domingo, 31 de maio de 2020

A humanidade, sim, tem sido o grande vírus(Rita Lee, Veja, 29 5 2020)

PRIMEIRA PESSOA - ‘A humanidade, sim, tem sido o grande vírus’


Em texto inédito feito especialmente para VEJA, a cantora fala da pandemia 'voodoo' e da percepção de sempre ter pertencido ao chamado 'grupo de risco'


Sexta-feira, 29 de Maio de 2020 - 
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Rita Lee
Fazer parte do grupo de risco por eu ter 73 anos pode ser uma chatice, mas não para mim. Não vou morrer desse vírus voodoo e peço ao Universo que minha morte seja rápida e indolor, de preferência dormindo e sonhando que estou com minha família numa praia do Caribe.

É sequência natural que velhos morram antes de jovens e crianças, mas não precisava ser nesta situação apocalíptica de ?m do mundo, apavorando vovôs e vovós. Os milhares de corpos que temos visto empilhados em cemitérios precários e caminhões frigoríficos expõem os humanos a mais um perigo, contaminando o solo por sei lá quanto tempo com um vírus cuja consequência é desconhecida. Não seria melhor uma nova lei para organizar uma cremação desses corpos? Há séculos o fazem na Índia e com o maior respeito, tudo diante de um fogo sagrado que transforma os defuntos em cinzas e higieniza o planeta Terra.

Pensando bem, eu sempre fui considerada grupo de risco. Desde que entrei para o mundo da música, fui a artista mais censurada na época da ditadura no país, por ser tida como uma mulher perigosa para os bons costumes da família brasileira.

Fui grupo de risco no colégio, quando me arrisquei tascando fogo no cenário do teatro por ter sido rejeitada para fazer o papel de Julieta.

Sou grupo de risco desde que luto contra os donos do poder, declarando meu repúdio aos maus-tratos de animais em rodeios, circos, aviários, matadouros, zoológicos, touradas, vaquejadas, ao contrabando de bichos silvestres, aos criadores gananciosos, às rinhas de galos e cachorros e a zilhões de outras barbaridades cometidas pela raça humana, que trata animais como objetos.

Desde que deixei os palcos, há oito anos, vivo confinada na minha toca, numa casinha no meio do mato cercada de bichos e plantas, só saindo para ir ao dentista, fazer supermercado, comprar ração para meus animais e, eventualmente, visitar meus netos. Hoje, faço tudo pela internet e rezo para não quebrar um dente. Sou parte de um grupo de risco saudável e esperançoso, por acreditar que esta pandemia faz parte de um propósito Divino para conscientizar a raça humana a respeitar nossa Nave Mãe Terra de toda a destruição que vem sofrendo, em todas as suas formas de vida. E revelando que a humanidade, sim, é que tem sido o grande vírus, fazendo o Jardim do Éden, nossa Mamãe Natureza, virar o maior grupo de risco.

Desejo a todos saúde física, mental, psicológica e espiritual.

P.S.: aproveite a quarentena e adote um bichinho. O melhor amigo.



A Força Deletéria da China(Larry Rohter, Época, 29 5 2020)

L.R. - A FORÇA DELETÉRIA DA CHINA

Sexta-feira, 29 de Maio de 2020 
LARRY ROHTER
Uma vez um chanceler brasileiro me disse, conversando em off, que “o mundo ainda vai ter saudades da hegemonia americana”

Em 1997 entrou em vigor um tratado em que o Reino Unido concordou em devolver a próspera colônia de Hong Kong à China, e os chineses prometeram seguir o princípio de “um país, dois sistemas”, outorgando ao mais importante entreposto comercial e financeiro da Ásia sua plena autonomia por 50 anos. Na semana passada, porém, o Partido Comunista Chinês (PCC) jogou o acordo no lixo, impondo uma nova “lei de segurança nacional” (sempre uma frase nefasta, como bem sabem os brasileiros) e reagindo com repressão brutal quando o povo de Hong Kong tomou as ruas para protestar contra o descumprimento do tratado.

Por que estou falando disso quando o Brasil e o mundo enfrentam uma pandemia letal? Por uma razão fundamental: o tratamento dado aos 7,5 milhões de habitantes de Hong Kong mostra o roteiro que a China, cada vez mais poderosa e beligerante, pretende implementar em suas relações com o mundo. Tratados e acordos não valem nada, qualquer oferta de cooperação é apenas um pretexto para aumentar o poderio do PCC, e nenhuma oposição será tolerada.

É bom lembrar que em 18 de maio, na reunião anual da Organização Mundial da Saúde (OMS), a China ofereceu US$ 2 bilhões em ajuda para combater a pandemia, que se originou na China em dezembro e foi escondida e subestimada pelo governo chinês durante semanas, deixando o resto do mundo desprevenido. Mas a aparente generosidade chinesa tem uma contrapartida: a China terá um papel decisivo na investigação que a OMS pretende lançar para determinar as origens da pandemia e tomar medidas para evitar uma reincidência.

Originalmente, a Austrália tinha sugerido que qualquer investigação seja independente. Mas a China reagiu iradamente à proposta, colocando tarifas de 80% em exportações australianas de grãos, ameaçando cortar importações de carne e vinho. Um alto funcionário do PCC afirmou que a Austrália é apenas um “chiclete grudado na sola de nosso sapato”. Isso não lembra as bravatas e insultos do embaixador chinês em Brasília em março, quando o governo brasileiro criticou o fracasso dos esforços chineses para conter o vírus que agora matou milhares de brasileiros? Pois é. Os australianos acabaram se curvando e aderindo a um plano mais suave da Comunidade Europeia, dando protagonismo aos chineses na investigação.

Quando eu era correspondente na China nos anos 1980, a China seguia uma política que Deng Xiaoping, o ditador de turno naquela época, chamava de “Esconder nossa força e dar tempo ao tempo”. O país estava saindo do caos da Revolução Cultural e ainda tinha uma economia fraca. Mas depois de quatro décadas de crescimento anual de dois dígitos e investimentos maciços nas forças armadas o PCC comanda uma superpotência. Xi Jinping, o mandachuva atual, não precisa mais esconder a força. Com o mundo distraído pela pandemia que os próprios chineses espalharam, o tempo de ostentá-la chegou. Se não gosta, dane-se.

A repressão em Hong Kong e a chantagem aos australianos são apenas duas manifestações disso. Ao longo de uma fronteira disputada com a Índia, tropas chinesas estão abertamente violando uma linha de cessar-fogo estabelecida em 1962. No Mar da China Meridional, que apesar do nome são águas internacionais que também banham as costas de outros seis países, todos eles com direitos reconhecidos pela lei internacional, a China está ilegalmente ocupando ilhotas e construindo bases nelas. E as ameaças contra Taiwan, que Beijing considera uma “província rebelde”, mas na prática é um país independente desde 1949 e uma democracia exemplar, são cada vez mais estridentes.

Não sou a favor da hegemonia de ninguém e reconheço que o domínio americano trouxe sofrimento a vários países, entre eles o Brasil. Mas os Estados Unidos são um país plural e multicultural, com várias raças, etnias, religiões e tendências políticas, todas tentando forjar um consenso ou, ao menos, um modus vivendi. A China não: tem uma só etnia dominando um partido único que exige total unidade de pensamento. Não entende a convivência, é tudo ou nada.

Tentando reescrever a história, a China agora alega que foi transparente nas fases iniciais da pandemia. Não foi, e todos nós sabemos disso. Na propaganda interna, também aponta a mortandade nos Estados Unidos e no Brasil como prova da superioridade do sistema autoritário deles. Outra mentira. Meu medo imediato é que o relatório da OMS seja outra tentativa de branquear a verdade. Mas no longo prazo devemos todos temer que predomine a visão distópica que o PCC pretende estabelecer como realidade mundial.

sábado, 30 de maio de 2020

Trabalhe na Mercedes


Arte com o vinho


Vitória do vinho brasileiro


Discurso de Trump sobre social midia

Um plano arriscado de relaxamento(Fernando Reinach, Estado, 30 5 2020)

FERNANDO REINACH - Um plano arriscado

COLUNISTAS
Sábado, 30 de Maio de 2020
 
FERNANDO REINACH
O governo de São Paulo anunciou um programa de relaxamento das medidas de distanciamento social. A quarentena ficou insuportável porque foi longa demais, mas não foi rígida o suficiente para controlar a pandemia. O resultado é que nos encontramos no pior dos mundos: incapazes de controlar o espalhamento do vírus e sem condições para implantar o lockdown, que seria a medida correta. E assim nasceu um plano de relaxamento arriscado para não dizer irresponsável. E o pior, teve suporte de médicos e epidemiologistas que deveriam saber melhor. A pandemia vai aumentar de intensidade com essas medidas, só não sabemos quanto. Torço para que o plano dê certo, mas temo que estejamos colocando em risco grande número de vidas. De qualquer modo, vale a pena entender por que o plano é tão arriscado.

Todos os dias somos bombardeados com uma enxurrada de números sobre a pandemia: quantos novos casos foram registrados no dia, quanta mortes ocorreram no dia, qual fração dos leitos de UTI está ocupada naquele dia e isso para cada cidade, cada Estado e cada país. Essa avalanche de dados cria a sensação de que sabemos o que está acontecendo com a pandemia naquele dia, mas a impressão é totalmente falsa. Todos esses dados refletem o que aconteceu 3 ou 4 semanas atrás. Durante o espalhamento do vírus um grande número de pessoas pode ser infectado em poucos dias. Desses, quase 90% passam despercebidos pois não apresentam muitos sintomas e continuam a espalhar o vírus. Semanas depois uma fração pequena dessas pessoas tem o caso agravado e procura o sistema de saúde. A recomendação é que voltem para casa e retornem caso os sintomas se agravem. Dias depois uma fração dessas pessoas volta com sintomas graves e é internada. Somente esses casos são testados e, dois ou três dias depois, eles aparecem nas estatísticas. Isso ocorre aproximadamente duas semanas após a infecção.

Parte dessas pessoas morre uma ou duas semanas depois de internada, e então aparece nas estatísticas de mortos. Ou seja, os casos e mortes anunciados hoje são de pessoas que se infectaram faz quase um mês. Com os dados de hoje estamos totalmente no escuro sobre o que está acontecendo no presente. Imagine que hoje o vírus tenha chegado com força total em uma comunidade qualquer, ele vai se espalhar sem que seja percebido por algumas semanas até atingir o sistema de saúde. É por isso que na Itália, na Espanha, na Inglaterra e em Manaus a situação passou da calmaria total a um caos inimaginável em duas ou três semanas. Para abrir a economia é preciso ter alguma visibilidade sobre o que está acontecendo no presente. É possível que hoje o vírus esteja se espalhando em um município ainda sem casos ou mortes e que está abrindo sua economia sob orientação do novo plano, mas só saberemos disso daqui a três ou quatro semanas. Essa é a realidade, e todos os países que já estão abrindo suas eco- nomias incorporaram esse fato nas suas políticas.

Os modelos epidemiológicos tampouco resolvem esse problema. Eles se baseiam nos dados que temos sobre o passado obtidos no presente (novos casos e novas mortes) e são capazes de prever o que vai acontecer no futuro próximo caso nada tenha mudado nas últimas três semanas. Mas mesmo os melhores, como os do Imperial College de Londres, não são capazes de nos dizer se o vírus está se espalhando hoje em uma grande favela e vai sobrecarregar o sistema da região nas próximas semanas. Me mostrem um modelo que aponte qual cidade em São Paulo será a nova Manaus com três semanas de antecedência e eu, com o maior prazer, mudo de ideia.

Essa janela de tempo em que o vírus se espalha incógnito precisa deixar de existir se o governo deseja controlar surtos localizados ou pequenas epidemias antes que elas se tornem imensos incêndios. E a única maneira conhecida de obter essa informação é um programa de teste semelhante ao implantado na China e na Europa.

O fato é que nenhum país utiliza somente dados de casos hospitalizados, mortes registradas e modelos epidemiológicos para guiar a abertura da economia. Todos implementaram um programa robusto de testes capaz de informar o governo sobre como o vírus está se espalhando em tempo real. Aí esses dados, juntamente com os dados de novas mortes, novos casos e ocupação hospitalar são usados para detectar novos focos e estancálos. É assim que está sendo feito em todo o mundo. Nosso plano de abertura é arriscado e seus resultados são imprevisíveis exatamente porque ele não dispõe desse tipo de informação.

Nos últimos meses o governo foi muito eficiente em aumentar os leitos de UTI e respiradores, mas desprezou totalmente a organização de um sistema de teste que permitisse uma abertura segura da economia. Nosso plano é o único que não é capaz de detectar novos surtos antes de eles lotarem os hospitais. Mas isso não que dizer que não vai funcionar. Afinal, Deus é brasileiro e as jabuticabas só crescem por aqui. Mas que estamos brincando com fogo, isso estamos. O vírus já mostrou o estrago que pode fazer em países desenvolvidos, agora vamos descobrir sua força em um país mal organizado em meio a uma crise política. O vírus acabou de desembarcar no Brasil e o relaxamento em São Paulo marca o fim do primeiro capítulo de sua história no Brasil.

O relaxamento em SP marca o fim do primeiro capítulo da história do vírus no Brasil

sexta-feira, 29 de maio de 2020

Proteja o pequeno comércio


Fique em casa (governo da Bahia)


No escuro contra o vírus(Celso Ming, Estado, 29 8 2020)


CELSO MING : No escuro contra o vírus

Sexta-feira, 29 de Maio de 2020 A flexibilização da quarentena em São Paulo, o epicentro da epidemia no Brasil e no auge da crise, pode passar a ideia de que a crise está passando. Mas é falsa.

O governador do Estado de São Paulo, João Doria, apresentou um programa multicolorido que pretende ser uma flexibilização inteligente do isolamento social a partir de 1° de junho, baseada na ponderação de critérios técnicos. Mas a iniciativa é uma demonstração das enormes dificuldades a serem enfrentadas na escolha de políticas públicas no meio da incerteza.

Em princípio, a flexibilização seletiva deveria se basear em levantamentos sobre o comportamento do vírus, sobre o índice de contaminação, de capacidade do atendimento da rede hospitalar e do grau de imunização da população. Foi por isso que a Organização Mundial da Saúde (OMS) vinha recomendando testes, testes e mais testes.

Mas as estatísticas disponíveis no Brasil são de uma precariedade gritante. Apenas uma ínfima parcela da população foi testada e a maioria das informações técnicas em que se basearam as decisões tomadas não passa de conjunto de hipóteses com alguma probabilidade de acontecer. O País não tem nem sequer estatísticas atualizadas sobre a real incidência de mortes causadas pelo coronavírus. Na quarta-feira, passavam de 4,1 mil as vítimas cuja causa mortis ainda aguardava diagnóstico, o que dá 16% sobre o total.

A liberação progressiva das atividades baseada em critérios geográficos é também questionável. O Município de São Paulo, por exemplo, foi enquadrado em zona laranja, que comporta início de flexibilização. No entanto, os municípios do entorno levam tarja vermelha, portanto continuam sujeitos à quarentena rígida. O programa parece não levar em conta que muita gente que trabalha em São Paulo, no comércio e nos serviços que começam a ser liberados mora nos municípios vizinhos. É o vendedor que tem casa em Guarulhos, mas trabalha num shopping de São Paulo; é o pessoal que vive no ABC, em Barueri, em Mairiporã e que tem emprego fixo em São Paulo. Como controlar esses furos?

É preciso ver, também, se o faturamento proporcionado pela abertura parcial do comércio, que exige obediência a restrições não inteiramente claras, compensará o aumento do custo fixo de manter a loja aberta. As autoridades impõem a observância de certo número de exigências prévias que, de antemão sabemos, não serão controladas nem fiscalizadas pelas prefeituras.

Enquanto isso, certos sanitaristas vêm advertindo que esses e outros esquemas de flexibilização da quarentena podem ser prematuros diante do agravamento da doença. Nesse caso, São Paulo e o Brasil acabariam por repetir o caso do Chile, cujas autoridades contavam com a pandemia em retração, reabriram a atividade econômica, mas, em semanas, passaram a enfrentar novo alastramento do coronavírus.

Enfim, as autoridades do Estado e do País estão tomando decisões de enorme gravidade praticamente no escuro. E isso acontece não porque estejam erradas - algo que nenhum avaliador tem condições de concluir com algum grau de certeza -, mas porque a precariedade do conhecimento do comportamento do vírus não clareia a estrada pela frente. Como este é um megaexercício de tentativa e erro, essas políticas podem acabar se tornando sucessão de avanços e recuos. E de muitas mortes.

» Evolução do crédito O gráfico mostra como evoluiu o crédito do sistema financeiro. O dado mais importante é o de que, em 12 meses (até abril), aumentou em 1,2% o crédito para as empresas, mas recuou em 0,9% para pessoas físicas. Com o agravamento da crise esperam-se fortes alterações nessas variações. Alguém pode perguntar por que se mede o crédito do sistema financeiro. Há outro tipo de crédito? Há, sim. Mas o crédito das empresas para outras empresas (crédito comercial) não tem medição confiável no Brasil.



Gol: Não vislumbramos nada pior do que agora(Estado, 29 5 2020)

Não vislumbramos nada que seja pior do que agora


Modelo da Gol, de baixo custo e menor exposição ao mercado internacional, tende a sair fortalecido da crise, diz Kakinoff
Sexta-feira, 29 de Maio de 2020

Luciana Dyneiwicz
ENTREVISTA Paulo Kakinoff, presidente da Gol

Com as finanças menos deterioradas que Azul e Latam, a Gol tem trabalhado internamente para atravessar a crise da covid-19. Enquanto a primeira contratou a consultoria Galeazzi para renegociar dívidas e a segunda pediu recuperação judicial nos EUA, a Gol não sentiu necessidade de medidas mais extremas - ainda que tenha visto a receita cair em 90%. "Não conseguimos vislumbrar nada que seja pior do que agora", diz o presidente da empresa, Paulo Kakinoff.

Diante desse cenário, a Gol cortou a folha de pagamentos pela metade ao reduzir jornadas e criar um programa de licença não remunerada ao qual 38% dos funcionários aderiram. Kakinoff, porém, acredita que o pior momento começa a ficar para trás e espera chegar ao fim do ano com demanda entre 65% e 80% do normal. A seguir, trechos da entrevista.

Qual a situação financeira da Gol? Há possibilidade de seguir os passos da Latam?

Como não estamos dando projeções para 2021, continua válido o que já publicamos: temos caixa para, no mínimo, até dezembro. Enxergando a crise em três fases. A primeira começou no pós-carnaval, com queda na Bolsa e dólar disparando. Essa fase vai até a inflexão das medidas de quarentena e, nela, a perspectiva é que a demanda seja dada por clientes que precisam viajar, como profissionais de saúde. A segunda fase começa com as medidas de relaxamento da quarentena. A gente estima que, nas próximas duas ou três semanas, inicie esse ciclo e que ele vá até o dia em que a sociedade diga que o problema está sob controle. Nessa fase, a demanda deve ser crescente. Estamos falando do mercado doméstico, porque o cenário internacional é pior. Projetamos chegar ao fim do ano com uma demanda entre 65% e 80% do normal, mas tem uma margem de erro importante. A terceira fase tem uma tendência de recuperação relativamente rápida da demanda. Mas aí já estamos falando em 2021.

O pior momento, então, já passou para o setor aéreo?

Não conseguimos vislumbrar nada que seja pior do que agora. A receita caiu para 10% do que era. Neste momento, estamos com 70 voos diários e, para junho, vislumbramos 100. Esses 100 vão representar de 15% a 17% do que era normal. A retomada é gradual e traz um desafio grande para as aéreas. Felizmente, entramos na crise com uma posição robusta.

Nessa fase dois, dadas as medidas de segurança sanitária, as passagens ficarão mais caras e as margens da empresa cairão?

Esses itens podem significar uma pressão adicional de custos, mas tendem a ser em proporção menor que o câmbio e a querosene. Em relação ao vale da crise, o barril de petróleo saiu de US$ 20 para US$ 35 e o câmbio está flutuando entre R$ 5,40 e R$ 5,70. Essa combinação pressiona custos e tende a ter maior impacto na tarifa.

Analistas têm apontado a Gol como a aérea mais forte para se recuperar. A empresa deve sair da pandemia com participação maior de mercado?

O momento é desafiador para todo o setor, inclusive para nós. Em termos relativos, temos uma vantagem comparativa por causa do nosso modelo de negócio: exposição menor ao mercado internacional e um modelo de baixo custo que, em um mercado deprimido, tende a sair fortalecido. Assumindo que haverá a necessidade de uma readequação de frota a um mercado menor, nossos custos para readequação são menores também. Operamos um avião com mais liquidez. Esses itens têm apontado uma posição mais robusta da companhia neste momento e consequentemente uma probabilidade maior de êxito.

No vídeo da reunião interministerial que se tornou público, o ministro Paulo Guedes disse que não haveria ajuda para aéreas. Como viu essa afirmação? O socorro do BNDES é suficiente?

Não tenho conhecimento de nenhum statement (declaração) governamental que seja diferente da estruturação da linha do BNDES. Temos falado com o governo de pautas concretos. A primeira é a possibilidade de venda antecipada de bilhetes para o governo, que não sabemos se será viabilizada. A segunda é a linha do BNDES. Em nenhum momento, colocamos o empréstimo do BNDES como condição de sobrevivência para a companhia. Poderá vir a ser uma necessidade em função de variáveis imprevisíveis neste momento.

Como vê o mercado doméstico pós-pandemia? O governo queria a entrada de novas empresas no País. Há possibilidade de que agora elas entrem por aquisições?

O setor terá um apetite menor para aquisições e investimentos. A aviação mundial foi afetada em liquidez. Deverá haver mudanças importante nos players (empresas) em relação ao pré-covid: empresas falindo, empresas que vão se juntar e empresas que vão recuar no tamanho. Mas não vejo investimentos em novos mercados ou aquisição. Haverá movimentos como esses, mas pontuais.

Pode ter quebra no Brasil?

Dada a imprevisibilidade da crise, sim, pode. Mas não acho que vá acontecer.

quinta-feira, 28 de maio de 2020

Avaliação do custo dos combustíveis (Décio Oddone, 27 5 2020)

27/05/2020 10:58:39 - EMPRESAS E SETORES DECIO ODDONE: A AVALIAÇÃO DO CUSTO DOS COMBUSTÍVEIS NÃO DEVE SE RESUMIR AO PREÇO NAS REFINARIAS Nas economias de mercado, os preços dos derivados do petróleo flutuam. Somente em casos extraordinários viram notícia. No Brasil, entretanto, variações bruscas ainda causam discussões que trazem prejuízos ao setor e ao País. A lei que estabelece a liberdade de preços é recente. Foi adotada em 2002, mas ainda naquele ano houve controle do custo do botijão de gás. Desde então, nem sempre os preços seguiram o mercado internacional. Durante a crise financeira de 2008, os valores da gasolina e do diesel estiveram acima dos praticados em outros mercados. Entre 2011 e 2014, por outro lado, ficaram abaixo, prejudicando a indústria de biocombustíveis. A prática é muito mais recente. Decorre da postura adotada pela Petrobras de atuar com o legítimo objetivo de maximizar o lucro. De 2015 a 2017, os preços permaneceram acima dos praticados nos países da OCDE. Assim, durante as duas últimas recessões, os brasileiros pagaram, pelos derivados de petróleo, valores superiores aos internacionais. Como é preciso que os preços reflitam o mercado e que os investimentos sejam retomados, o reposicionamento da estatal demandou uma mudança na atuação dos órgãos responsáveis pela política energética e pela regulação. A greve dos caminhoneiros acelerou o movimento. A experiência vivida desde 2002 indica que o modelo adotado, em que a Petrobras detém o monopólio de fato no refino e fornece a maior parte dos derivados, não funcionou na plenitude. O Brasil, embora tenha se tornado um exportador relevante de petróleo, continua dependendo da importação de derivados. Como são commodities, a precificação não tem relação com o custo de produção e nenhum país é formador de preços. Para viabilizar a compra no exterior, a paridade de importação se impõe. E qualquer redução só virá por crescimento da oferta e da competição. O desalinhamento dos preços dificulta a programação de investimentos em combustíveis fósseis e renováveis e prejudica a competitividade do setor produtivo, que fica exposto a variações extemporâneas de custos importantes. Em uma época em que a indústria está inserida nas cadeias produtivas globais, o alcance desses impactos merece estudos específicos. Como existe capacidade de refino ociosa no mundo, não será fácil aprovar grandes projetos no País, que só se justificariam se houvesse convicção de que os preços seguirão atrelados ao mercado e se os riscos de intervenções ou de adoção de práticas anticoncorrenciais fossem baixos. A geração de excedentes, no entanto, poderia levar os preços internos a condições próximas da paridade de exportação, com valores equivalentes aos internacionais menos os custos logísticos. Pelos argumentos apresentados, o alinhamento aos preços praticados nos mercados internacionais é fundamental para o sucesso da indústria brasileira de petróleo e biocombustíveis, para a atração de investimentos e para a redução da dependência de importações. Por outro lado, não basta que os preços estejam alinhados aos mercados internacionais. É necessário que sejam estabelecidos em um mercado livre, aberto e competitivo. Também, que haja transparência na divulgação, o que dificulta a prática de valores muito distintos dos vigentes em outros mercados relevantes e, ao permitir que a sociedade entenda como se dá a sua formação, ajuda o consumidor a validar e aceitar melhor as flutuações do mercado e do câmbio. Além disso, a transparência é importante na transição para um mercado concorrencial, pois reforça o ambiente regulatório, promove estruturas de mercado mais eficientes, aumenta a capacidade de resposta dos agentes a deficiências de oferta, reduz as assimetrias de informação, melhora a avaliação das oportunidades de investimento e protege os interesses do consumidor. Assim, é fundamental continuar avançando em busca de um modelo aberto, em que diferentes agentes possam refinar petróleo e continuem a importar derivados, em um ambiente de livre formação de preços e de transparência. O preço dos combustíveis nas refinarias representa cerca de 30 a 50% do valor na bomba, a depender do produto. No entanto, atrai a discussão sobre os custos. Trata-se de um equívoco recorrente, que deve ser evitado. A análise dos preços dos combustíveis deve abranger todos os seus componentes: produtos, incluídos os biocombustíveis utilizados na mistura, margens de distribuição e revenda e tributos. Como visto, para que a indústria de petróleo, etanol e biodiesel seja exitosa, os preços ao produtor devem ser livremente formados. As margens são estabelecidas em ambiente competitivo. Quanto melhor for a logística e maior a competição, mais benefícios para o consumidor. E mais eficiente a transmissão das variações de preço ao longo da cadeia. Por isso, é necessário que os custos logísticos sejam otimizados e que também na distribuição e na revenda o mercado seja dinâmico e competitivo. Tributos são definidos pelos governos. Refletem escolhas. Representam meios para as autoridades implementarem políticas fiscais e energéticas. Não há um nível certo ou errado. Qualquer decisão é legítima. Como há países que tributam menos que o Brasil, existem os que tributam mais. Não se tem notícia, porém, de um que adote um sistema tão complexo. Nos últimos anos, se avançou em direção a uma oferta mais competitiva e transparente. Os preços vêm sendo formados livremente e divulgados com transparência. Foi iniciado um processo de abertura no refino. Estabelecer políticas de preço a nível de produção ou importação, como apontado, não traria benefícios para o setor de combustíveis e para o País. Assim, para aprimorar a formação dos preços dos combustíveis ao consumidor, é preciso continuar trabalhando para aumentar a competição em toda a cadeia e aperfeiçoar a cobrança dos tributos, o que deveria ser acompanhado de medidas para combater as fraudes tributárias, a adulteração, a sonegação e a lavagem de dinheiro no setor. Décio Fabricio Oddone da Costa é engenheiro. Trabalhou na Petrobras e no setor privado. Foi Diretor-Geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Escreve quinzenalmente para o Broadcast Energia. Esse artigo representa exclusivamente a visão do autor.

O drama da sustentabilidade(José Eli da Veiga, 28 5 2020)

José Eli da Veiga - O drama da sustentabilidade

COLUNISTAS
Quinta-feira, 28 de Maio de 2020 

José Eli da Veiga
A pandemia talvez comporte algum incentivo a que se evite manter debaixo do tapete a maior das dúvidas do século XXI: se os atuais padrões socioeconômicos poderão continuar a coexistir com a biosfera. Não foi por outra razão que emergiu, há quase trinta anos, o novo valor que é a sustentabilidade.

Todavia, o mais provável é que as instâncias de governança global mais graúdas — como o G-20 ou a Assembleia Geral da ONU— continuem a agir sem realmente levar a sério a grande dúvida do século. Pois os agentes que as influenciam tendem a ser os últimos da fila entre os que chegam a se sensibilizar com este tipo de aflição. Além disto, não há motivo para qualquer otimismo em contexto mundial ultrabipolar, espécie de segunda Guerra Fria, em que os governos dos EUA e da China disputam outro gênero de pioneirismo. Para ambos, a transição energética das fósseis às renováveis é muito menos relevante que a nova corrida para a Lua, por exemplo. Circunstância em que iniciativas nos âmbitos das grandes convenções internacionais dos anos 1990 — principal - mente as do clima e da biodiversidade — têm reles interesse se comparadas aos seus atritos diplomáticos na OMC ou na OMS.

Ao mesmo tempo, esta inevitável inércia da desgovernança mundial da sustentabilidade não deve impedir que sociedades civis, em mais de 190 nações, exerçam legítima pressão, especialmente sobre os muitos entes subnacionais, para aumentar as chances de que a sustentabilidade deixe de ser um acessório, quando não mero enfeite. Para tanto, certamente contribui a vigência da Agenda 2030, com seus dezessete ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável). Porém, ela só poderá cumprir o relevante papel institucional de abrir caminhos na direção de tão nobres objetivos, se — além de o mundo evitar acidente nuclear — consiga acelerar o ritmo em que vêm surgindo as mais influentes inovações tecnológicas. A sustentabilidade vai depender essencialmente da velocidade com que surja um próximo padrão energético, capaz de favorecer o retorno de razoável cooperação internacional.

Recorrendo a uma metáfora, é como se Sísifo não estivesse apenas condenado a repetir eternamente a tarefa de empurrar a pedra até o topo da montanha, mas também a executá-la com crescente rapidez. E é a própria história, natural e socioeconômica, que mostra o quanto a humanidade está obrigada a ser cada vez mais ágil em inovar. Sem isso, com certeza já teria sucumbido à profecia malthusiana, não apenas no quesito alimentação, mas também no âmbito energético e nos de muitos outros recursos naturais.

Mas, muita atenção! Não se trata de conjectura, e sim de preciosas medições matemáticas estampadas nas 81 figuras com que o físico teórico Geoffrey West ilustrou suas teses sobre “as leis universais do crescimento, da inovação, da sustentabilidade e do ritmo de vida em organismos, cidades, economias e empresas”. Tal é o extenso subtítulo de seu prodigioso livro Scale, publicado, em 2017, pela Penguin (R$ 30 no kindle). Mostra como foram ficando cada vez mais curtos os intervalos entre as vinte mais importantes inovações surgidas, desde o aparecimento da vida até a invenção do computador pessoal. Das quais, mais da metade precederam o processo civilizador.

Sem uma única equação em 481 páginas, a obra consegue demonstrar a existência de surpreendentes regularidades e similaridades entre inúmeros fenômenos biológicos e socioeconômicos, principalmente referentes às “leis de escala”, a origem, tanto da teoria metabólica da ecologia, quanto da alometria, ramo da biologia. Embora o autor tenha inicialmente trabalhado com física quântica, no célebre laboratório Los Alamos, foi ali pertinho, no Instituto Santa Fé, que, nos anos 1990, se juntou a dois expoentes da macroecologia — James H. Brown e Brian J. Enquist — para desenvolver pesquisas de fronteira sobre sistemas complexos, tanto biológicos quanto socioeconômicos.

Do sistema imune ao mercado global, passando por um cérebro ou por um formigueiro, não faltam exemplos análogos em que amplas redes auto-organizadas fazem emergir — mediante simples esquemas operacionais e sem qualquer controle central — sofisticados comportamentos e tratamento de informações. E a maior parte de tais conjuntos também tem capacidade adaptativa, seja por evolução, como por aprendizado.

Isso tudo só pode parecer muito bizarro à esmagadora maioria dos que lidam com o drama da sustentabilidade, pois todos continuamos vítimas da pesada inércia disciplinar, estejamos refletindo em instituições de pesquisa, ou com a mão na massa em empresas e terceiro setor. Daí a importância de que se tome conhecimento dos resultados obtidos em um quarto de século de esforços transdisciplinares. Geoffrey West também nos lembra de uma entrevista em que perguntaram a seu saudoso colega Stephen Hawking se este não seria o século da biologia, do modo em que o anterior foi o da física. A resposta não poderia ter sido mais direta e concisa: “Será o século da complexidade”.

"Sociedades civis devem pressionar para que a sustentabilidade deixe de ser um acessório, ou um mero enfeite"

José Eli da Veiga, professor sênior do Instituto de Estudos Avançados da USP, mantém dois sites: www.zeeli.pro.br e www. sustentaculos.pro.br

quarta-feira, 27 de maio de 2020

Funiculi Funicula na Coréia


Produção acumulada, poços de petróleo

Agora, por campo... 👇






O jogo virou


Wall Street volta ao patamar de março com teste de vacinas(Valor, 27 5 2020)

Wall Street volta ao patamar de março com teste de vacinas

Mercados Índices Dow Jones e S&P 500 sobem com perspectiva de retomada gradual da economia
Quarta-feira, 27 de Maio de 2020 


Gabriel Roca e Victor Rezende
Os investidores receberam positivamente as notícias sobre o desenvolvimento de vacinas contra a covid-19 e de retomada gradual da economia em diversas partes do mundo e ampliaram de maneira generalizada a demanda por ativos de risco ontem. A alta só não foi mais acentuada porque, nos minutos finais de sessão, novos sinais de tensão entre EUA e China esfriaram parcialmente os ânimos dos agentes financeiros.

O cenário positivo recolocou as ações em Wall Street em seu maior nível desde o início do mês de março. Na bolsa de valores de Nova York, o Dow Jones avançou 2,17%, aos 24.995,11 pontos, enquanto o S&P 500 subiu 1,23%, para 2.991,77 pontos. O índice eletrônico Nasdaq registrou ganhos de 0,17%, a 9.340,22 pontos. Do outro lado do Atlântico, o índice Stoxx 600 Europe fechou em alta de 1,08%, aos 348,92 pontos.

Desde o início da sessão, o otimismo deu o tom nos mercados, com notícias positivas sobre o desenvolvimento de vacinas contra a covid-19. A companhia americana de biotecnologia Novavax iniciou testes em humanos na Austrália, o que levou as ações da empresa a saltarem 17,89% nas máximas do dia.

A gigante farmacêutica Merck & Co., também anunciou que em breve terá duas vacinas em potencial, além de uma droga experimental contra o coronavírus, juntando-se a concorrentes na frenética busca pela elaboração de medicamentos.

De acordo com uma contagem da Fundstrat, empresa de análise de mercados, existem dez vacinas em avaliação clínica e 114 em avaliação pré-clínica.

Além dos desdobramentos na corrida pela elaboração de medicamentos, os investidores também receberam positivamente os sinais de retomada gradual da economia em diversas partes do mundo, após meses de restrição das atividades devido à pandemia.

Dados da plataforma de reservas OpenTable mostram que os americanos estão retornando lentamente a restaurantes em algumas partes do país, informou o “The Wall Street Journal”, ao mesmo tempo em que números apontam que a atividade de caminhões de carga vem crescendo nas últimas semanas.

“Trata-se de otimismo pela reabertura da economia”, disse Megan Horneman, estrategista de portfólio da Verdence Capital Advisors, ao MarketWatch. “Esse é o grande impulsionador do mercado hoje”, afirmou. Em linha com os demais ativos de risco, os contratos futuros do petróleo WTI para julho subiram 3,30%, a US$ 34,35 o barril.

As boas notícias também impulsionaram um movimento de venda de ativos de proteção. Os rendimentos dos Treasuries, que sobem quando os preços caem, avançaram. A taxa do papel de dez anos subiu a 0,69%, de 0,66% do fechamento anterior. Os preços do ouro para entrega em junho recuaram 1,72%, a US$ 1.705,60 a onça-troy.

No fim da sessão, no entanto, uma reportagem da agência “Bloomberg” apontou que o governo americano considera impor sanções a autoridades, empresas e instituições financeiras chinesas na esteira do esforço de Pequim para impor uma nova lei de segurança nacional sobre Hong Kong. A publicação esfriou parcialmente o ímpeto dos investidores, afastando as ações em Wall Street das máximas diárias.

A agência apontou que o Departamento do Tesouro dos EUA poderia impor controles sobre transações e congelar ativos de autoridades e empresas chinesas a depender dos desdobramentos políticos em Hong Kong, em um novo sinal de piora nas relações entre as duas maiores economias do mundo.

terça-feira, 26 de maio de 2020

Oiça lá ó senhor vinho (Amália Rodrigues)


Shopping na Itália, retomada


Populismo está levando o Brasil à catástrofe(Gideon Rachman, Valor, 26 5 2020)

Populismo está levando o Brasil à catástrofe

Terça-feira, 26 de Maio de 2020 
Gideon Rachman Financial Times
Análise

Em visita ao Brasil no ano passado, conversei com uma destacada financista sobre os paralelos entre Donald Trump e Jair Bolsonaro.

“Eles são muito parecidos”, disse ela, antes de acrescentar: “Mas Bolsonaro é muito mais burro”. Essa resposta me pegou de surpresa, uma vez que o presidente dos Estados Unidos não é tido, de modo geral, como um grande intelecto. Mas minha amiga insistiu. “Veja só”, disse ela. “Trump administrou uma grande empresa. Bolsonaro nunca conseguiu passar de um capitão no Exército.”

A pandemia de coronavírus me recordou essa observação. O presidente do Brasil tomou uma atitude impressionantemente semelhante à de Trump — mas ainda mais irresponsável e perigosa. Ambos os dirigentes ficaram obcecados com as supostas virtudes curativas do medicamento antimalária hidroxicloroquina. Mas, enquanto Trump simplesmente assume essa defesa por conta própria, Bolsonaro obrigou o Ministério da Saúde brasileiro a emitir novos protocolos, que recomendam o medicamento para pacientes de coronavírus. O presidente dos EUA brigou com seus assessores científicos. Mas Bolsonaro demitiu um ministro da Saúde e levou seu substituto a pedir exoneração. Trump manifestou simpatia por manifestantes anticonfinamento; Bolsonaro participou de suas manifestações.

Infelizmente, o Brasil já está pagando um preço alto pelas travessuras de seu presidente — e as coisas estão se agravando de forma acelerada. O coronavírus chegou ao Brasil de forma relativamente tardia. Mas o país tem a segunda maior taxa de infecção do mundo e o sexto maior número de vítimas fatais da covid-19. O número de mortes no Brasil, que responde por cerca de metade da população da América Latina, agora dobra a cada duas semanas, comparativamente à frequência de cada dois meses registrada no duramente atingido Reino Unido.

A configuração econômica e social do Brasil permite concluir que o país sofrerá severamente com a aceleração da pandemia. O sistema hospitalar em São Paulo, a maior cidade brasileira, já está próximo do colapso. Com grandes parcelas dos habitantes vivendo em condições de grande densidade populacional, e sem poupança, o desemprego em massa poderá levar à fome e ao desespero ao longo dos próximos meses.

Mas seria justo responsabilizar Bolsonaro? O presidente, empossado em 1º de janeiro de 2019, não é, evidentemente, responsável pelo vírus — nem pela pobreza e pela superconcentração de pessoas que transformaram a covid-19 em tamanha ameaça ao país. Ele também não conseguiu impedir que muitos dos governadores e prefeitos brasileiros impusessem regimes de confinamento em Estados e municípios. Mas, ao estimular seus seguidores a desprezar os regimes de confinamento e ao contestar seus próprios ministros, Bolsonaro é responsável pela resposta caótica que permitiu que a pandemia fugisse ao controle. Em decorrência disso, os danos à saúde e à economia sofridos pelo Brasil tendem a ser maiores e mais profundos do que poderiam ter sido. Outros países que enfrentam condições sociais ainda mais difíceis, como a África do Sul, tiveram uma reação muito mais disciplinada e eficaz.

Se a vida fosse uma saga sobre a moralidade, as excentricidades de Bolsonaro em torno do coronavírus levariam o Brasil a se voltar contra seu presidente populista. Mas a realidade pode não ser tão simples.

Não há dúvida de que Bolsonaro passa por problemas políticos. Seus índices de popularidade despencaram e estão agora abaixo de 30%; cerca de 50% da população desaprova o tratamento dado por ele à crise. O apoio de que ele gozava no passado da parte dos conservadores tradicionais — desesperados por se livrar do Partido dos Trabalhadores, de esquerda — está atualmente em processo de esfacelamento. Sergio Moro, seu ministro da Justiça de alta popularidade dedicado ao combate à corrupção, pediu demissão no mês passado. As denúncias de Moro sobre os esforços do presidente em interferir nas investigações policiais foram suficientemente explosivas para levar o Supremo Tribunal a abrir uma investigação capaz de levar ao seu impeachment.

Mas um impeachment no Brasil é um processo na mesma medida político quanto é jurídico. As infrações que levaram à retirada de Dilma do cargo de presidente em 2016 foram de ordem razoavelmente técnica. Pesou mais o fato de Rousseff ter sucumbido a um índice de aprovação de 10% nas pesquisas e de a economia ter sofrido uma profunda recessão. Os índices de aprovação de Bolsonaro ainda estão muito acima do ponto mais baixo registrado por Dilma. E,num momento em que a economia se encaminha, indubitavelmente, para uma recessão profunda e para uma escalada do desemprego, sua retórica anticonfinamento pode lhe proporcionar alguma proteção política. O professor Oliver Stuenkel, da Fundação Getúlio Vargas (FGV) de São Paulo, diz: “O que Bolsonaro quer é se dissociar da crise econômica que se aproxima”.

As medidas de isolamento social condenadas por Bolsonaro poderão, na verdade, lhe valer do ponto de vista político. Poderão evitar as manifestações de massa responsáveis pelo impulso dado à campanha a favor do impeachment de Dilma. E dificultarão a tarefa dos políticos de tramar e negociar nas famosas “salas enfumaçadas”— processo necessário para costurar um impeachment bem-sucedido. Tramar pelo telefone não é a mesma coisa. Alguns políticos poderão sentir que mergulhar o Brasil em uma crise política não é conveniente no meio de uma pandemia.

Mas a união nacional não vai se instaurar enquanto Bolsonaro for presidente. Num clássico estilo populista, ele prospera com base na política da divisão. O Brasil já é um país profundamente polarizado, repleto de teorias de conspiração. As mortes e o desemprego causados pela Covid- 19 estão sendo exacerbados pela liderança de Bolsonaro. Mas, de maneira perversa, uma calamidade de saúde e econômica poderá criar um ambiente ainda mais propício para a política do medo e da irracionalidade.

segunda-feira, 25 de maio de 2020

Papa na praça de São Pedro



Seiji Ozawa


Seiji Ozawa, célebre condutor japonês, tem Alzheimer. Zubin Mehta recentemente prestou homenagem a ele, levando-o a realizar um pequeno concerto. Veja que gesto de carinho entre os dois mestres regentes e a alegria dos professores da orquestra. É impressionante ver Ozawa se distrair de seu papel e como Metha o reintroduz no show e ele reage imediatamente, apontando para alguma entrada dos metais. (Acontece que a música permanece no cérebro das pessoas com Alzheimer, mesmo em estágios muito avançados.)

fundos imobiliários de logística e residenciais ganham apelo(Valor, 25 5 2020)

Na crise, fundos imobiliários de logística e residenciais ganham apelo

Investimentos Segmento de shopping tende a ser um dos mais prejudicados pós-covid-19
Segunda-feira, 25 de Maio de 2020 
Sérgio Tauhata
Entender o rumo dos mercados após a pandemia é a pergunta do bilhão para grande parte dos setores. No caso do imobiliário, um dos mais impactados pelas transformações no comportamento de investidores e consumidores, saber separar as tendências das situações pontuais vai definir o sucesso das futuras apostas, ressaltam gestores ouvidos pelo Valor.

Sob a ótica dos fundos imobiliários, no curto e médio prazos, já é possível identificar vencedores e perdedores. Especialistas do setor veem algumas das estrelas do ano passado caírem por terra por conta das medidas de contenção da covid-19, caso de shopping e hotelaria.

O segmento de shoppings, por exemplo, que brilhava nos portfólios até o começo do ano diante da perspectiva de retomada da atividade econômica, perdeu as asas no período de isolamento forçado.

Sem circulação de pessoas, os centros comerciais amargam queda repentina e profunda de receitas de locação e ainda enfrentam um processo de renegociação dos valores de aluguéis para evitar uma quebradeira generalizada de lojas.

Mesmo após o fim da crise, os gestores se mostram cautelosos.

“No caso dos shoppings, a recuperação vai ser mais lenta porque tem muito lojista que não vai ter fôlego para bancar o aluguel e a vacância vai aumentar”, diz a diretora de fundos imobiliários da Rio Bravo, Anita Seal.

Além de aumento de espaços vazios nos centros comerciais, os próprios consumidores tendem a visitar menos os locais. “A circulação nos shoppings deve se reduzir [após a pandemia] porque as pessoas vão ter um certo receio de frequentar”, diz o CEO da Habitat, Eduardo Malheiros.

Outro segmento muito atingido pela covid-19, os hotéis também sofrerão com recuperação lenta após o fim da crise de saúde. “Acho que um dos maiores perdedores da pandemia é o segmento de hotelaria”, diz o sócio e diretor de risco e relações com investidores da Hectare, André Catrocchio. “Não há muita certeza como vai funcionar a volta do turismo e a ocupação dos estabelecimentos é um ponto de interrogação.”

Já entre os vencedores, dois segmentos despontam como os mais promissores: logística e residencial. O primeiro vinha em uma tendência de crescimento impulsionado pelo comércio eletrônico. Na era do isolamento social, a demanda por compras pela internet se acelerou e trouxe a reboque o interesse pelos fundos com carteira de galpões e outros ativos de logística.

Nesse cenário, muitas redes de varejo passaram a acelerar o investimento no e-commerce e até os pequenos negócios veem o “delivery” como solução para parte da queda de receitas. Com isso a necessidade de empreendimentos logísticos para armazenagem e distribuição tem subido.

Para Anita, da Rio Bravo, a perspectiva mais promissora é verdade especialmente para fundos com propriedades logísticas dentro dos grandes centros ou nas proximidades das vias de acesso dos maiores mercados. “Os fundos que tiverem ativos no ‘last rnile’ [centros de distribuição perto das cidades para entregas rápidas] estão se beneficiando do aumento do e-com-merce e tendem a manter os rendimentos estáveis ou aumentá-los.”

Após a crise, um segmento que até o momento reúne pouquíssimos portfólios, o residencial, pode se tornar uma estrela em ascensão, por conta do déficit habitacional, e que agora ficou viável por causa do nível da taxa de juros, afirma o gestor dos fundos imobiliários da Mauá Capital, Brunno Bagnariolli.

“Para o residencial funcionar a taxa de remuneração do aluguel tem de ser maior do que a taxa de juros da economia e isso no Brasil até pouco tempo não era verdade”, diz. Com a queda da Selic para o menor nível histórico e a perspectiva de se manter em um dígito no longo prazo, o investimento em fundos residenciais, com objetivo de renda, se torna possível.

O residencial ainda vai se beneficiar nos próximos anos de outros dois fatores: a pressão demográfica e o descasamento de oferta e procura. De acordo com o CEO da TG Core, Diego Siqueira, o crescimento natural da população brasileira cria uma necessidade de 1,5 milhão de novas residências por ano. “Mas produzimos em torno de 500 mil a 600 mil por ano, ou seja, temos um déficit habitacional crescente.”

A pandemia paralisou os lançamentos imobiliários, além das obras de projetos em andamento. Essa parada vai acentuar ainda mais o descompasso entre o aumento orgânico da demanda após a crise e a falta de imóveis entregues pelas incorporadoras, apontam os gestores.

“O mercado imobiliário está paralisado e, embora a perspectiva seja de que o país vá enfrenta ruma recessão fortíssima, a oferta de imóveis em São Paulo, por exemplo, já está baixa”, diz o CEO da RBR, Ricardo Almendra. “Tanto para residencial, escritórios e galpões hoje tem muito menos oferta do que tinha em 2014 e 2016. E isso tira pressão de queda sobre os preços durante a crise. Nos próximos anos, em meio à retomada, o mercado imobiliário não terá tempo para entregar todos os imóveis que os consumidores vão demandar."

O residencial também tem a tendência de passar por transformações devido à mudança de hábitos, em que muita gente vai passar mais tempo em casa, seja a trabalho ou devido a uma cautela em relação a aglomerações. Ele conta que a RBR tem um fundo que investe em prédios residenciais em Nova York, nos EUA, em que compra propriedades e reforma. “Em um dos nossos projetos, houve demanda para transformar os depósitos que cada unidade têm em escritórios. Foi a primeira adaptação no meio da pandemia com a ideia que a pessoa possa ter opção de trabalhar em casa, seja de maneira definitiva ou temporária.”

O CEO da Vitacon, Alexandre Frankel, vai além e enxerga um potencial para uma transformação radical no mercado,acelerada pela pandemia. Em sua visão, grande parte das moradias vai pertencera fundos ou investidores e as pessoas vão consumir a residência como um serviço, de modo semelhante ao que ocorreu após o surgimento dos aplicativos de transporte.

Assim como um número crescente de motoristas passou a deixar os carros na garagem ou nem mesmo ter um veículo, uma “uberização" das residências pode ganhar tração no pós-pandemia. “Esse conceito de moradia como serviço era uma tendência recente e está sendo acelerada pela covid-19, porque as pessoas tenderão a evitar se comprometer com financiamentos longos”, diz.

Nessa nova era de hábitos mais reclusos, os projetos da incorporadora vão acrescentar facilidades para o “honre Office”. “Todos os nosso prédios já tinham espaços de co-working, mas agora a tendência é ter salas de trabalho individuais em lugar de espaços compartilhados”, diz Frankel.

“O mesmo conceito vale para academias, que podem se transformar em estúdios de treinamento individual. Já temos projetos novos saindo com dez estúdios de fitness usados de forma individual. Além disso, haverá muitas tendências com foco em praticidade, como no caso de delivery, por exemplo, os prédios vão ter aeroporto de ‘drones’, para entregas de compras por veículos não tripulados, e armários de deliveiy para não ter contato com o entregador.”

A tendência de crescimento do “honre Office” após a pande-mia, porém, não significa um esvaziamento de escritórios, acreditam os gestores. “Acho que será um movimento não tão relevante quanto muita gente pensa a ponto de mudar o mercado”, diz Malheiros, da Habitat.

Para Bagnariolli, da Mauá Capital, a taxa natural de absorção da capital paulista compensaria uma eventual migração de escritórios para as residências. Segundo o especialista, em dois anos a demanda natural da cidade de São Paulo seria capaz de neutralizar o movimento. Nos cálculos dele, a absorção líquida de espaços comerciais na capital paulista tem sido da ordem de 400 mil metros quadrados anuais na média recente. Se um contingente de 20% dos profissionais na cidade de São Paulo adotar o trabalho remoto, haveria uma liberação de cerca de 700 mil m² em escritórios, que pode ser absorvido em menos de dois anos.

Na avaliação de Almendra, da RBR, o segmento de lajes corporativas de padrão triplo “A”, especialmente, mostra-se resiliente à crise e às mudanças comporta-mentais. Para o gestor, os prédios de padrão mais elevado tendem a manter os inquilinos, em sua maioria, grandes empresas, que vão conseguir passar pela turbulência com danos controlados.

As corporações, no geral, manteriam os espaços atuais, mas com menos pessoas. “Com a pandemia, tem uma tendência de um menor adensamento do escritório, ou seja, haverá menos profissionais nos espaços por metro quadrado do que antes e isso faz com que o efeito do honre office seja compensado.”

quinta-feira, 21 de maio de 2020

O rei do voley


Novos eletrodomésticos


O que não se diz sobre a pandemia(Valor, 21 5 2020)



Por Marcelo Carnielo - O que não se diz sobre a pandemia

Quinta-feira, 21 de Maio de 2020 - 00:18

Valor Econômico  / Opinião

Por Marcelo Carnielo

Problemas da saúde existem desde sempre, só tornaram-se mais evidentes.

Ao ler as publicações diariamente sobre a covid-19 e os seus efeitos no sistema de saúde brasileiro, tenho a impressão de que todo o caos no setor é provocado por essa doença. Parece- me que esquecemos que o sistema público de saúde sempre esteve em crise, desde que nasceu e que as UTIs (Unidades de Terapia Intensiva) sempre estiveram lotadas. Em 106 UTIs adultas analisadas pela Planisa nos últimos três anos, a ocupação média foi de 90%, isto é, dentro do limite de ocupação destas unidades, muito embora alguns possam questionar que o limite seria 100%, o que é impraticável.

Muito se fala da possibilidade de se escolher qual paciente irá utilizar um leito de UTI e qual não. Desde sempre, nos rincões deste país, muitas crianças nascem precisando de leitos de UTI Neonatal, mas do local de nascimento até a UTI Neonatal mais próxima, a algumas centenas de quilômetros, essa criança, apesar de tudo, nem foi submetida à escolha: morreu, morre e provavelmente continuará morrendo. A verdade é dolorida, mas aqui no Brasil e no mundo não há e não haverá recursos para todos, portanto, as escolhas acontecem desde sempre, o problema é que, muitas vezes, elas são péssimas, baseadas em questões políticas e outras.

Ainda, sabidamente muitos pacientes ocupam indevidamente leitos de UTI, especialmente na esfera privada, onde os ganhos financeiros nestas unidades são reais, resultado de um modelo de remuneração que coloca o hospital, as fontes pagadoras e os próprios médicos no centro do cuidado, enquanto deveria ser o paciente. Muito embora o SUS remunere R$ 508,63 por uma diária nível III e custe as unidades hospitalares, nestas 106 UTIs adultas estudadas, em média R$ 1.934.

Apesar do subfinanciamento e de todos os avanços do SUS, além da gestão de excelência e inquestionável de muitos hospitais públicos e privados (filantrópicos e não filantrópicos), alguns comparáveis aos melhores hospitais do mundo, o sistema de saúde como um todo tem muito a melhorar.

Estima-se que pelo menos 10% dos pacientes internados no Brasil são por condições sensíveis à atenção primária, isto é, poderiam ser tratados na assistência básica e, segundo estudo da consultoria IAG Brasil, 80% dos pacientes do SUS permanecem internados além do necessário. Com isso, além de onerar os cofres públicos, prejudica a oferta de leitos e, consequentemente, aumenta significativamente o desperdício dos recursos da saúde.

Em estudo conduzido pela Planisa em uma unidade hospitalar com mais de 500 leitos, registrou- se excedente de diária acima de R$ 4 mil por mês, que consumiram mais de R$ 5 milhões mensais desnecessariamente. Então, ao invés de pensarmos somente em ampliação de leitos, que requer investimento e tempo, que tal pensarmos em utilizar melhor os leitos que já existem?

Agora, por exemplo, com a covid- 19, muitos hospitais de campanha se espalham pelo país. Longe de se avaliar aqui os custos e a efetividade destes hospitais, mas por que não se contratam primeiramente os leitos já existentes em hospitais privados, provavelmente mais baratos e que já possuem estrutura e profissionais capacitados? Afinal, o problema de atendimento não termina com a disponibilização do leito e do respirador, mas sim com a alta do paciente e, para que isso ocorra, a capacitação e habilidade dos profissionais de saúde são fatores imprescindíveis.

Soma-se a isso, pacientes submetidos a cirurgias que não precisavam ou que poderiam ser realizadas em centros cirúrgicos-ambulatoriais, os erros assistenciais, as reinternações por recaídas, as fraudes, entre outros. O médico Claudio Lottemberg e outros autores, em seu livro “A revolução digital na saúde”, afirma que levantamentos indicam que cerca de 60% das cirurgias realizadas não seriam necessárias. Estima-se que os desperdícios da saúde brasileira sejam ao redor de R$ 22 bilhões a cada ano, o que nos coloca na 51ª posição, entre 56, no índice da Bloomberg.

Outro fenômeno que observamos com a covid-19, principalmente na esfera privada, é a ociosidade das unidades de emergência, que quase que milagrosamente ficaram vazias. Diante disto, pergunto: os pacientes não estão ficando mais doentes? Ou utilizavam- se da emergência de forma ambulatorial? Já sabemos que alguns pacientes graves adoecem em casa com medo de ir à emergência por causa da covid-19, mas de modo geral, quanto dinheiro é consumido nas emergências desnecessariamente? Haja vista que são unidades caras e que não deveriam receber pacientes com necessidades ambulatoriais.

De modo geral, o sistema de saúde brasileiro é desconectado. Apesar dos esforços, ainda é desafiador a organização da rede de assistência no país. Espera-se que as plataformas com dados de pacientes da rede pública e suplementar possam convergir e se relacionar entre si algum dia, para quem sabe, por exemplo, o tão esperado prontuário eletrônico de saúde se torne realidade, algo essencial para gerar ganhos importantes de eficiência.

Como se não bastasse, vivemos emum país de imensa desigualdade social. Dentro da cidade de São Paulo, a expectativa de vida ao morrer de um morador da região da Paulista é 79,4 anos, enquanto a média de idade ao morrer de um morador no Jardim Angela é 55,7 anos, conforme mostra o Mapa da Desigualdade da Rede Nossa São Paulo. Soma-se a isso o envelhecimento acelerado da população brasileira, as causas externas (violência) e a incidência de doenças infectocontagiosas. Em 2019, o país registrou crescimento de 488% nos casos de dengue, comparando com 2018, segundo dados do Ministério da Saúde.

Portanto, os nossos problemas não estão somente na troca do ministro, na argumentação de insuficiência de leitos ou de equipamentos de proteção individual (EPI), muitos estão aí desde sempre. A única diferença é que com a covid-19 todas essas questões tornaram-se mais evidentes.

Cabe aqui comentar que não estou diminuindo a gravidade da covid-19, apenas reforçando que o sistema de saúde como um todo sempre teve muitos desafios. Cabe talvez, agora, à luz da covid-19, avançar mais rapidamente.

"Levantamentos indicam que cerca de 60% das cirurgias realizadas não seriam necessárias. Estima-se que os desperdícios da saúde brasileira sejam ao redor de R$ 22 bilhões a cada ano, o que nos coloca na 51ª posição, entre 56 países no índice da Bloomberg"

Marcelo Carnielo é diretor técnico da Planisa e especialista em administração hospitalar e gestão de custos e finanças


100 anos de COVID


Cachaça organica


Qualidades do Pequi


quarta-feira, 20 de maio de 2020

Matemagica


I can get no...


Estado com menos mortes, MS descarta afrouxar isolamento(Valor, 20 5 2020)

Estado com menos mortes, MS descarta afrouxar isolamento

Entrevista Azambuja pede fim de excessos de ‘todos os lados’ e diz que não concederá reajuste a funcionalismo
Quarta-feira, 20 de Maio de 2020
Com 642 casos confirmados e 16 mortes, menor incidência entre todos os Estados do país na pandemia, Mato Grosso do Sul descarta afrouxar a política de isolamento social diante dos bons resultados. As aulas na rede escolar tiveram retorno adiado desta semana para 30 de junho e o funcionalismo ainda não tem data para voltar do regime de teletrabalho.

“A economia nós conseguimos recuperar. Vidas perdidas, não”, diz o governador Reinaldo Azambuja (PSDB). Dos 296 leitos de UTI disponíveis para o tratamento da doença, oito estão ocupados. Um hospital de campanha ficou pronto, mas não teve necessidade de inauguração. Com a autoridade de quem ostenta esses indicadores, o tucano afirma que não é hora de flexibilizar protocolos e defende “unidade” no combate à covid-19.

Por unidade, ele entende que é preciso conter o “radicalismo” e que “chega de apontar o certo e o errado”, em referência ao presidente Jair Bolsonaro, mas também a outros governadores. “Meu finado pai ensinava: vamos desarmar os espíritos”, disse o governador, que está no segundo mandato, em entrevista telefônica ao Valor .

Valor: Mato Grosso do Sul tem o menor número de casos e de mortes no país. A que o sr. atribui isso?

Reinaldo Azambuja: O mais importante foi termos montado um centro de operações em 31 de janeiro. Conseguimos frear muito a disseminação do vírus por causa do isolamento desde março. Antevíamos o risco de um problema grande e colocamos várias secretarias para trabalhar em conjunto na questão sanitária. Ampliamos em 43% a disponibilidade de UTIs, implantamos teletrabalho no funcionalismo, suspendemos aulas presenciais, criamos uma plataforma digital para oferecer 70 serviços aos cidadãos. Também instalamos 17 barreiras sanitárias nas divisas do Estado e fechamos fronteiras com Bolívia e Paraguai, além da suspensão de visitas aos presídios.

Valor: Como estão os indicadores de ocupação das UTIs?

Azambuja: Estamos com 613 casos confirmados — há 25 pessoas internadas — e 16 óbitos. Temos 296 leitos de UTI disponíveis na rede pública e na rede privada que contratamos. Desses, oito estão ocupados hoje. Ainda é uma situação relativamente confortável, mas com trajetória ascendente. Há um total de 800 leitos clínicos. Temos um hospital de campanha pronto em Campo Grande, ao lado do hospital regional de referência, mas só vamos colocá-lo em funcionamento quando atingirmos 70% de ocupação.

Valor: O sr. considera a situação sob controle no Estado?

Azambuja: Mato Grosso do Sul tem uma extensão territorial ampla e densidade demográfica baixa, com exceção de Campo Grande. Há cidades do interior que nos preocupam hoje mais do que a capital. Em Guia Lopes da Laguna, tivemos o maior volume de contaminados devido à contaminação em um frigorífico local. De uma população de 10 mil habitantes, 92 foram infectados. Muitos se contaminaram compartilhando tereré [espécie de chimarrão gelado típico da região]. Agora há “lockdown” e um controle muito restrito. Não proibimos atividades produtivas. Conseguimos montar protocolos de segurança no setor industrial e na agroindústria. Houve diminuição, mas não paralisia.

Valor: Com esses resultados, não seria viável afrouxar o isolamento?

Azambuja: Hoje mesmo [segunda-feira] tive reunião com o centro de operações especiais e nossa posição é de redobrar a cautela. A volta às aulas estava prevista para 18 de maio e acabamos de prorrogar para 30 de junho. Vamos manter a vigilância e o isolamento, especialmente por causa dos idosos. Se olharmos o mapa de óbitos em Mato Grosso do Sul, só temos duas pessoas abaixo de 60 anos — ambas com doenças pré-existentes.

Valor: Então não seria o caso de adotar um isolamento vertical?

Azambuja: Não é o caso de afrouxar os protocolos. Temos bons resultados. Ainda há lugares com crescimento exponencial [de casos]. Agora é hora de manter a vigilância e o isolamento.

Valor: Não é prolongar desnecessariamente o dano à economia?

Azambuja: O impacto para a economia é no mundo todo. Nenhum setor está saindo ileso. Talvez o agronegócio, com a alta do dólar e a busca por proteína, devido ao bom desempenho exportador. A economia nós conseguimos recuperar. Vidas perdidas, não. Meu foco é na saúde das pessoas.

Valor: Qual é o impacto fiscal da pandemia no Estado?

Azambuja: Vivemos à base de ICMS, que corresponde a 90% das receitas, com transferências muito pequenas do FPE (Fundo de Participação dos Estados). Restringimos contratos, diárias, progressões no funcionalismo para segurar a despesa. Em maio, devemos perder mais de R$ 100 milhões na comparação igual período do ano passado. Para 2020, no decreto de calamidade, projetamos R$ 900 milhões em perda de arrecadação.

Valor: O pacote do governo federal para socorrer Estados previa congelamento dos salários de servidores até o fim de 2021, mas o Congresso incluiu várias categorias como exceções. O presidente deve vetar isso, como pede Paulo Guedes?

Azambuja: É impossível, em um momento de todos darem sua cota de sacrifício, fazermos qualquer tipo de reajuste. Independentemente da sanção ou veto do presidente. Na maioria dos Estados, a despesa com pessoal já chega a 70%, o teto da Lei de Responsabilidade Fiscal. É impraticável ampliar gasto com queda de receitas.

Valor: O sr. está disposto a bancar o desgaste, em termos de popularidade, de não dar reajustes salariais ao funcionalismo, incluindo Polícia Militar e Bombeiros?

Azambuja: Não é questão de popularidade, é uma questão de consciência. Não tem outro jeito.

Valor: Como tem avaliado a atuação do presidente, que demite ministros e acirra conflitos políticos no meio do combate à pandemia?

Azambuja: É o momento de dialogar com todo mundo e buscar soluções comuns. Quanto menos conflito, mais assertividade nas ações de saúde. Se ficarmos na discussão sobre relaxar o isolamento, tem que isso ou tem que aquilo... Vamos seguir a orientação da ciência e nos pautarmos pelo pessoal de saúde. É preciso despolitizar. Tem excessos de todos os lados.

Valor: Isso inclui os governadores, incluindo João Doria, que aumentou as críticas a Bolsonaro?

Azambuja: Sou da teoria de que agora devemos ter unidade. Meu finado pai ensinava: vamos desarmar os espíritos. Não é hora de conflito. Chega de apontar o certo e o errado. Menos política e mais ação coordenada. Os Estados não têm capacidade de emitir moeda e precisam de apoio da União, que é quem pode aumentar o endividamento e socorrer o setor produtivo. O mais errado é antecipar o calendário eleitoral. Quando se estica demais a corda, acaba arrebentando e a população sai prejudicada.

Valor: Adianta um só lado pregar moderação? Todo domingo há manifestações radicais em Brasília, com participação do presidente...

Azambuja: Esse radicalismo só atrapalha. Não constrói nada. Temos mais de 16 mil mortos, uma curva ascendente, colapso chegando a entes federados. Precisamos de pacificação. Teremos uma videoconferência [quinta-feira] com o próprio Bolsonaro. Se andarmos numa pauta comum ao país, com Estados e municípios, vamos avançar juntos. Claro, isso depende de gesto do presidente.

Valor: O ex-ministro Mandetta, com a visibilidade que alcançou, poderia ter apoio do PSDB para sua sucessão no Mato Grosso do Sul?

Azambuja: Ele foi um bom secretário municipal em Campo Grande, um parceiro como deputado e ajudou na organização do nosso sistema de saúde como ministro. O DEM é um partido aliado na Assembleia e no governo. Tem o vicegovernador, que é secretário de Infraestrutura, mas essa construção não passa só por mim. Política você faz com o grupo. O Mandetta dialoga bem com o nosso grupo.