VALOR ECONÔMICO - 02/02/2017
Com o ajuste fiscal em curso e a reconstrução da credibilidade pelo Banco Central, a criação do "depósito voluntário" como alternativa às operações compromissadas parece uma medida oportuna, na visão do ex-secretário do Tesouro Nacional e economista-chefe do Banco Safra, Carlos Kawall. E pode oferecer ao menos três benefícios: o aumento da autonomia operacional perseguida pelo BC, redução da dívida bruta e maior espaço e flexibilidade para que a autoridade monetária reduza a exigência de depósitos compulsórios.
Ontem o presidente do BC, Ilan Goldfjan, informou ao Valor que o novo instrumento a ser adotado terá remuneração idêntica à da operações compromissadas.
Kawall observa que um risco da adoção desse novo instrumento é gerar a percepção de que o governo pretende reduzir artificialmente a dívida pública. Mas, dado o claro esforço do governo no sentido de conter despesas e colocar as contas em ordem, há espaço para que essa discussão ganhe força agora - diferentemente do que se via em 2015, quando a criação do depósito voluntário chegou a ser considerada. "A pré-condição para que o novo instrumento tenha credibilidade é que ele seja implementado num momento em que há um ajuste fiscal em curso, de transparência nas contas públicas, como o atual", afirma. "Este BC que tem credibilidade para criar o instrumento de forma a não parecer um ajuste artificial na dívida."
Hoje, o BC utiliza as operações compromissadas para gerenciar a liquidez do sistema financeiro, que é estruturalmente abundante. Para impedir que a taxa de juros praticada na economia fique abaixo do que foi estabelecido pelo Copom, o BC retira os recursos em excesso por meio da venda de títulos públicos emitidos pelo Tesouro Nacional por um período determinado. No fim do prazo estabelecido, o dinheiro volta para o sistema e os títulos retornam para a carteira do BC. Esse instrumento, que conta com um estoque de R$ 1,047 trilhão, tem como efeito colateral o aumento da dívida bruta, que contabiliza como passivo toda operação que tem como lastro um papel do Tesouro Nacional.
A substituição gradual das compromissadas por depósitos voluntários, observa Kawall, diminuiria essa parcela da dívida bruta, uma vez que o instrumento não implica a emissão de títulos. Além disso, daria ao BC mais autonomia operacional, que deixaria de depender do lastro emitido pelo Tesouro para fazer a gestão da liquidez.
Por fim, Kawall diz que a substituição, ainda que gradual, das compromissadas por depósitos voluntários daria ao BC mais flexibilidade para reduzir os depósitos compulsórios. Isso porque, quando o BC diminui a exigência de depósito dos bancos, há uma sobra de liquidez que precisa ser esterelizada por meio das compromissadas, com efeitos sobre a dívida bruta. O depósito voluntário, portanto, seria uma forma de absorver essa liquidez sem consequências para o endividamento. "Essa já é a prática internacional, e não uma ´jabuticaba´", afirma Kawall, que estudou os balanços de bancos centrais desde 2000, com foco especial nos BCs da Coreia e México.
A viabilidade operacional da substituição das compromissadas pelo depósito voluntário é algo que demandará um estudo atento, concorda Kawall. Um dos pontos a ser considerado é que os bancos usam os títulos do Tesouro dados pelo BC como lastro nas compromissadas em outras operações de captação de recursos, vantagem que o depósito voluntário não oferece.
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