VALOR ECONÔMICO - 16/02/2017
Este início de ano tem sido marcado por certa melhora no sentimento e
nas avaliações de analistas e investidores quanto às perspectivas
imediatas da economia brasileira.
A combinação de inflação e taxa de juros
em queda está influenciando positivamente a atitude de empresários e
consumidores, como sugerem índices de confiança recém-divulgados, a
atividade na indústria parou de encolher e a expectativa de uma
super-safra anima o interior do país.
Os economistas do Itaú Unibanco
trabalham com uma projeção de crescimento de 1% esse ano, acima do
consenso do mercado (0,5%, segundo o relatório Focus, do BC, no final de
janeiro), mas este pode começar a se deslocar para cima.
Essa
incipiente (e ainda sujeita a reversões) mudança de humor não se
estende à avaliações de médio prazo - no momento, estimamos que o
crescimento potencial da economia não passa de 2% (e muitos analistas
acham que seria até menor do que isso). Uma das razões para esse
pessimismo estrutural é a baixa taxa de investimento da economia, uma
média de 19,4% do PIB nos últimos dez anos, frente aos 22,5% na média
dos outros países da região e 31,3% nos mercados emergentes.
Evidentemente, como mencionado em coluna anterior, esta taxa de
crescimento é insuficiente para colocar o Brasil em rota de convergência
para o padrão de vida observado nas economias avançadas - afirmando de
forma simples, com um crescimento potencial de 2% o país estará
condenado à estagnação relativa.
O atual governo, bem como
o anterior, não se mostra satisfeito com essa situação e, também como o
que o precedeu, aponta a infraestrutura como área mais promissora para
alavancar o crescimento de curto e médio prazo da economia. A vantagem
da atual administração é uma atitude menos preconceituosa ante o setor
privado, com o aparente abandono da malfadada prática de tabelamento de
taxas de retorno e da ênfase no protagonismo estatal.
A forma mais direta de oferecer proteção cambial aos investidores é indexar as tarifas ou pedágio à taxa de câmbio
A
opção pelo crescimento guiado pelo Estado parece desprezar evidências
históricas, que demonstram a capacidade da iniciativa privada de liderar
o processo de investimento também no campo da infraestrutura.
O
curioso é que essas evidências são tão abundantes quanto antigas. O
excelente "The Pursuit of Glory: Europe 1648-1815", do antigo professor
de Cambridge, Tim Blanning, conta como o investimento privado levou, a
partir da aprovação pelo parlamento dos "Turnpike Acts", no final do
século XVII, a uma explosão da construção de estradas pedagiadas por
empresários privados. Esse processo levou à formação de um espaço
econômico nacional - o que favoreceu a revolução industrial inglesa - e a
uma drástica diminuição da duração das viagens dentro do Reino Unido: o
tempo de viagem entre Londres e Bath caiu de 50 horas em 1700 para 40
em 1750 e "apenas" 16 horas em 1800, ainda antes da explosão do
transporte ferroviário, que viria nos anos 1840, ao passo que as viagens
até Edimburgo tiveram redução de 256 para 150 e, finalmente, 60 horas
nesse período.
As estradas britânicas privadas não
necessariamente eram as melhores do ponto de vista técnico - os
franceses tinham (como ainda têm) engenheiros de mais alta qualidade -,
mas eram as mais eficientes do ponto de vista econômico, visto que sua
construção seguia o princípio da maximização de lucros. A Espanha também
tinha algumas estradas de boa qualidade, mas, para o azar da sua
economia, estas visavam mais facilitar os deslocamentos da família real
entre seus diversos palácios do que o transporte de mercadorias.
Talvez
o melhor contra-exemplo citado por Blanning se refira à Sicília. Na
década de 1770, o governo local indicou um engenheiro militar para
planejar uma estrada entre Palermo e Catânia. O encarregado sequer
completou o plano, pois não conseguiu administrar as pressões por parte
das diversas autoridades e da nobreza, que insistiam que a estrada
passasse por suas respectivas localidades ou propriedades,
ziguezagueando pela ilha, o que inviabilizou o desenho de um trajeto
minimamente racional entre as citadas cidades.
A superação
do preconceito anti-lucro é um avanço. Mas dificuldades persistem. Além
da questão das fontes de financiamento, grandes empresas multinacionais
de infraestrutura têm manifestado duas preocupações com certa
frequência. Uma parece ser passível de solução relativamente simples, a
outra vai requerer um pouco mais de criatividade.
A
primeira refere-se à proteção cambial. Quem investe em euros, dólares ou
ienes quer ser remunerado nessas moedas, não em reais. A forma mais
direta e simples de oferecer proteção cambial aos investidores é indexar
as tarifas ou pedágio, de forma adequadamente suavizada, por meio de
médias móveis longas, à taxa de câmbio. Para quem se assusta com isso,
vale lembrar que os preços dos combustíveis e a energia elétrica de
Itaipu já são dolarizados. Vale notar também que projetos de
infraestrutura voltados ao comércio internacional de bens e serviços,
como certas estradas, portos e aeroportos, tendem a ter receitas
sensíveis aos movimentos cambiais. A saída pela dolarização (com a
devida cautela) atenderia muitos projetos de infraestrutura, ainda que
não todos.
O outro problema é setorial. O segmento de
construção pesada, que ofereceria parceiros nacionais para os
investidores externos em infraestrutura, encontra-se em boa medida
fragilizado pelos efeitos das atuais (e bem-vindas) investigações sobre
corrupção. Será necessário, portanto, trabalhar para trazer novos atores
para o setor, como empresas de construção que trabalham em outros
segmentos, ou mesmo financiar a formação de novas companhias, com novas
práticas e nova governança, mas que se beneficiem do capital humano, os
engenheiros e técnicos, que existem nas empresas antigas.
Sem
enfrentar esses problemas, mesmo que a questão do financiamento seja
equacionada, nosso setor de infraestrutura corre o risco de, apesar de
enorme demanda não atendida, ficar parado no tempo, como a Sicília
setecentista.
Mario Mesquita é economista-chefe do Itaú Unibanco
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