terça-feira, 10 de janeiro de 2017

A Temer o que é de Temer - ANTÔNIO DELFIM NETO

VALOR ECONÔMICO -SP 10/01/2017

Os críticos mais radicais do programa que vem sendo executado pelo ilustre presidente Temer entregam-se a uma histeria verbal cacofônica com altos decibéis, mas pouca razão. No fundo, explicitam, apenas, a enorme dor que sofrem com a perda dos recursos públicos... Fingem ignorar que boa parte das medidas já era necessária e sugerida (mas não praticada!) nos governos Sarney, Collor, FHC, Lula e, particularmente, Dilma. Apenas para lembrar. Depois do fracasso do Plano Cruzado, os ministros de Sarney não imploraram em vão pelo controle das despesas? Collor não foi eleito para cortar as despesas com os "marajás"? Depois do enorme sucesso do Plano Real, mas antes de quebrar em 1998, FHC preocupou-se com o equilíbrio fiscal? Lula levou adiante o fundamental "aggiornamento" da CLT que estava no seu programa? Aceitou, Dilma, as propostas do ministro Mantega em 2013 e 2014 para controlar as despesas públicas enquanto pensava desesperadamente na sua reeleição? As últimas foram recuperadas, aliás, em 2015, pelo ministro Levy quando Dilma buscou - sem sucesso - restabelecer a aliança com os eleitores que havia traído.
Era tarde! A tragédia não tinha mais como ser escondida. No primeiro trimestre de 2016 confirmou-se que o PIB de 2015 havia caído 3,8% e a taxa de inflação, mesmo reprimida, saltara para 10,7%. Na confusão letal colhemos o segundo rebaixamento dos rating soberanos da S&P e o primeiro da Moody´s.
O presidente é um político que gosta de exercitar sua arte
O ano de 2016 começou com novo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, e uma visita de Dilma ao Congresso, da qual muito se esperava. Decepcionou. Sugeriu, apenas, a volta da CPMF (esquecida pela enorme vaia que levou) e pediu a prorrogação da DRU. É bom dizer que esta só foi aprovada no governo Temer, e, ridiculamente, sob feroz oposição dos deputados que a haviam apoiado com Dilma!
A partir de março ficou evidente que o governo perdera, completamente, a sua capacidade de administrar o país. As "previsões" catastróficas para a economia no ano iam se confirmando e a Fitch completou o trabalho das agências de rating: rebaixou o do Brasil, agora, definitivamente, do "grau de investimento" arduamente conseguido em passado não muito distante.
Sob enorme pressão, a presidente apoiou um programa bastante razoável sugerido pelo novo ministro: 1) um teto para as despesas primárias da União; e 2) mudanças na seguridade social. Reconhecia, também, a necessidade de controlar as despesas e melhorar a gestão na educação e na saúde, mas acreditava impossível fazê-lo.
A situação política do país continuou a agravar-se. Como resultado da sua falta de protagonismo e de um apoio parlamentar mínimo, Dilma foi afastada, provisoriamente, em maio. O longo processo de impeachment foi tumultuado. Seus opositores consumiram sua energia tentando caracterizá-lo como um "golpe" constitucional, em lugar de responder às acusações objetivas que lhe foram feitas. Temer, ainda na interinidade, construiu uma base política e escolheu para seu ministro da Fazenda Henrique Meirelles, que durante os oito anos de Lula comandara o Banco Central.
Pois bem. O programa de Meirelles em sua arquitetura é muito parecido com o de Nelson Barbosa que sequer chegou a ser apresentado por Dilma devido à sua visceral indisposição para o exercício da política. Temer, ao contrário, é um velho e treinado político que conhece e gosta de exercitar sua arte. Começou por onde Dilma terminara: coordenou uma espécie de parlamentarismo de ocasião que vem aprovando, apesar das dificuldades estruturais que cercam a atual conjuntura nacional, o que parecia impossível.
E claro que semelhanças arquitetônicas não escondem diferenças na forma de ver o mundo dos dois programas. O importante, entretanto, é que eles não diferem no reconhecimento da absoluta necessidade de dar um fim aos descalabros fiscais, aprovar algumas reformas estruturais, superar a contabilidade "criativa" e o voluntarismo inconsequente posto em prática a partir de 2012 (quando Dilma atingiu o auge da sua aprovação nas pesquisas de opinião) e os danos causados pela insensata (mas bem-sucedida!) tentativa de reeleição em 2014, ainda que tivesse de fazer o diabo".
Deixemos de lado a hipocrisia e tentemos, por alguns instantes, ser honestos. Quase tudo o que está sendo proposto (por Temer, e que esperemos seja aprovado) já era uma necessidade visível nos governos Sarney e FHC. Foi reconhecido no primeiro mandato de Lula, inclusive com sugestões interessantes (a modernização da CLT, o fim do imposto e da unicidade sindical, a política de déficit zero) mas logo abandonadas, porque Dilma, na ocasião chefe da Casa Civil, decidira que "gasto público é vida".
O que faltou, então? Talvez grandeza para empenhar o eventual prestígio passageiro que a sorte de cada um lhe conferiu numa sociedade com eterno viés curto prazista. O paradoxo é que parece ser preciso alguém com pouca aprovação no curto prazo para propor e aprovar o que ela necessita no longo. Infelizmente, a verdadeira revolução implícita na reforma constitucional sobre o limite dos gastos públicos não foi, ainda, introjetada pela maioria dos brasileiros.
Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras
E-mail: ideias.consult@uol.com.br

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