As ‘fake news’ do PL das ‘fake news’
Quinta-feira, 25 de Junho de 2020
Valor Econômico
Diogo Rais e Samara Castro
No Congresso Nacional teremos mais um dia dedicado ao tema: “fake news” e eleições. Como se não bastasse um só tema polêmico na ordem do dia a votação do projeto de lei chamado (erroneamente) de “PL das ‘fake news’” acontece junto com a votação sobre o adiamento das eleições. Mas o que realmente está em votação e como isso pode mudar o mundo em que vivemos?
O ovo da serpente foi o PL 2.630 que já tinha problemas de liberdade e de privacidade, mas nada supera, em matéria de vigilância e restrições de direitos, o substitutivo que foi apresentado às 18h da véspera da votação pelo relator, senador Ângelo Coronel.
Infelizmente, além de estar na contramão das práticas de países democráticos apresenta promessas que jamais serão cumpridas seja em razão da impossibilidade técnica ou pela ausência de meios que confiram eficácia ao proposto, irônica e tragicamente, o PL de “fake news” virou um PL “fake”.
O substitutivo pode fortalecer a perseguição política e ideológica e dá um poder muito maior para as plataformas moderarem conteúdo, incluindo agora, o conteúdo político.
E tudo isso é tão grave porque cria um Conselho de Transparência e Responsabilidade na Internet atribuindo muitos poderes mas sem informar como e por quem serão escolhidos, afinal, qual será a autonomia deste Conselho perante o Estado ou perante as autoridades que os nomearam?
Além disso exige que, para abrir um perfil nas redes sociais, tenha que apresentar documento e possuir celular, excluindo pessoas além de dar para plataformas uma quantidade imensa de dados sobre a população.
Mas é ainda mais grave porque determina que os aplicativos de mensagens privadas, como o WhatsApp e Telegram, identifiquem e guardem os registros do encaminhamento de mensagens por pelo menos três meses. Imagina... bilhões de mensagens armazenadas em algum lugar a disposição do Estado? Embora o PL menciona que não deva resguardar a privacidade do conteúdo das mensagens, como saber se uma mensagem foi encaminhada sem saber que mensagem é esta? Mas será que esses dados estarão bem guardados e protegidos? Será que quando requisitados serão utilizados para fins legítimos?
Este é o momento de debatermos a fundo o tema e não criar mais “fake news”. Impor uma lei ineficaz a que se propõe, mas eficaz para o que um Estado Democrático deveria evitar.
A aprovação de um projeto que diminui direitos fundamentais e promove práticas de controle e vigilância desmedidos terá impactos negativos na inovação, na economia, na política brasileira e na internet como um todo. E, caso aprovado um PL desta envergadura sem debate e participação popular e científica, talvez teremos a transição oposta ao título do livro de Walter Longo, sairíamos da Idade da Mídia para chegarmos na Idade Média.
Diogo Rais é cofundador do Instituto Liberdade Digital, coordenador e coautor dos livros “Direito Eleitoral Digital; Fake News: a conexão entre a desinformação e o Direito”. 2ª ed. Revista dos Tribunais, 2020
Samara Castro é advogada, vice-presidente da Comissão de Proteção de Dados e Privacidade da OAB-RJ e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep)
Quinta-feira, 25 de Junho de 2020
Valor Econômico
Diogo Rais e Samara Castro
No Congresso Nacional teremos mais um dia dedicado ao tema: “fake news” e eleições. Como se não bastasse um só tema polêmico na ordem do dia a votação do projeto de lei chamado (erroneamente) de “PL das ‘fake news’” acontece junto com a votação sobre o adiamento das eleições. Mas o que realmente está em votação e como isso pode mudar o mundo em que vivemos?
O ovo da serpente foi o PL 2.630 que já tinha problemas de liberdade e de privacidade, mas nada supera, em matéria de vigilância e restrições de direitos, o substitutivo que foi apresentado às 18h da véspera da votação pelo relator, senador Ângelo Coronel.
Infelizmente, além de estar na contramão das práticas de países democráticos apresenta promessas que jamais serão cumpridas seja em razão da impossibilidade técnica ou pela ausência de meios que confiram eficácia ao proposto, irônica e tragicamente, o PL de “fake news” virou um PL “fake”.
O substitutivo pode fortalecer a perseguição política e ideológica e dá um poder muito maior para as plataformas moderarem conteúdo, incluindo agora, o conteúdo político.
E tudo isso é tão grave porque cria um Conselho de Transparência e Responsabilidade na Internet atribuindo muitos poderes mas sem informar como e por quem serão escolhidos, afinal, qual será a autonomia deste Conselho perante o Estado ou perante as autoridades que os nomearam?
Além disso exige que, para abrir um perfil nas redes sociais, tenha que apresentar documento e possuir celular, excluindo pessoas além de dar para plataformas uma quantidade imensa de dados sobre a população.
Mas é ainda mais grave porque determina que os aplicativos de mensagens privadas, como o WhatsApp e Telegram, identifiquem e guardem os registros do encaminhamento de mensagens por pelo menos três meses. Imagina... bilhões de mensagens armazenadas em algum lugar a disposição do Estado? Embora o PL menciona que não deva resguardar a privacidade do conteúdo das mensagens, como saber se uma mensagem foi encaminhada sem saber que mensagem é esta? Mas será que esses dados estarão bem guardados e protegidos? Será que quando requisitados serão utilizados para fins legítimos?
Este é o momento de debatermos a fundo o tema e não criar mais “fake news”. Impor uma lei ineficaz a que se propõe, mas eficaz para o que um Estado Democrático deveria evitar.
A aprovação de um projeto que diminui direitos fundamentais e promove práticas de controle e vigilância desmedidos terá impactos negativos na inovação, na economia, na política brasileira e na internet como um todo. E, caso aprovado um PL desta envergadura sem debate e participação popular e científica, talvez teremos a transição oposta ao título do livro de Walter Longo, sairíamos da Idade da Mídia para chegarmos na Idade Média.
Diogo Rais é cofundador do Instituto Liberdade Digital, coordenador e coautor dos livros “Direito Eleitoral Digital; Fake News: a conexão entre a desinformação e o Direito”. 2ª ed. Revista dos Tribunais, 2020
Samara Castro é advogada, vice-presidente da Comissão de Proteção de Dados e Privacidade da OAB-RJ e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep)
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