10/06/2020 11:15:16 - EMPRESAS E SETORES
DECIO ODDONE: É PRECISO PRESERVAR A COMPETITIVIDADE DOS INVESTIMENTOS EM PETRÓLEO E GÁS
O mercado de petróleo voltou a surpreender. O preço do WTI americano, que chegou a ser negativo em abril, retornou à casa dos US$ 30 por barril. O do Brent, referência internacional, superou os US$ 40. A queda nos preços, que havia ocorrido depois que a guerra de mercado entre a Arábia Saudita e a Rússia e a Covid-19 causaram a maior destruição de demanda da história, levou as empresas a reduzirem custos e a cortarem investimentos, o que passou a ameaçar a aprovação de novos projetos, especialmente os que demandam longo prazo de maturação, como os de produção em águas profundas.
Enquanto a maioria das previsões indicava que a diminuição no consumo iria dominar o cenário pelos próximos meses e que o petróleo demoraria para voltar à casa dos US$ 40 por barril, a recuperação surpreendeu. A queda na oferta e a reabertura da economia em vários países foram responsáveis por esse movimento. Entretanto, a demanda ainda deve seguir pressionada, o que deve dificultar uma recuperação maior dos preços no curto prazo.
Embora a retomada parcial dos mercados possa afastar as previsões mais pessimistas, impactos do coronavírus vão perdurar. Mudanças de comportamento, aumento do trabalho remoto, restrições a viagens e a grandes eventos, opções por transportes individuais e várias outras consequências da pandemia influenciarão o consumo futuro de petróleo e gás natural. Alguns países passarão a incentivar de forma mais efetiva a descarbonização da matriz energética. Outros buscarão acelerar a atração dos recursos necessários para financiar projetos bilionários nos setores de petróleo e gás natural. Afinal, como a transição energética pode vir a caminhar a passos mais largos, é recomendável antecipar a extração.
A aprovação de um projeto, no entanto, não depende somente da sua rentabilidade, fruto direto dos preços futuros, que são influenciados pela expectativa de demanda. É consequência também da atratividade relativa dessa iniciativa dentro do portfólio global da companhia responsável por ela.
Um investimento pode ser bom isoladamente, mas não prioritário, se houver opções melhores. Dessa forma, por não ser competitivo dentro da sua própria empresa, um ótimo projeto pode jamais ser sancionado. Por isso, as condições de competição relativa entre os países também serão importantes para definir a aprovação de investimentos.
Depois da revolução do shale ter permitido a exploração de recursos não convencionais e de avanços tecnológicos terem possibilitado a extração em áreas de fronteira, o petróleo deixou de ser um bem escasso.
O consumo de hidrocarbonetos pode desacelerar nas próximas décadas, mas não vai desaparecer. Decisões políticas e inovações que provoquem efeitos como a redução do custo das baterias ou o aumento da velocidade de carregamento dos carros elétricos podem acelerar a eletrificação no setor de transporte e a transição energética, antecipando o pico de demanda por petróleo. Embora não haja consenso sobre quando isso deve ocorrer, poucos consideram que acontecerá depois de 2040. Apesar de novos campos serem necessários para compensar a natural queda de produção nos reservatórios existentes, décadas à frente, quando as fontes renováveis dominarem o ambiente energético, existirão reservas de petróleo que jamais serão extraídas. Assim, os próximos anos serão cruciais na definição dos empreendimentos que vão prosperar no setor de óleo e gás e dos recursos que deixarão de ser explorados.
Dessa maneira, a aprovação de projetos será cada vez mais influenciada pelo ambiente regulatório e tributário nos principais países produtores e consumidores e pela rapidez com que a tecnologia vai transformar o setor energético global.
Embora a recuperação recente do preço do Brent seja uma boa notícia, um sinal mais relevante está na expectativa de preços futuros. A curva vigente em 01 de janeiro trazia valores que começavam em US$ 70, chegariam à casa dos US$ 50 em 2021 e voltariam a US$ 60 em 2029. A curva de 01 de junho partia de US$ 36 para alcançar US$ 50 em 2024 e os mesmos US$ 60 em 2029. Logo, para os projetos de longa maturação a serem aprovados na segunda metade dos anos 2020, caso de muitos dos investimentos programados no Brasil, os impactos da Covid-19 nos preços do petróleo não parecem ser tão relevantes como poderia sugerir uma análise inicial.
No entanto, como não haverá escassez e não se sabe quanto petróleo será demandando no futuro, apenas os empreendimentos mais competitivos continuarão obtendo recursos. Os projetos no Brasil são atraentes e têm elevada produtividade, o que permitiu que a retomada da indústria começasse a tomar forma a partir de 2017. Agora, a crise da Covid-19 traz desafios e dificuldades inesperados. A exemplo de outros países, é hora de continuar trabalhando para manter a competitividade relativa dos investimentos aqui. Essa é a melhor forma de proporcionar as condições para que recursos ainda não aproveitados possam ser transformados em riqueza, arrecadação, emprego e renda.
Décio Fabrício Oddone da Costa é engenheiro. Trabalhou na Petrobras e no setor privado. Foi Diretor-Geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Escreve quinzenalmente para o Broadcast.
Esse artigo representa exclusivamente a visão do autor.
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