terça-feira, 19 de setembro de 2017

As 'Big Tech' ganham muito às nossas custas (Rana Foroohar, Valor)



Valor Econômico | Opinião – 19/09/2017

Rana Foroohar: As 'Big Tech' ganham muito às nossas custas

Nas últimas semanas cresceram as pressões para que políticos e autoridades reguladoras coíbam o poder monopolístico das "Grandes da Tecnologia". Em discurso pronunciado em Washington no dia 12, Maureen Ohlhausen, a presidente interina da Federal Trade Commission (FTC, órgão que regulamenta o comércio dos Estados Unidos), tentou jogar um balde de água fria na ideia. "Em vista dos claros benefícios, para o consumidor da inovação puxada pela tecnologia", disse ela, "estou preocupada com a investida em favor da adoção de uma abordagem que possa desconsiderar os benefícios ao consumidor na busca de outros objetivos, talvez igualmente conflitantes".
As palavras dela corroboram a política antitruste americana dos últimos 40 anos: se as empresas reduzirem os preços para os consumidores, podem ser grandes e poderosas, econômica e politicamente, o quanto quiserem. Isso favorece enormemente empresas como Google, Facebook e Amazon, que oferecem serviços e produtos, que vão desde resultados de busca até plataformas de autopublicação, que não são apenas baratas, e sim gratuitas.
Mas Ohlhausen está deixando de considerar um ponto fundamental: grátis não é grátis quando se considera que não estamos pagando por esses serviços em dinheiro, e sim em dados, que incluem tudo, desde os números dos nossos cartões de créditos até registros de compras, passando por opções políticas e históricos médicos. Qual é o valor desses dados pessoais?
A questão é se não se deveria ter o direito não só de controlar o uso de nossos dados como também o do valor econômico criado a partir deles. Será preciso ser criativo para garantir que esse admirável mundo novo não se torne uma sociedade em que vigora a lei do mais forte
Essa é uma questão de crescente interesse para todos, de economistas a artistas. Por exemplo, na Datenmarkt, uma instalação de arte com supermercado montada em Hamburgo em 2014, uma lata de frutas era vendida por cinco fotos no Facebook; um pacote de torradas, por oito "curtidas", e assim por diante.
A conclusão é que é quase impossível atribuir um preço exato a dados pessoais, em parte porque as pessoas têm comportamentos e ideias amplamente diversificadas sobre a probabilidade que elas têm de repassá-los, dependendo de como as ofertas são apresentadas. Em recente estudo, quando se perguntou aos consumidores, francamente, se eles permitiriam ser rastreados por uma empresa de mídia digital de marca conhecida em troca de receberem uma publicidade mais "útil", 80% disseram não.
Mas outro estudo publicado neste ano por pesquisadores do Massachusetts Institute of Technology (MIT) e pela Universidade de Stanford mostra o quanto é pateticamente pequeno o incentivo necessário para convencer as pessoas a entregar toda a sua lista de contatos de seu e-mail. Os estudantes participantes do estudo ficaram muito mais tendentes a fazer isso ao lhes ser oferecida uma pizza grátis.
Pode-se argumentar que é assim, simplesmente, que o mercado funciona. Os consumidores foram defrontados com uma escolha e a fizeram. Se ela foi boa ou não, nos nos cabe julgar.
Mas, como também demonstrou este último estudo, as companhias podem persuadir os usuários a repassar seus dados mais livremente se lhes disserem que esses dados serão protegidos por tecnologia criada para "impedir que os olhos curiosos de todos, desde governos a provedoras de serviços de internet..., vejam o conteúdo das mensagens". Na verdade, a tecnologia de criptografia em questão não pode garantir isso.
A conclusão é a de que o "big data" [processamento veloz de enormes quantidades de dados] faz o jogo pender decisivamente em favor dos próprios maiores participantes digitais. Eles são capazes de extrair informações e de "plantar" sugestões que nos levarão a decisões totalmente diferentes, coisa que resulta em lucros ainda maiores para eles.
Isso não apenas é um excesso de poder para qualquer empresa como também é fator anticompetitivo e distorsivo do mercado, no sentido de que as regras básicas do capitalismo, tal como o conhecemos, estão sendo subvertidas. Neste cenário não existe igualdade de acesso às informações de mercado. Não existe, certamente, qualquer transparência de preço.
Os dados pessoais que repassamos com tamanha liberalidade estão sendo abundantemente monetizados pelas empresas mais ricas do planeta (a margem operacional do Facebook no segundo trimestre foi de 47,2%, por exemplo). Elas obtêm sua matéria prima (nossos dados) mais ou menos gratuitamente, e depois cobram varejistas e anunciantes pelo acesso a eles, que, por sua vez, repassam esses custos para nós de uma forma ou de outra - digamos, um dólar a mais por aquela taça de vinho servido pelo bistrô que você encontrou por meio de uma busca. Elas têm autorização para imprimir dinheiro, sem muitas das restrições, em termos de todo tipo de compromisso financeiro corporativo, enfrentadas por muitos outros setores.
Essas empresas são muito menos inovadoras do que propriamente "mercadoras de atenção", para tomar de empréstimo uma expressão do professor de direito Tim Wu, da Universidade de Columbia. Os economistas ainda não atribuíram números ao efeito líquido disso sobre a produtividade e o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Eles certamente são altos. Mas qualquer cômputo terá de incluir também os custos de concorrência, na medida em que essas empresas engolem competidores e reformulam a economia do século 21 em seu favor.
Seja o que a FTC disser agora, há um crescente número de processos judiciais que poderão mudar as regras de base das "Grandes da Tecnologia". Enquanto a legislação antitruste americana se baseia em interpretações muito literais do "Sherman Act", de 1890, os parlamentares europeus adotam uma abordagem mais ampla. Eles estão tentando avaliar em que medida vários participantes do ecossistema econômico estão sendo afetados pelas gigantes digitais.
Começo a me perguntar se não deveríamos, todos nós, ter o direito mais explícito não apenas de controlar como nossos dados são usados como também sobre qualquer valor econômico criado a partir deles. Quando a riqueza reside primordialmente na propriedade intelectual, é difícil imaginar algum outro meio de fazer essa conta fechar. Vivemos num admirável mundo novo, com uma moeda inteiramente nova. Será necessário ter pensamento criativo - do ponto de vista econômico, jurídico e político - para garantir que ele não se torne uma sociedade em que vigora a lei do mais forte. (Tradução de Rachel Warszawski)
Rana Foroohar é colunista de negócios mundiais e editora associada do Financial Times em Nova York.

@tecnologia @informática

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