Terça-feira, 26 de setembro de 2017
Jeffrey Frankel: Por que os mercados subestimam o risco
Durante
a maior parte de 2017, o Índice de Volatilidade da Bolsa de Opções de Chicago
(Vix, em inglês) desceu aos níveis mais baixos da última década. Recentemente,
o Vix caiu abaixo de nove, ainda mais baixo do que em março de 2007, às
vésperas da crise subprime, que quase detonou o sistema financeiro mundial. Os
investidores, ao que parece, estão mais uma vez deixando de perceber o grau de
riscos que povoa o mundo.
Conhecido
coloquialmente como o "índice do medo", o Vix mede a sensibilidade
dos mercados financeiros à incerteza - ou seja, a probabilidade percebida de
grandes flutuações de valor no mercado de ações - conforme sinalizado pelos
preços de opções sobre índices de ações. Um Vix baixo indica um período de
risco, quando os investidores "buscam rendimento", trocando títulos
do Tesouro americano e outros títulos seguros por ativos mais arriscados, como
ações, títulos de empresas, propriedades imobiliárias e operações de
"carry trade" com moedas.
É nesse ponto em
que estamos hoje, apesar da diversidade de riscos reais com que se defronta a
economia. Embora cada um desses riscos provavelmente permaneça baixo em
determinado mês, o número atipicamente grande deles implica uma chance razoável
de que pelo menos um se materialize nos próximos anos.
O primeiro grande
risco é uma explosão de uma bolha no mercado de ações. Os principais índices do
mercado de ações atingiram níveis recordes em setembro nos EUA e em outros
países, e os preços estão altos em relação a benchmarks como ganhos e
dividendos. A proporção ciclicamente corrigida da taxa preços-lucro de Robert
Shiller está agora acima de 30 - um nível anteriormente alcançado apenas duas
vezes, nos picos de 1929 e 2000, ambos seguidos por colapsos nas bolsas de
valores.
Também estamos
diante do risco de uma explosão de uma bolha no mercado de títulos. Alan
Greenspan, ex-presidente do Federal Reserve, sugeriu recentemente que o
mercado de títulos está ainda mais sobrevalorizado (ou "irracionalmente
exuberante") do que o mercado de ações.
O mercado está
acostumado à quedas na rentabilidade dos títulos: tanto os de empresas como do
governo estavam em tendência declinante entre 1981 e 2016. Mas as taxas de juro
não podem baixar muito mais, hoje; na verdade, elas deverão subir,
particularmente nos EUA, mas o Banco Central Europeu e outros grandes Bancos
Centrais também parecem estar iniciando um ciclo de aperto. Se, digamos, um
aumento na inflação gerar expectativas de que o Fed vai subir os Juros
mais agressivamente, poderá ocorrer um crash no mercado de títulos ou de ações.
O risco
geopolítico também está alto - com efeito, poucas vezes foi maior do que hoje,
assim como raramente foi menor a fé na influência estabilizadora da liderança
mundial americana. O risco mais acentuado diz respeito ao avanço do programa
nuclear da Coreia do Norte, mas também há riscos substanciais no Oriente Médio
e em outras regiões.
Esses riscos estão
sendo exacerbados pelo presidente dos EUA, Donald Trump, que cometeu uma série
de erros de política externa: da condução inadequada da crise com a Coreia do
Norte a ameaças de abandonar o acordo nuclear com o Irã. Até agora, as
consequências da retórica amalucada de Trump no front doméstico foram
limitadas, porque a maior parte não se traduziu em legislação.
Internacionalmente, porém, poderá ter implicações desastrosas.
Talvez os
investidores venham a reavaliar os riscos que afetam a economia hoje, e o Vix,
o 'índice do medo', se ajustará. Mas se a história pode servir de guia, isso
não acontecerá até que o choque negativo, seja lá qual for, efetivamente chegar
Além do caráter
errático de Trump, há uma crise mais ampla na política americana. Apesar de os
enfrentamentos no Congresso dos EUA sobre o teto da dívida não terem resultado
numa paralisação do governo neste mês, os líderes americanos apenas empurraram
a questão para o fim do ano, quando o que estará em jogo poderá ser mais
crítico, e o impasse, mais intratável. Os EUA poderão até mesmo viver uma crise
constitucional, se o conselheiro especial Robert Mueller encontrar, por
exemplo, evidências de contatos ilegais entre a campanha de Trump e o governo
russo.
Na última vez em
que o Vix esteve tão baixo quanto hoje - em 2006 e início de 2007 -, também era
possível listar um longo rol de possíveis crises. Mais obviamente, os preços
das moradias no Reino Unido e nos EUA estavam em níveis recordes em relação a
parâmetros referenciais, como aluguéis, intensificando o risco de um colapso.
No entanto, os mercados funcionavam como se o risco fosse baixo, pressionando
para baixo o Vix e os rendimentos dos treasuries e elevando os preços das
ações, de títulos de alto risco e de títulos soberanos emergentes.
Quando o mercado
imobiliário realmente entrou em colapso, isso foi considerado uma surpresa. O
colapso estava fora de qualquer distribuição de probabilidade padrão que
pudesse ter sido estimada a partir de dados passados, disseram analistas e,
portanto, foi um evento do tipo incerteza Knightiana, um "cisne
negro", incerteza radical ou desconhecidos desconhecidos. Afinal,
argumentaram os analistas, os preços das moradias nunca haviam caído em termos
nominais antes.
Mas, embora os
preços nominais das habitações não tivessem caído, nos EUA, nos 70 anos
anteriores, eles haviam caído no Japão na década de 1990 e nos EUA na década de
1930. Não se tratou, portanto, de um caso de incerteza Knightiana, mas de
incerteza clássica, em que o conjunto de dados gerador da distribuição de
probabilidades era desnecessariamente limitado a algumas décadas de observações
domésticas.
Nesse sentido, o
termo "cisne negro" é mais apropriado - na verdade, mais adequado do
que percebem os que o empregam. Filósofos britânicos do século XIX citavam os
cisnes negros como o exemplo por excelência de um fenômeno cuja ocorrência não
poderia ser deduzida dos dados observados. Mas isso também refletiu a não
consideração de dados suficientes de países ou séculos. (O cisne negro é uma
espécie australiana identificada pelos ornitólogos no século XVIII).
Esse tipo de falha
em assumir uma perspectiva suficientemente ampla revela-se uma razão
fundamental para que os investidores subestimem periodicamente os riscos. As
fórmulas para definir preços de opções, por exemplo, envolvem uma estimativa
estatística de variâncias. Da mesma forma, a fórmula para estimar o valor de
títulos garantidos por financiamentos habitacionais exige uma estimativa
estatística da distribuição de frequência de calotes. Analistas estimam esses
parâmetros usando apenas anos mais recentes de dados para o país em questão.
Além disso, no ciclo bolha-estouro descrito por Hyman Minsky, um período de
baixa volatilidade seduz os investidores, levando-os a uma falsa sensação de
segurança que os leva a ficarem alavancados e, finalmente, a produzir um
acidente.
Talvez os
investidores venham a reavaliar os riscos que afetam a economia hoje - e o Vix
se ajustará. Mas se a história pode servir de guia, isso não acontecerá até que
o choque negativo, seja lá qual for, efetivamente chegar. (Tradução
de Sergio Blum)
Jeffrey
Frankel é professor de formação de capital e crescimento na Universidade
Harvard. Copyright: Project Syndicate, 2017.
www.project-syndicate.org
@economia @ crise internacional
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