quarta-feira, 3 de junho de 2020

Redes privadas e a quarta revolução industrial(5G)(Valor, 3 6 2020)

Redes privadas e a quarta revolução industrial do 5G



COLUNISTAS
Quarta-feira, 3 de Junho de 2020

As redes 5G terão papel central na transformação digital da economia e da sociedade no Brasil. E vão garantir um salto tecnológico industrial com capacidade para modificar estruturas de produção e alçar o setor produtivo nacional a um novo patamar de produtividade e de competitividade. Em meio à pandemia do coronavírus e às perspectivas de perdas econômicas de tamanho ainda imprevisível, a tecnologia 5G, a se concretizar entre 2020 e 2021, representa um horizonte promissor para a retomada da economia, com repercussões positivas para a remodelagem dos negócios em setores como a indústria, varejo, serviços, saúde ou agricultura.

A tecnologia abre caminho para uma diversidade de serviços e aplicações que irão muito além das melhorias de comunicação entre usuários finais. Não se trata simplesmente de “4G +1”. O impacto direto sobre a produtividade é muito mais significativo que os “Gs” anteriores.

Com alta largura de banda e baixa latência, o 5G fornece conectividade não apenas entre as pessoas, mas, principalmente, entre “objetos” (máquina, equipamentos, dispositivos), a chamada Internet das Coisas (IoTInternet of Things). Esta ampla conexão entre objetos incrementará, de forma transformadora, a produtividade da economia por meio de uma melhoria substancial da coordenação do processo produtivo, flexibilizando linhas de produção e alterando completamente as formas de entrega de bens e serviços. Colocar a conexão entre “objetos” no centro das aplicações será simplesmente revolucionário não só para a indústria, mas para todas as atividades econômicas.

Diante do potencial dessa tecnologia para a indústria e para a ressignificação dos negócios no Brasil, defendemos um amplo debate sobre o modelo regulatório do 5G, que ora está em definição por parte da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Em proposta feita à consulta pública promovida pelo órgão regulador para o leilão, apresentamos a possibilidade de alocação de espectro para redes privadas, como já acontece em alguns países.

A experiência mais avançada é a alemã. Lá, o regulador reservou 100MHz de espectro na banda 5G principal para licenciamento para empresas privadas. As frequências na faixa de 3,7 GHz a 3,8 GHz podem ser, particularmente, usadas para a indústria 4.0, agricultura, automotiva e florestal. A Bosch e a Siemens solicitaram licenças privadas.

Na China, a Bosch está construindo uma fábrica com as linhas de montagem modulares, com suas máquinas comunicando-se entre si por 5G. A Volkswagen e a Basf também anunciaram sua intenção de buscar as licenças privadas. As montadoras alemãs estão implantando suas redes 5G para iniciar a fabricação de carros autônomos até 2021.

Suécia, Holanda, Dinamarca, Bélgica e França têm realizado consultas públicas acerca da adoção de redes privadas nos próximos leilões de 5G. Em Chicago, nos Estados Unidos, o Rush University Medical Hospital está instalando o 5G em um de seus prédios mais antigos. A Universidade Harper Adams, na Inglaterra, está criando uma plantação totalmente automatizada de cultivo de cereais, com colheitadeiras, tratores e drones conectados a uma rede 5G privada, além dos sensores no solo fornecendo informações para o monitoramento à distância. A fábrica da Ericsson Panda, localizada na China, está conectando mais da metade das mil chaves de fenda de alta precisão à rede privada, com todas as estações de trabalho se comunicando sem fio. O resultado no primeiro ano foi um retorno de 50% do investimento, que estará se pagando em menos de dois anos.

Uma rede 5G privada tem conectividade unificada, serviços otimizados e um meio de comunicação seguro em uma área específica, como uma loja, fábrica, área de mineração ou fazenda. Permite a instalação de redes privadas com requisitos de cobertura, qualidade, confiabilidade e privacidade da indústria. Tem enorme superioridade em relação ao wi-fi convencional, além de poder dispensar a intermediação das operadoras de telefonia quando a empresa já contar com a tecnologia para implementar suas próprias soluções de forma independente. O 5G facilita a colaboração entre pessoas e robôs, permitindo o controle pleno das máquinas em tempo real. É a chave no funcionamento das novas “Fábricas Inteligentes” da indústria 4.0. As redes privadas serão um instrumento importante para esta nova indústria.

No Brasil, a Consulta Pública da Anatel não tratou de utilização em redes privadas. Uma solução seria utilizar a faixa de 3.7 a 3.8 GHz, como também já sugeriu, em carta enviada ao órgão regulador, a Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee). Esta faixa pode ficar desocupada com a possibilidade de compressão da banda destinada às parabólicas, que passaria a ocupar o espectro a partir de 3,8 GHz. E, portanto, a faixa sugerida para as redes privadas cumpriria a função de banda de guarda.

Para viabilizar essa solução, a recente Resolução Anatel no 720/2020 é essencial, pois estabelece, em caráter excepcional, autorização do uso, em área geográfica delimitada, de radiofrequências, faixa ou canal de radiofrequências. Isso permitirá que empresas requisitem faixas e canais de radiofrequência para desenvolver aplicações nos espaços onde realizam suas atividades, como, por exemplo, jazidas de mineração, plataformas petrolíferas offshore, plantas industriais, centros de distribuição ou agroindústria.

Sabemos das dificuldades técnicas e de alguma insegurança jurídica que ainda precisam ser contornadas a fim de permitir a alocação de espectro para as redes privadas. Mas é preciso ter em mente as potencialidades da nova tecnologia e, portanto, consideramos a perspectiva das licenças privadas essencial. A rede 5G requer novas formas de pensar o acesso ao espectro. Segundo pesquisa da Capgemini, que ouviu grandes executivos no mundo inteiro, depois da computação em nuvem, o 5G é o maior habilitador do mundo digital. Não à toa, o advento desta tecnologia está sendo considerado a Quarta Revolução Industrial. Mas, para que a rede cumpra sua capacidade revolucionária, é fundamental uma regulação adequada com lugar de destaque para as redes privadas.

César Mattos foi secretário de Advocacia da Concorrência e Produtividade do Ministério da Economia (SEAE)

Igor Calvet é presidente da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (Abdi)

Para que a rede cumpra sua capacidade revolucionária, é fundamental uma regulação adequada

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