O ESTADO DE S. PAULO 17/02/2017
E m 1897 foi apresentada uma lei em Indiana, nos EUA, que, entre outras
medidas, determinava um valor exato para a relação entre o diâmetro e a
circunferência de um círculo, "tabelando" Pi, um número irracional, em
3,2. Um professor de Matemática da Universidade de Purdue, assustado com
essa barbaridade, acabou impedindo sua aprovação.
Hoje não é
esperar uma repetição de algo similar, isto é, decisões de fazer ou
aplicar as leis sem racionalidade. Mas isso continua a ocorrer no
Brasil.
Quando o assunto é de natureza econômica, a
racionalidade muitas vezes é esquecida. Por exemplo, há casos de
determinação judicial de prorratear taxas de inflação, que crescem de
forma geométrica - exigindo cálculos exponenciais -, de forma
aritmética. O resultado são taxas matematicamente incorretas, mas que se
tornaram jurisprudência.
Ou, então, decisões sobre
correção monetária que determinam a aplicação de uma taxa de inflação e
uma de juros, com a inflação sendo a do INPC e a taxa de juros, a Selic;
como a última é uma taxa nominal, que já contém a inflação, resulta
numa dupla contagem ou, no jargão jurídico, num bis in idem da inflação.
Na mesma linha das contradições matemáticas, são comuns
decisões que, num conjunto de valores oscilando em torno de uma média,
determinam que alguns desses valores não possam ultrapassar essa média.
Parece absurdo? Sim, mas é exatamente esse o significado, por exemplo,
de uma medida que estabelece que o aumento de preços - de remédios,
passagens de ônibus, etc. - não pode superar a inflação do período.
A
inflação é medida por um índice, que apura uma média de variações de
preços; os preços alteram-se em função de inúmeras condições de produção
e mercado de cada produto.
Querer que essas condições
resultem numa variação de preços para um determinado produto inferior à
media dos demais só corresponderia à realidade por uma coincidência
extremamente improvável.
Se houvesse leis determinando que
pontes fossem feitas sem pilares, estas cairiam. Se uma jurisprudência
determinar que o valor de Pi deve ser 3,2, os cálculos resultarão em
círculos que não se fecham. Já um erro no cômputo da correção monetária
ou na fixação de um preço pode ser desastroso, mas isso será um problema
de quem foi condenado a pagar, e não da matemática. Contudo essas
decisões existem, são aceitas e se perpetuam.
Os problemas
mais graves, no entanto, decorrem de leis e decisões de efeito amplo
que se contrapõem a alguns dos princípios básicos da ciência econômica,
com resultados opostos aos desejados.
Um exemplo é dado
pelas decisões que ignoram que bens ou serviços têm custo. Se alguém
recebe algo "gratuito", outrem o pagou. E este não é o governo, pois,
num segundo princípio básico, governo não produz, apenas transfere
recursos de outros. E quem consome, produz ou vende um bem ou serviço só
vai consumi-lo, produzi lo ou vendê-lo se auferir algum benefício
econômico. Determinar que algo seja gratuito ou vendido abaixo de seu
custo implica um incentivo para que esse algo não exista no mercado.
Quando
se decide que uma prefeitura não pode aumentar o preço da passagem de
ônibus, além de invadir a esfera técnica, indiretamente se está
determinando que alguma outra atividade da prefeitura deixe de ser
executada - afinal, os recursos são limitados. Alguns podem ter viajado
de graça, mas à custa da saúde de outro que não teve o remédio
necessário no hospital, ou em prejuízo do futuro de uma criança que
ficou sem estudar por falta de professor na sala de aula.
Uma
decisão ou legislação que contrarie o princípio básico de que agentes
econômicos reagem a incentivos vai fracassar ou exigirá um custo muito
grande para ser obedecida, tornando sua aplicação antieconômica e
ineficiente. Por vezes, dará um resultado na direção oposta, estimulando
mecanismos de fraude e corrupção.
Congelar preços de um
produto, por exemplo, leva-o a desaparecer do mercado. Em contrapartida,
uma decisão bem desenhada, que leve em conta a natureza humana, fará
seus objetivos serem atingidos.
Também é claro que os objetivos devem ser possíveis de atingir.
Decisões
irrealistas, que por decreto congelem preços, queiram aumentar a renda,
obriguem a produzir coisas que ninguém no país sabe fazer ou faz a
custo muito maior, ou que deslocam fábricas para locais remotos,
desprezando custos de transporte, tendem a fracassar.
O
incentivo dado por decisões irrealistas aumenta a ineficiência de uma
economia. Ao incentivar uma atividade inexequível, criam-se
simultaneamente as condições para sua defesa e preservação. Os
beneficiá- rios diretos de um empreendimento que seria inviável têm
incentivo a buscar novas decisões que o viabilizem, obrigando o restante
dos habitantes do país a pagar mais pelo que é produzido.
Como
o incentivo direto dos beneficiários é muito maior que o desincentivo
indireto para o resto do país, a vontade dos primeiros acaba
predominando.
O resultado pode não ser um fracasso direto
do empreendimento, que sobrevive graças à diluição do custo da
inviabilidade econômica entre todos. No longo prazo, a ineficiência
acaba prevalecendo e o seu fracasso se dissemina sutilmente por toda a
economia.
Apesar das controvérsias da macroeconomia, os
princípios de racionalidade econômica aplicados no dia a dia são
relativamente poucos e podem ser explicados de forma trivial.
Mas
são muito mal compreendidos no Brasil. Discute-se muito o currículo
escolar, mas ensinar, esclarecer aos estudantes que governos só
transferem, não criam renda, e que sua ação deve basear-se em princípios
econômicos comprovados não é uma preocupação. Esse ensinamento, que
deveria ser ainda mais enfatizado para as profissões que criam e aplicam
as leis, permitiria formar profissionais mais capazes para impedir
decisões absurdas, conceitualmente similares àquela de há 120 anos em
Indiana.
O incentivo dado por decisões irrealistas aumenta a ineficiência de uma economia
ECONOMISTA, É SÓCIO-DIRETOR DA TENDÊNCIAS CONSULTORIA INTEGRADA
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