sexta-feira, 29 de setembro
de 2017
O Globo | Opiniao
José Paulo Kupfer: Raízes das
desigualdades
Forma-se um
consenso em torno da constatação de que o sistema tributário e as políticas
fiscais estão no centro dos desafios distributivos
A discussão sobre
as razões do fenômeno da apropriação desequilibrada em favor dos mais ricos da
renda produzida na sociedade, que já tinha passado por uma onda acalorada não
faz muito tempo, está de volta — aqui e lá fora. Não é que o tema, que ganhou
novas luzes na esteira do lançamento, em 2013, de “O capital no século XXI”, do
economista francês Thomas Piketty, tenha sido abandonado desde então. Mas o
fato é que voltou a ganhar relevância como um dos elementos capazes de ajudar a
explicar as últimas vitórias eleitorais, nas economias avançadas, de grupos à
direita do espectro político, que, com programas xenófobos e isolacionistas,
sensibilizam contingentes locais de novos excluídos.
Campeão mundial da
desigualdade, o Brasil não ficou imune ao debate do momento, mas por razões
diferentes. Estudos mais abrangentes, recentemente publicados — não limitados
às informações dos entrevistados nas pesquisas nacionais domiciliares, que
incluem agora a análise de declarações do Imposto de Renda — abriram espaço
para contestações da narrativa preferida do ex-presidente Lula e do PT, em que
os ganhos sociais, com redução da pobreza, da informalidade e das desigualdades
de renda, nos governos petistas, são o carro-chefe.
Quase ao mesmo
tempo, nas últimas semanas, trabalhos do economista Marc Morgan, do grupo de
Piketty, e um relatório da Oxfam Brasil (http://bit.ly/2xEyZZh), seção local da
prestigiada organização social internacional de combate à pobreza e à
desigualdade, trouxeram um quadro mais completo da trajetória, na última década
e meia, de queda das desigualdades brasileiras — não somente em relação à renda
do trabalho, mas agora também relativas à renda total, gênero e cor da pele. A
conclusão, quando agregadas informações sobre rendas de capital, é a de que as
desigualdades caíram no período, mas menos do que as estatísticas limitadas
mostravam e os governos petistas apregoavam.
No âmbito dos
países centrais, a questão da desigualdade tem sido mais considerada na perspectiva
do crescimento econômico e de seu impacto inclusivo adverso. O FMI, a
propósito, preparou um texto de apoio à reunião de cúpula do G-20, no
mês de julho, em Hamburgo, na Alemanha, com o título “Promovendo crescimento
inclusivo” (http:// bit.ly/2wns45n, em inglês), no qual conclui que o
crescimento econômico é condição necessária, mas não suficiente para promover o
desenvolvimento. Este, destaca o documento, só se apresenta mais consistente e
por períodos mais prolongados de tempo se acompanhado de políticas inclusivas e
de redução das desigualdades.
Em comum com os
estudos sobre os efeitos negativos das desigualdades na economia brasileira, os
documentos mais recentes do FMI sobre o tema também ressaltam o papel
das políticas fiscais na promoção do desenvolvimento inclusivo. Sob esse
guarda-chuva se abrigam tanto um sistema tributário progressivo quanto os
gastos públicos em programas de acesso à educação e saúde, além de cuidados com
os reflexos de ações econômicas modernizadoras — como, por exemplo, as
promotoras de abertura e inserção no comércio internacional —, no meio ambiente
e na absorção de mão de obra menos qualificada.
Faz todo sentido,
como aponta o consenso que os estudos mais recentes e abrangentes estão
formando, colocar o sistema tributário no centro do desafio distributivo. Não
há erro, de fato, em considerá-lo uma impressão digital da organização da
sociedade, quando se levam em consideração os processos, inclusive históricos,
que conduzem ao seu desenho. Observado sob esse ângulo, é válido parodiar a
conhecida máxima e sentenciar: diz-me como tributas, que te direi quem és.
Assim, a naturalidade brasileira do convívio com a desigualdade, talvez herança
do longo período escravagista, espelha perfeitamente uma construção tributária
caótica e anômala, na qual, em contraste com as regras universais, quem pode
mais contribui menos com os recursos necessários para assegurar o bem comum.
@economia @desigualdade
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