda, você pega o rumo sul em direção ao
Pantheon, o impressionante templo inaugurado no ano
126 pelo Imperador Adriano, que se situa na Piazza
della Rotonda. É o caminho que todos fazem.
Atordoado pelo gigantesco vão livre bimilenar que, my
God, ainda tem um óculo extraordinário no centro de
sua cúpula, seu trajeto seguirá, naturalmente, para as
fontes da Piazza Navona, obras incomparáveis de
Bernini no antigo Estádio de Domiciano, outrora usada
para corrida de bigas.
Yes, dear Paul: isto feito, você terá completado um
roteiro extraordinário que passou por séculos, estilos,
ideias e crenças.
Nevertheless, assim como o de quase todos os
circunstantes, seu caminho terá passado ao largo de um
dos grandes tesouros romanos. No momento em que
você estiver cruzando a pequena Piazza di San Luigi
dei Francesi (Praça de São Luiz dos Franceses), uma
igreja pouco charmosa e quase nada imponente terá
ficado à sua esquerda. Ok: há tantas igrejas em Roma,
que, for sure, ninguém há de visitar todas elas...
Ocorre que, na parede à esquerda do altar da igreja
erguida em 1589, estão ocultas três das mais
importantes obras do mestre do claro-escuro
Michelangelo Merise, mais conhecido como
Caravaggio.
Tenho grandes amigos que ficam arrepiados à simples
menção do nome do artista, que parecia possuir
refletores internos a jogar luzes mágicas em seus
quadros. Eis, portanto, o que é um achado, ou um
segredo (menos secreto agora, I hope). As telas têm o
nome de O chamado de Mateus, A Inspiração de São
Mateus e O Martírio de São Mateus. Confesso que eu
mesmo chorei copiosamente pelo simples ato de
observá-las com a mente aberta.
Mais curioso ainda: as telas ficam sempre no escuro.
Apenas os que sabem de sua existência e têm 1 euro no
bolso podem vê-las. A moeda permite que a luz da
igreja se acenda e ilumine o que já é por si iluminado.
Certa vez, ao revisitar o templo, notei a presença de
dezenas de jovens sentados, aparentemente em
contrição. How wrong I was! Os rapazes e moças, com
os poucos recursos que quase todos têm nessa idade,
rezavam mesmo é para que alguém depositasse 1 euro
na caixa com o disjuntor de luz. E, of course, pegavam
assim a mais bela das caronas de sua vidas. Do it
yourself, dear Paul.
*MR. MILES É O HOMEM MAIS VIAJADO DO
MUNDO.ELE ESTEVE EM 312 PAÍSES E 16
TERRITÓRIOS ULTRAMARINOS.
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