terça-feira, 16 de junho de 2020

WhatsApp inicia no Brasil serviço de pagamentos(Valor, 16 6 2020)

WhatsApp inicia no Brasil serviço de pagamentos
Estratégia - Aplicativo dispensa maquininha e mira pequeno comércio
Terça-feira, 16 de Junho de 2020

Maria Luíza Filgueiras De São Paulo

O WhatsApp lançou ontem no país o serviço de pagamento e transferência de dinheiro pelo aplicativo, dispensando a famosa “maquininha” para transações de pequenos comerciantes. É o primeiro mercado em que o aplicativo de mensagens, que pertence ao Facebook, libera esse tipo de transação financeira.

“O Brasil é o primeiro país a receber esse serviço e achamos que vai ajudar as pessoas e os pequenos e médios negócios em um período importante. É mais seguro e mais conveniente que dinheiro”, disse Matt Idema, diretor de operações do WhatsApp, ao Valor .

A companhia fechou parceria com a adquirente Cielo, maior processadora brasileira de pagamentos, negociação antecipada pelo Valor em abril. A princípio, as transações no país poderão ser feitas por quem tiver cartões de débito ou crédito do Banco do Brasil, Nubank e Sicredi com bandeiras Visa e Mastercard. “Para nós é importante ter uma plataforma aberta, então adicionaremos outros bancos e adquirentes ao longo do tempo”, afirmou. O Valor apurou que a bandeira Elo, que pertence aos bancos Bradesco, BB e Caixa, também está em fase final de definição para integrar o sistema de pagamentos via WhatsApp.

A possibilidade de aumento de volume de transações por pessoas físicas e autônomos teve reflexo na bolsa. Enquanto a ação da Cielo chegou a subir quase 35% no pregão brasileiro, entrando em leilão por duas vezes, a da PagSeguro caiu 2,52% e da Stone recuou 0,11% em bolsa americana. As ações do Facebook subiram 4,51%. “Estamos tornando enviar e receber dinheiro tão fácil quanto compartilhar fotos. Também estamos possibilitando que pequenos negócios façam vendas diretamente no WhatsApp”, disse Mark Zuckerberg, presidente do grupo, em sua página na rede social.

O WhatsApp aposta fortemente no uso desse sistema por pessoas físicas e também por pequenos comerciantes no Brasil, não só pelo número extenso desse tipo de estabelecimento mas também pelo momento atual, de isolamento social. “Muitas pequenas empresas no Brasil já utilizam o WhatsApp em seus negócios, para estar em contato com cliente e trocar informações, e agora vão poder efetivamente usar o aplicativo para pagamento”, disse Idema. “Pode ter um impacto grande para pequenos comerciantes, que são a base da economia brasileira, principalmente nesse período de isolamento social. Além disso, vai ajudá-los a entrar no universo da economia digital, incentivando a bancarização.”

A entrada do aplicativo em serviços de pagamento pode ter impacto na concorrência que atua nos segmentos de micro e pequenas empresas. Apesar de não tirar da jogada o adquirente, a transação elimina o uso do chamado POS. A venda e locação do produto têm sido, nos últimos anos, alvo de disputa comercial entre as adquirentes para conquistar a clientela. Esse segmento já usava pagamento digital, por meio de envio de links de pagamento, mas a estratégia do gigante de mensagens poderia potencializar o negócio, na avaliação de especialistas.

“Para a indústria de adquirentes, vemos risco maior de migração do micro comerciante para a plataforma do WhatsApp, dado o tíquete baixo de transações desses estabelecimentos e transações de pessoa para pessoa sem MDR”, dizem os analistas do UBS, Mariana Taddeo e Gustavo Piras, em relatório. A MDR (Merchant Discount Rate) é a taxa cobrada pela adquirente sobre cada transação de cartão. “Além disso, não há a necessidade de comprar ou alugar um equipamento de POS.”

Para o UBS, esse impacto pode ser limitado inicialmente por ser necessário ter conta corrente, o que muito dos microempreendedores e profissionais autônomos não têm. A competição seria mais direta para as carteiras digitais Pago e Ame. Em relação aos bancos, o WhatsApp sai na frente oferecendo o sistema de transações ininterruptas (24/7), uma antecipação do Pix, de pagamento instantâneo, que vem sendo desenvolvido pelo Banco Central com as instituições financeiras, avalia o UBS.

De acordo com Matt Idema, não haverá taxas para o usuário individual. As transferências de pessoa para pessoa terão limite de R$ 1 mil por transações, poderão ser feitas 20 operações por dia, com limite mensal de R$ 5 mil. Já o pagamento para empresas não tem limitações, desde que seja para estabelecimentos no país e em moeda nacional.

Para as empresas, a taxa é de 3,99% sobre transação. “É gratuito para as pessoas enviarem e receberem dinheiro, e para um comerciante é uma taxa típica de transações de pagamentos”, disse. O custo é um meio-termo entre as taxas cobradas pela Cielo para débito e crédito à vista com maquininha comprada — que, segundo o “Blog Cielo”, é de 2,39% e 4,99%, respectivamente.

Há alguns anos especulava-se no mercado financeiro e de tecnologia quando o WhatsApp daria esse passo, tomando como referência o aplicativo chinês de mensagens WeChat — que se tornou uma das maiores plataformas de pagamentos móveis da China. Em 2018, o WhatsApp lançou o sistema de pagamento ainda em teste na Índia, em uma versão beta limitada a um milhão de usuários. Desde então vem fazendo ajustes. Segundo Idema, foram dois anos desenvolvendo o serviço e o modelo lançado no Brasil foi testado, nas últimas semanas, por um grupo de funcionários de empresas do grupo.

O WhatsApp não revela estimativa de volume, usuários e receita para o serviço de pagamento. Conforme Idema, o plano para as primeiras semanas e meses é adequar o serviço à medida que a empresa recebe as percepções dos usuários. “O objetivo não é ser um grande gerador financeiro para o grupo no médio prazo, e sim um serviço. Talvez seja uma linha de receita para nós no futuro”, disse o diretor de operações.

Para referência, o WeChat tem 1,2 bilhão de usuários — 800 milhões usam o serviço WeChat Pay, conforme o balanço do último trimestre da companhia, com média de 1 bilhão de transações por dia. São 50 milhões de comerciantes ativos no serviço de pagamento. Pertencente ao grupo Tencent, o aplicativo foi um dos principais vetores da migração da economia das grandes cidades chinesas para o pagamento móvel, em detrimento do dinheiro em papel ou mesmo do cartão de plástico.

Conforme o diretor de operações do WhatsApp, o sistema de pagamentos do aplicativo é ativado pelo Facebook Pay — sistema de pagamentos que, até agora, só operava nos EUA. Essa vinculação foi feita para que, futuramente, os usuários possam usar os mesmos dados para pagamentos em todos os aplicativos do grupo. Na apresentação de resultados no início do ano, Zuckerberg disse que o sistema de pagamentos pelo WhatsApp deve ser lançado este ano no México, na Indonésia e, desta vez em versão oficial, na Índia.

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