Quarta-feira, 27 de setembro de 2017
JOÃO CARLOS MARTINS: João, o maestro
Autor: JOÃO CARLOS MARTINS
Sempre digo que o
meu problema é muito menor do que o de uma pessoa que tenha perdido a visão ou
ficado tetraplégica, etc, etc.., mas pela exposição na mídia sinto uma
responsabilidade enorme junto a pessoas portadoras de deficiências. Afinal, sou
simplesmente um pianista que perdeu as mãos para o piano, do ponto de vista
profissional.
Na semana passada,
tive uma das experiências mais emocionantes da minha vida, quando o filme
"João, o Maestro", após uma pequena palestra minha, foi apresentado
para detentos do Complexo de Bangu no Rio de Janeiro, no mesmo dia em que a
cidade viveu momentos dramáticos de violência e medo, que impressionaram
profundamente o Brasil e o resto do mundo.
Um amigo
jornalista de São Paulo, por telefone, brincou comigo dizendo que eu estava no
lugar mais seguro do Rio de Janeiro naquele momento. Mas o que me impressionou
mesmo foi ver que a maioria dos detentos tinha a idade média entre 20 e 27
anos.
Surpreendeu-me o
quanto eles choraram após assistirem ao filme, que não tem nada a ver com
violência, com uma trilha sonora, pela primeira vez no Brasil, com Bach,
Beethoven, Ravel, Tchaikovsky, Ginastera e Villa-Lobos, mas que aborda, do
começo ao fim, como ultrapassar adversidades, como reconhecer erros e procurar
corrigi-los, e como tentar aprimorar suas qualidades.
Em outras palavras,
o filme trata da palavra superação, que prefiro chamar de teimosia, e da
trajetória da esperança em relação à vida.
Não me contive,
ultrapassei as barreiras e fui ao encontro destes jovens que quase me afogaram
entre abraços e lágrimas, compartilhadas com a deste "velho maestro".
Comecei a
refletir, mais do que nunca, sobre o que formadores de opinião sempre dizem -o
maior problema do Brasil chama-se educação, que automaticamente está aliada à
cultura.
Aproveito para
repetir aqui a célebre frase de Villa-Lobos, que dizia que não é um povo
inculto que irá julgar as artes, mas sim as artes é que mostram a cultura de um
povo.
Por que nós não
seguimos outros países que têm como objetivo primeiro a educação, resultando
numa evolução fantástica como exemplo de nação?
"João, o
Maestro" me trouxe uma enorme satisfação pelo perfeccionismo tanto da
direção, quanto da produção e dos atores, como pela receptividade que tive de
todos aqueles que assistiram.
O filme começará
sua carreira internacional nos próximos meses, me incentivando cada vez mais a
continuar minhas ações por este Brasil afora, mas creio que raros momentos
poderão se igualar à emoção que tive vendo a reação dos cerca de 300 jovens de
Bangu, que nos seus olhares mostravam que toda pessoa também pode ter o bem
dentro de si.
JOÃO CARLOS
MARTINS, 77, é maestro da Bachiana Filarmônica SESI-SP
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