Covid- 19, duro choque para emergentes
Quarta-feira, 10 de Junho de 2020
Crise pode ser o início de um período de muitos anos perdidos.
“A covid-19 é o choque mais adverso dos tempos de paz em um século para a economia mundial”. Além disso, esta recessão “é a primeira desde 1870 a ser desencadeada unicamente por uma pandemia”. Ambas as observações fazem parte do excelente relatório “Perspectivas Econômicas Mundiais” do Banco Mundial. Elas lançam luz sobre a escala dos danos. Nunca foi tão necessária uma reação ambiciosa e colaborativa. Infelizmente, faz muito tempo que essas qualidades estão em falta.
Uma das conclusões importantes do relatório é o grau de incerteza em torno do que temos pela frente. Afinal, estamos num estágio inicial na gestão da doença. Isso é especialmente verdadeiro para países emergentes e em desenvolvimento, onde a covid- 19 ainda está em ascensão. As medidas para contê-la são particularmente difíceis de implementar em vista de tantas pessoas dependerem do trabalho no setor informal e das capacidades limitadas dos governos nas áreas da saúde e fiscal. A única vantagem deles é a relativa juventude de suas populações.
Mas administrar a doença é apenas uma parte do desafio com que se defrontam agora os países emergentes e em desenvolvimento. Muitos deles são altamente vulneráveis a choques econômicos mundiais. E este é de proporções devastadoras.
Eles foram fustigados, em graus variados, por uma queda vertical mundial, acentuadas retrações dos preços das commodities, fugas dos riscos nos mercados financeiros, uma enorme queda das transferências de recursos e das receitas de turismo e um grande recuo do comércio mundial. Muitos têm boa probabilidade de serem obrigados a deixar de honrar seus pagamentos. Além disso, é pouco provável que o impacto sobre suas economias seja breve. Este pode ser o início de um período de muitos anos perdidos, ou de coisa ainda pior, para multidões.
Boa parte depende das consequências econômicas. O banco indica que a faixa de variação das consequências possíveis sobre o crescimento econômico mundial neste ano (a taxas de câmbio de mercado) fique entre -3,7% e -7,8%. Para mercados emergentes e economias em desenvolvimento, fica entre -0,5% e -5%. O banco prevê volta ao crescimento em 2021, de 1,3% a 5,6% no mundo e de entre 2,7% e 6,4% nas economias emergentes e em desenvolvimento. Isso significa que a produção muito provavelmente não se recuperará para os níveis de 2019 antes de 2022 nos países emergentes e em desenvolvimento. Ela não voltará aos níveis indicados por uma continuação do crescimento pré-pandemia antes de anos bem posteriores, se é que voltará algum dia.
Como observa o relatório, “uma grave recessão tem sido associada a perdas da produção altamente persistentes”. Baixos níveis de utilização da capacidade instalada dissuadem os investimentos e deixam um legado de capacidade instalada obsoleta. As expectativas de crescimento futuro fraco desestimulam os investimentos e, em vista disso, se tornam autorrealizadas. Longos períodos de desemprego geram perda de qualificações e podem fazer com que jovens desanimem de procurar emprego. Um número incontável de empresas desaparecerá para sempre.
Além disso, em países emergentes e em desenvolvimento, a crise ameaça instaurar um grave quadro de subfinanciamento de relevantes programas de saúde e de bem-estar social. A perda dos meios de subsistência de muitos pode gerar graves prejuízos de mais longo prazo à saúde e outras consequências malignas para trabalhadores e suas famílias. A educação de muitas crianças pode ficar permanentemente comprometida.
Entre outras importantes ameaças de longo prazo estão reações políticas míopes. Pode ocorrer, como na década de 1930, um permanente movimento de distanciamento da economia de mercado e do comércio internacional. As políticas autodestrutivas da substituição de importações seguidas por muitos países em desenvolvimento após a Segunda Guerra tiveram raízes nas calamidades daquela era. Hoje, é quase universalmente aceito condenar a globalização e a integração internacional das cadeias de suprimentos. Mas, como enfatiza o relatório, ambos se revelaram impulsionadores potentes de desenvolvimento da economia. É bom lembrar que tivemos uma queda extraordinária da proporção de pessoas em condições de pobreza extrema, de 43% em 1980 para 10% em 2015.
Evitar ao mesmo tempo os prejuízos duradouros e os equívocos permanentes é essencial. Mas fornecer assistência adequada hoje também é. Recente apelo de alto nível ao Grupo dos 20 principais países observou que a crise poderá mergulhar 420 milhões de pessoas na pobreza extrema. Além disso, acrescenta, 80% das crianças estão fora da escola.
É necessária uma ajuda maior. O FMI argumentou que os países emergentes e em desenvolvimento precisam de US$ 2,5 trilhões, muito mais do que foi disponibilizado agora. Um alívio adicional ao endividamento é uma necessidade para os países mais pobres e também para os países emergentes sobrecarregados de dívidas. É determinante também ajudar países emergentes e em desenvolvimento a enfrentar aos desafios de saúde com que se defrontam. Para além disso, há a oportunidade de acelerar o movimento de afastamento do mundo de um padrão de atividade econômica intensivo em emissões de carbono. Os resultados, é claro, dependem também das escolhas de política pública feitas pelos próprios dirigentes desses países.
Quando as gerações futuras examinarem esta crise em retrospectiva, será que a encararão como um ponto de inflexão decisivo e, se encararem, qual será a direção desse ponto de inflexão? Será que concluirão que entendemos que uma pandemia é uma crise compartilhada que requer uma resposta eficaz e colaborativa? Ou será que concluirão, em vez disso, que permitimos que a nossa capacidade de cooperação e que o frágil progresso do desenvolvimento econômico definhassem? Não sabemos a resposta delas. Ela depende do que decidirmos agora. Sabemos o que devemos fazer: agir, juntos.(Tradução de Rachel Warszawski )
"O FMI argumentou que países emergentes e em desenvolvimento precisam de US$ 2,5 trilhões, muito mais do que foi disponibilizado. Um alívio adicional ao endividamento é uma necessidade para os países mais pobres e sobrecarregados de dívidas"
Martin Wolf é editor e principal analista econômico do FT
“A covid-19 é o choque mais adverso dos tempos de paz em um século para a economia mundial”. Além disso, esta recessão “é a primeira desde 1870 a ser desencadeada unicamente por uma pandemia”. Ambas as observações fazem parte do excelente relatório “Perspectivas Econômicas Mundiais” do Banco Mundial. Elas lançam luz sobre a escala dos danos. Nunca foi tão necessária uma reação ambiciosa e colaborativa. Infelizmente, faz muito tempo que essas qualidades estão em falta.
Uma das conclusões importantes do relatório é o grau de incerteza em torno do que temos pela frente. Afinal, estamos num estágio inicial na gestão da doença. Isso é especialmente verdadeiro para países emergentes e em desenvolvimento, onde a covid- 19 ainda está em ascensão. As medidas para contê-la são particularmente difíceis de implementar em vista de tantas pessoas dependerem do trabalho no setor informal e das capacidades limitadas dos governos nas áreas da saúde e fiscal. A única vantagem deles é a relativa juventude de suas populações.
Mas administrar a doença é apenas uma parte do desafio com que se defrontam agora os países emergentes e em desenvolvimento. Muitos deles são altamente vulneráveis a choques econômicos mundiais. E este é de proporções devastadoras.
Eles foram fustigados, em graus variados, por uma queda vertical mundial, acentuadas retrações dos preços das commodities, fugas dos riscos nos mercados financeiros, uma enorme queda das transferências de recursos e das receitas de turismo e um grande recuo do comércio mundial. Muitos têm boa probabilidade de serem obrigados a deixar de honrar seus pagamentos. Além disso, é pouco provável que o impacto sobre suas economias seja breve. Este pode ser o início de um período de muitos anos perdidos, ou de coisa ainda pior, para multidões.
Boa parte depende das consequências econômicas. O banco indica que a faixa de variação das consequências possíveis sobre o crescimento econômico mundial neste ano (a taxas de câmbio de mercado) fique entre -3,7% e -7,8%. Para mercados emergentes e economias em desenvolvimento, fica entre -0,5% e -5%. O banco prevê volta ao crescimento em 2021, de 1,3% a 5,6% no mundo e de entre 2,7% e 6,4% nas economias emergentes e em desenvolvimento. Isso significa que a produção muito provavelmente não se recuperará para os níveis de 2019 antes de 2022 nos países emergentes e em desenvolvimento. Ela não voltará aos níveis indicados por uma continuação do crescimento pré-pandemia antes de anos bem posteriores, se é que voltará algum dia.
Como observa o relatório, “uma grave recessão tem sido associada a perdas da produção altamente persistentes”. Baixos níveis de utilização da capacidade instalada dissuadem os investimentos e deixam um legado de capacidade instalada obsoleta. As expectativas de crescimento futuro fraco desestimulam os investimentos e, em vista disso, se tornam autorrealizadas. Longos períodos de desemprego geram perda de qualificações e podem fazer com que jovens desanimem de procurar emprego. Um número incontável de empresas desaparecerá para sempre.
Além disso, em países emergentes e em desenvolvimento, a crise ameaça instaurar um grave quadro de subfinanciamento de relevantes programas de saúde e de bem-estar social. A perda dos meios de subsistência de muitos pode gerar graves prejuízos de mais longo prazo à saúde e outras consequências malignas para trabalhadores e suas famílias. A educação de muitas crianças pode ficar permanentemente comprometida.
Entre outras importantes ameaças de longo prazo estão reações políticas míopes. Pode ocorrer, como na década de 1930, um permanente movimento de distanciamento da economia de mercado e do comércio internacional. As políticas autodestrutivas da substituição de importações seguidas por muitos países em desenvolvimento após a Segunda Guerra tiveram raízes nas calamidades daquela era. Hoje, é quase universalmente aceito condenar a globalização e a integração internacional das cadeias de suprimentos. Mas, como enfatiza o relatório, ambos se revelaram impulsionadores potentes de desenvolvimento da economia. É bom lembrar que tivemos uma queda extraordinária da proporção de pessoas em condições de pobreza extrema, de 43% em 1980 para 10% em 2015.
Evitar ao mesmo tempo os prejuízos duradouros e os equívocos permanentes é essencial. Mas fornecer assistência adequada hoje também é. Recente apelo de alto nível ao Grupo dos 20 principais países observou que a crise poderá mergulhar 420 milhões de pessoas na pobreza extrema. Além disso, acrescenta, 80% das crianças estão fora da escola.
É necessária uma ajuda maior. O FMI argumentou que os países emergentes e em desenvolvimento precisam de US$ 2,5 trilhões, muito mais do que foi disponibilizado agora. Um alívio adicional ao endividamento é uma necessidade para os países mais pobres e também para os países emergentes sobrecarregados de dívidas. É determinante também ajudar países emergentes e em desenvolvimento a enfrentar aos desafios de saúde com que se defrontam. Para além disso, há a oportunidade de acelerar o movimento de afastamento do mundo de um padrão de atividade econômica intensivo em emissões de carbono. Os resultados, é claro, dependem também das escolhas de política pública feitas pelos próprios dirigentes desses países.
Quando as gerações futuras examinarem esta crise em retrospectiva, será que a encararão como um ponto de inflexão decisivo e, se encararem, qual será a direção desse ponto de inflexão? Será que concluirão que entendemos que uma pandemia é uma crise compartilhada que requer uma resposta eficaz e colaborativa? Ou será que concluirão, em vez disso, que permitimos que a nossa capacidade de cooperação e que o frágil progresso do desenvolvimento econômico definhassem? Não sabemos a resposta delas. Ela depende do que decidirmos agora. Sabemos o que devemos fazer: agir, juntos.(Tradução de Rachel Warszawski )
"O FMI argumentou que países emergentes e em desenvolvimento precisam de US$ 2,5 trilhões, muito mais do que foi disponibilizado. Um alívio adicional ao endividamento é uma necessidade para os países mais pobres e sobrecarregados de dívidas"
Martin Wolf é editor e principal analista econômico do FT
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