O Globo
Opinião
12/06/2020
Uma agenda mínima deve incluir os investimentos em petróleo
Alexandre Manoel, Décio Oddone
Décio Oddone**
A diferença entre receitas e despesas do governo federal, sem considerar os juros da dívida, ou superávit primário, foi de 2,1% do Produto Interno Bruto (PIB), em 2002. Nos três anos seguintes, o governo continuou a perseguir o ajuste fiscal. O superávit passou para 2,6% do PIB, em 2005, o que causou uma queda na taxa real de juros e no endividamento público.
O Brasil fazia reformas microeconômicas e parecia próximo de um consenso sobre uma agenda mínima, que compreenderia a busca do equilíbrio das contas públicas e a manutenção das iniciativas que vinham dando certo, como os contratos de concessão no setor de petróleo e gás.
Estava em discussão a proposta de déficit nominal zero, que aprofundaria o ajuste fiscal e produziria uma forte redução na dívida. A descoberta do pré-sal representava oportunidade única para complementar esse processo. Estimativas indicam que poderia atrair investimentos da ordem de R$ 600 bilhões até 2014 e gerar por volta de R$ 500 bilhões em receitas públicas entre 2014 e 2017.
No entanto, a partir de 2008, o governo passou a conceder vultosos subsídios tributários. De 2,4% do PIB, no ano anterior, passaram a 4,5%, em 2014, patamar mantido até hoje. Além disso, depois da euforia com o pré-sal, o modelo de concessão foi substituído pelo de partilha. A indústria do petróleo foi contida no seu melhor momento. As expectativas de investimentos e arrecadação não se confirmaram.
Os reflexos não tardaram. Simulações indicam que a taxa de investimentos poderia ter chegado à casa dos 24% do PIB. Foi de 20% no período de 2011 a 2014. Naquele ano, foi contabilizado um déficit de 0,6%. Se os subsídios tributários não tivessem sido elevados e as receitas decorrentes da produção de petróleo tivessem sido auferidas, o setor público poderia ter logrado um superávit consolidado de 2% do PIB.
Dessa forma, a despeito de qualquer discussão em relação ao papel do Estado na economia ou sobre a adoção de uma agenda liberal ou desenvolvimentista, se a agenda mínima que contemplava controle dos gastos e estímulo à exploração de petróleo tivesse sido mantida, as contas públicas teriam permanecido num patamar adequado, com dívida e inflação bem menores. A sensação de bem-estar teria aumentado, desestimulando a polarização na sociedade.
A falta de uma agenda mínima provocou a situação de desequilíbrio fiscal, com altos juros reais, dívida em trajetória explosiva e inflação elevada. A crise política gerada pelo desequilíbrio que vigia em 2014 teve como consequência o conturbado biênio 2015-2016, período em que prevaleceu o diagnóstico de que o forte crescimento das despesas era o principal problema, e que concluiu com a implantação do teto dos gastos públicos, em dezembro de 2016.
Desde então, o ajuste fiscal do governo federal tem se dado pela diminuição de 1,5% do PIB no patamar dos subsídios financeiros e creditícios, pela redução dos investimentos públicos de uma média de 1,1% do PIB entre 2014-2016 para 0,7% do PIB entre 2017-2019 e pela reforma da previdência, que foi aprovada no ano passado, mas ainda não teve efeitos financeiros internalizados. Ainda assim, a travessia para retomar a trajetória de sustentabilidade fiscal será longa e depende de reformas adicionais.
Ademais, como lembrou o economista Armínio Fraga, em artigo na Folha de São Paulo, em 30/05, a Covid-19 trouxe a necessidade de se obter recursos para investimentos públicos em áreas como saúde, tecnologia e infraestrutura. Segundo ele, é preciso conter contratações e salários no setor público, assim como eliminar cerca de 2% dos subsídios, o que traria um ajuste de aproximadamente três pontos do PIB, no curto prazo.
A proposta pode ser complementada pelo lado das receitas públicas. Como na década passada, o setor de petróleo e gás pode contribuir. Os últimos leilões produziram contratos que devem atrair recursos que ajudarão na formação bruta nacional de capital fixo e no equilíbrio fiscal. Dez anos atrás a mudança de regime e a postergação dos leilões retardaram a exploração. Agora a ameaça vem dos efeitos do coronavírus na indústria. Como essa oportunidade não pode ser novamente desperdiçada, os impactos da pandemia devem ser considerados no planejamento do setor, mantendo-o atrativo, conforme a nova realidade que se impuser.
Assim, se o governo federal contiver os reajustes reais dos salários sob seu controle, o ajuste nos subsídios tributários for implementado e a exploração e produção do petróleo e gás natural for viabilizada em larga escala, o Brasil terá uma agenda mínima para alcançar taxas de crescimento cada vez mais elevadas e sustentáveis.
Enfim, as lições devem ser aprendidas. Seguir uma agenda mínima é prudencialmente recomendável, como mostra a experiência dos últimos anos. Se, na década passada, a trajetória de ajuste fiscal e as iniciativas para exploração de petróleo e gás tivessem sido mantidas, a história econômica brasileira recente teria sido bem diferente.
Alexandre Manoel Angelo da Silva é economista, ex-secretário de Acompanhamento Fiscal e de Energia dos Ministérios da Fazenda e da Economia.
Décio Fabrício Oddone da Costa é engenheiro. Foi Diretor-Geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis.
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