segunda-feira, 29 de junho de 2020

Apesar de ruídos, investidor vê política com ‘sangue frio’(Valor, 29 6 2020)


Mercados Apoio do Centrão ao governo e popularidade resiliente amenizam preocupações
Segunda-feira, 29 de Junho de 2020


Marcelo Osakabe e Lucas Hirata

Os recentes reveses do governo do presidente Jair Bolsonaro nos atritos com representantes do Judiciário e as investigações que atingem seu entorno — que culminaram na semana passada com a prisão de Fabricio Queiroz — podem ter abalado ainda mais a imagem do governante para a opinião pública, mas não tiraram o sono de operadores do mercado financeiro. Munidos de análises que mostram baixo risco de o presidente ser diretamente responsabilizado pelas atuais investigações e da leitura de que a aproximação com o Centrão e a sua popularidade resistente afastam a chance de um processo de impeachment, os profissionais afirmam que o risco político está contido, ainda que sempre à espreita.

Na visão de um economista de uma gestora paulista, isso explica a aparente dissonância entre o que aparece nas seções de política dos jornais e o desempenho recente dos ativos. “As polêmicas do ministro da Educação não importam tanto quanto a pauta bomba no Congresso. O mundo pode estar caindo, mas se as reformas forem aprovadas, o resto não importa tanto”, resumiu.

Outro gestor, este do Rio de Janeiro, diz que o mercado já se acostumou com a relação conturbada entre os Poderes e que a política já está bem precificada no Brasil, seja na curva de juros mais empinada, seja no câmbio desvalorizado. Para além disso, “o que a gente quer ver é a matemática dos votos, porque de ideias o governo está bem servido”.

Cristiano Noronha, vice-presidente da Arko Advice, uma das consultorias políticas mais ouvidas pelo setor, tem uma opinião parecida. “A cobertura da imprensa várias vezes analisa os atores e as decisões como eles deveriam ser, não como são de fato. O que o mercado quer saber é o que as notícias significam”, explica. “Quando sai na mídia que já são 42 pedidos de impeachment, o mercado quer saber se o [presidente da Câmara, Rodrigo] Maia vai colocar ou não algum para análise”.

Esse risco, no momento, é baixo, diz Noronha. Não só porque Maia repetidas vezes demonstrou não ter apetite em colocar em movimento algo do tipo em meio a uma pandemia, mas também porque Bolsonaro começou a se aproximar dos partidos do Centrão, algo que lhe traz governabilidade e o protege, pelo menos nas atuais condições, das chances de um pedido de impeachment prosperar no Congresso.

“Eu não avalio para o meu cliente a imagem do Centrão, eu digo quais as consequências disso. Do ponto de vista da opinião pública, pode ter resistência, pode afetar o discurso de campanha de Bolsonaro. Mas do ponto de vista da governabilidade, o efeito é outro: pode evitar o impeachment, reduzir risco de pautas bomba, cria um ambiente melhor para as reformas. Isto tem peso.”

A aproximação com o Centrão e a formação de um governo de coalizão — algo que o Bolsonaro de 2018 rechaçava, mas que hoje é impossível esconder —não é apenas uma necessidade do momento, mas a única alternativa dentro do sistema político brasileiro, diz Luciano Dias, da consultoria CAC. “Teoricamente seria possível evitar um governo de coalizão e, com ele, seus aspectos negativos, caso o governante tivesse apoio popular, da mídia. Mas este não é o Bolsonaro. Ele não é alguém de fora do sistema — tem 30 anos de carreira política, seus filhos estão na política. Então ele sempre teve baixa capacidade de organizar forças para mudar esse sistema”, diz.

Para o consultor, não apenas o risco político hoje é baixo, como existe hoje a chance de o presidente ser “convertido” de vez à eficiência do modelo. “O novo marco do saneamento passou com 65 votos, quando o próprio Planalto contava com 55. O [senador] Flavio Bolsonaro conseguiu uma decisão favorável no Tribunal de Justiça do Rio. Aos poucos, as peças vão voltando lentamente ao lugar e o presidente pode decidir, nesse processo, reconstruir uma aliança eleitoral. Essas condições não estão dadas hoje. Mas um presidente de fato de direita, com um Congresso de direita, é um instrumento muito poderoso no Brasil, aprova até imposto”, afirma.

Dias também minimiza o “risco Queiroz”. “O caso Queiroz não envolve compra de voto, não envolve administração pública de forma nenhuma, pelo simples motivo de que a família Bolsonaro nunca foi ligada a governo algum. Causa constrangimento, óbvio, mas não vai aparecer uma ‘lista Odebrecht’ ligada a ele.”

Outro fator lembrado é o fato de que o presidente mantém uma aprovação constante na faixa dos 30% do eleitorado. De acordo com o Datafolha, ela permanece em 32% mesmo após a prisão de Queiroz. “Só administrações que sofrem com quedas sensíveis de popularidade têm problemas de ruptura institucional ou de governabilidade. Esse é o padrão da América Latina nas últimas décadas”, diz o economista-chefe de um banco. “Com 30% de apoio popular, Bolsonaro não cai.”

Noronha reconhece que este fator é importante, mas não é o único a ser levado em conta na hora de decidir sobre um afastamento. O “padrão-ouro” é o exemplo do ex-presidente Michel Temer, que chegou a ter 82% de reprovação dos brasileiros, mas ainda assim evitou duas denúncias apresentadas contra ele graças à forte interlocução com o Congresso.

A manutenção de um núcleo duro de popularidade por parte de Bolsonaro pode ter, inclusive, relação com o auxílio emergencial de R$ 600 que foi pago este ano e que está em vias de ser prorrogado, nota Noronha. Dias, da CAC, lembra que a popularidade estável do presidente já reflete, em boa parte, o apoio das camadas de menor escolaridade e renda, que é mais sólido que o de outros setores. “Essa população é muito mais conservadora e confiável nesse sentido, e sabe que é o presidente quem dá a ordem para os programas de transferência.”

O consultor minimiza a possibilidade de, com o fim do isolamento e do pagamento de auxílio, a população ir às ruas para protestar contra o governo. “Não acredito em mobilização com inflação zero, com compromisso com a estabilidade fiscal e monetária”, diz. “O maior risco, hoje, é o comportamento do Bolsonaro diante de uma economia que não se recupera. Se entrar num processo de tolerância com o relaxamento fiscal, se o [ministro da Economia, Paulo] Guedes sair, pode alterar o cenário e trazer perda de controle sobre a gestão econômica”, diz.

Outra possibilidade, segue Dias, é uma denúncia espetacular contra o presidente que venha de uma das investigações. “Mas não gosto de trabalhar com esses cenários, é como prever queda de meteoro.” Antes demandado com mais intensidade em períodos eleitorais pelo setor financeiro, o serviço das consultorias políticas têm se beneficiado do constante clima de instabilidade política que se arrasta ao menos desde 2015 no Brasil, quando o processo de impeachment da então presidente Dilma Rousseff começou a andar e ficou mais cristalino que o país precisaria embarcar em uma abrangente agenda de reformas.

Um gestor ouvido pela reportagem nota que, mesmo terminada a eleição de 2018, não conseguiu cortar a assinatura das três consultorias que paga, tampouco deixar de contratar pesquisas eleitorais. “Sempre penso em reduzir, mas como, desde o início, esse governo se mostrou de confronto, acabou não acontecendo”, diz.

Além das consultorias, algumas corretoras também criaram áreas próprias de análise política para oferecerem aos seus clientes, serviço que se popularizou também desde 2015. Recentemente, aproveitando a entrada da pessoa física na bolsa, a Arko lançou um pacote desenhado para atender esse tipo de demanda. O serviço foi disponibilizado na plataforma da Empiricus.

“Quando começou a pandemia, acreditávamos que isso se traduziria em perda de clientes. O que tivemos, no entanto, foi uma resposta bastante positiva, muita gente vindo nos buscar para entender sobre a pandemia e também as políticas públicas que estavam sendo adotadas”, diz Noronha.

Na outra ponta, Dias, da CAC, diz que a demanda do estrangeiro caiu. “A única mudança que senti foi o recuo dos clientes estrangeiros. Como eles tiraram dinheiro do Brasil, não fazia sentido manter nosso serviço.”

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