Tradução de Sergio Blum, Estado de São Paulo, 06/02/17
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Em recente ensaio na "Vox" descrevendo minha posição sobre a emergente política comercial do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, salientei que um acordo comercial "ruim", como o Tratado de Livre Comércio da América do Norte (Nafta) é responsável apenas por uma extremamente pequena fração da perda de empregos nos últimos 30 anos. Apenas 0,1 ponto percentual da queda de 21,4 pontos percentuais na participação do setor de manufatura durante esse período é atribuível ao Nafta, que entrou em vigor em dezembro de 1993.
Meio século atrás, a economia americana assegurava uma abundância de empregos em manufatura a uma força de trabalho bem preparada para ocupá-los. Hoje, muitas dessas oportunidades secaram. Esse é, sem dúvida, um problema significativo; mas qualquer pessoa que afirme que o colapso do emprego no setor de manufatura americano resultou de acordos comerciais "ruins" está dizendo tolice.
Os fatos sobre o declínio do emprego no setor de manufatura americano são evidentes; não há "alternativas". Os culpados são, fundamentalmente, o crescimento da produtividade e a demanda limitada, que reduziram a participação dos trabalhadores fora do setor agrícola na indústria manufatureira de 30% na década de 1960 para 12% uma geração mais tarde.
As prioridades da política econômica de Trump (estímulo fiscal, corte de impostos corporativos e taxação de importações) pressionarão o Fed a elevar os juros e apenas fortalecerão o dólar. É uma mensagem clara aos fabricantes nacionais: vocês não são desejados
Essa participação caiu ainda mais, para 9%, devido a políticas macroeconômicas equivocadas, especialmente durante a era Reagan, quando o déficit orçamentário e a política monetária excessivamente rígida fizeram com que o dólar subisse, prejudicando a competitividade. Após esse período, os Estados Unidos abdicaram de seu papel de exportador líquido de capital e finanças, e as economias menos desenvolvidas tornaram-se fontes líquidas de recursos para investimento. Finalmente, o crescimento extraordinariamente rápido da China fez com que a proporção do emprego no setor de manufatura caísse para 8,7%; o Nafta levou-o para 8,6%.
Eu havia prometido ao editor-chefe da "Vox", Ezra Klein, um ensaio de 5 mil palavras sobre esse assunto no fim de setembro. Acabei entregando 8 mil palavras no fim de janeiro, mas o ensaio ainda não exprimiu tudo o que eu desejava. Resumidamente, argumentei que "maus" acordos comerciais são irrelevantes quanto ao problema da diminuição das oportunidades econômicas, e descrevi como a política de comércio - na realidade, a política industrial - americana deveria abordar a questão da manufatura.
Tentei também explicar por que certos círculos, tanto da esquerda como da direita, há muito só falam do comércio. Na realidade, desde 1993 tenho indagado a dirigentes sindicais, membros do Congresso e lobistas que se opuseram a acordos comerciais por que não aplicam o mesmo nível de energia a outras questões importantes - entre elas, muitas onde um terreno comum poderia facilmente ser encontrado.
Essa oposição intransigente persiste até hoje como um mistério para mim. A melhor explicação parcial que já vi começa com a cruel observação do filósofo Ernest Gellner sobre os acadêmicos de esquerda. Segundo Gellner, eles foram atropelados pela história quando a política de nacionalismo e etnicidade começou a tomar o lugar dos esforços de organização política centrados em classes. Os políticos que procuram aproveitar a energia populista o fazem fomentando um antagonismo aos estrangeiros, em perigoso pacto com o diabo.
Mas, de novo, essa é apenas uma explicação parcial e, em última análise, inadequada.
Quanto à política industrial, o economista Stephen S Cohen e eu argumentamos em nosso livro de 2016, "Concrete Economics", que as autoridades governamentais deveriam reconhecer e aproveitar-se das comunidades interconectadas de produtores americanos e seu profundo conhecimento institucional das práticas de engenharia. Além disso, os Estados Unidos deveriam começar a fazer o que países ricos deveriam fazer: exportar capital e gerar superávit comercial para financiar a industrialização em regiões subdesenvolvidas do mundo.
Como observaram Larry Summers e Barry Eichengreen, da Universidade da Califórnia, em Berkeley, é quase como se a estratégia econômica de Trump - se podemos assim qualificar suas declarações vagas e vacilantes - foi concebida para reduzir ainda mais o emprego industrial nos EUA. As prioridades da política econômica de Trump - estímulo fiscal, cortes de impostos corporativos, possivelmente um imposto de "ajuste de fronteira" sobre as importações, pressionando o Fed (Federal Reserve, banco central dos EUA) a elevar os juros - apenas fortalecerão o dólar. E isso envia uma mensagem clara aos fabricantes nacionais: vocês não são desejados.
Trump, naturalmente, não responsabilizará suas próprias políticas incoerentes e contraproducentes pela alta do dólar. Ele culpará a China e o México - e ele não estará sozinho. Nos Estados Unidos hoje, analistas de esquerda estão tão interessados quanto Donald Trump em atribuir ao México a culpa por todo o declínio no emprego industrial nas últimas três décadas.
Esse é um grande problema para os Estados Unidos e para o mundo. Dada a política chauvinista que muitas vezes acompanha o protecionismo - e que são um pilar da marca Trump - pode-se mesmo dizer que é um problema "grandioso".
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